O Brasil vive um novo cenário no esporte com cinco medalhas de ouro olímpicas. O vôlei brasileiro sofre por causa da crise econômica e do coronavírus. Diferente do que aconteceu nas últimas temporadas, em que chegamos a ter quase toda a seleção brasileira atuando na Superliga, em 2020/2021 o que se verá em quadra será bem diferente.
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“A gente nunca teve uma situação assim”. Essa foi a frase de um dirigente que trabalha no vôlei brasileiro há décadas quando esteve em contato com a reportagem do Olimpíada Todo Dia. Essa afirmação de quem vive o dia a dia engloba crise econômica, já que o Brasil está com o real cada vez mais desvalorizado em relação as moedas estrangeiras, e o surgimento da pandemia de coronavírus, que trouxe diversas incertezas que atrapalham os clubes na captação de recursos.
As indefinições forçaram a saída de diversos atletas porque os patrocinadores, principalmente os menores, aguardam pelos resultados da reabertura da economia para avaliaram a verba que poderão disponibilizar ao esporte.
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Já os patrocínios que mantinham investimentos altos sofreram cortes de até 50% de seus orçamentos. Para sobreviverem diante da crise econômica, os clubes elaboraram estratégias e uma delas é a redução do tempo de contrato dos atletas e comissões técnicas.
O cenário preocupa
Em situação normal, o vôlei brasileiro de clubes tem como dinâmica um período de atividade de junho a abril, com o mês de maio utilizado como período de férias aos jogadores que não atuam pela seleção brasileira. Geralmente, os atletas voltam aos treinos em junho, etapa de pré-temporada que, frequentemente, dura até julho. As competições estaduais, na sua maioria, iniciam em agosto e terminam em novembro, mês de estreia da Superliga feminina e masculina.
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“O cenário é preocupante para o esporte em geral. Teremos que ser criativos e nos reinventar. O coronavírus agravou uma situação que já vinha se arrastando e foi determinante para a saída dos atletas, atrelado a isso o câmbio também favorece”, explicou um empresário em entrevista ao OTD. “Fizemos acordos para terminar a temporada e também houve ajustes para a próxima, mas não vejo como pior momento. É ruim para os atletas consagrados e com altos salários, mas é uma oportunidade para os mais jovens”, acrescentou.
De acordo com este empresário, o mercado no mundo árabe está bem atrativo aos atletas brasileiros. Para entender melhor o contexto, a reportagem do OTD entrou em contato com outro agente que representa atletas e atua com intermediário nas negociações com clubes brasileiros e estrangeiros.
“O coronavírus prejudicou o esporte no mundo inteiro. Saíram muitos atletas jovens e talentosos que gostaríamos que pudessem permanecer no país, mas a pandemia e a situação da moeda complicaram. O real está bem desvalorizado em comparação com o mercado europeu e colocamos vários jogadores lá”, comentou.
O lado dos clubes
Pelo lados dos clubes a situação não é boa. Um dos mais tradicionais clubes do vôlei feminino, o São Caetano garantiu presença na temporada 2020/2021, porém, o representante do ABC paulista perdeu seu patrocinador e segue em busca de um outro para conseguir montar uma equipe competitiva.
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Já no masculino, além da saída dos Sesc, que já havia anunciado o fim do projeto no meio da temporada, a elite do vôlei nacional pode ter mais duas perdas. O Vôlei Ribeirão não confirma se seguirá na próxima temporada devido a questões financeiras.
Além dessas duas equipes, o Maringá é também uma incógnita. Durante a temporada de 2019/2020, o time paranaense teve grandes problemas com o patrocinador principal e acabou resultando na saída de alguns jogadores com a Superliga em andamento.
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E, para tentar amenizar a situação, o presidente do clube e ex-levantador Ricardinho chegou a voltar a jogar em algumas partidas. Ele anunciou que o time poderia ir para qualquer cidade do país que topasse o projeto. Em contato com o OTD, Ricardinho comunicou que optava por não comentar o assunto pois estava aguardando novos acontecimentos.
Readequação necessária
A forma que as agremiações pagam seus profissionais já era heterogênea. Se por um lado alguns já remuneravam em divisões mensais, por outro, existem clubes que negociam com jogadores o montante anual. De 2010 a 2016, o esporte olímpico brasileiro passou por um aumento no investimento devido à Olimpíada Rio-2016. Com isso, muitos atletas tiveram mais ofertas de trabalho e com salários maiores. De lá para cá, o Brasil entrou em crise econômica e as oportunidades e valores diminuíram.
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“Será um ano de baixa e ajustes. Mas tem outro olhar para isso: será que o mercado não estava um pouco inflacionado? Será que era para ter tanto time pagando tanto dinheiro com a economia desse jeito? Os projetos são sustentáveis a longo prazo pagando tanto? Podemos olhar por outro prisma: será que não era hora desse ajuste para as coisas ficarem parametrizadas?”, disse Fernando Maroni, gestor do Vôlei Renata, time masculino de Campinas.
Temporada de desafios
“A chegada do coronavírus agravou uma crise que já existia. O vírus atrapalhou o poder de investimento das empresas, que acabou ficando menor. Em uma crise grande já há uma retração normal e isso dificulta o planejamento, pois gera incertezas se vai ter ou não competição. É tudo muito novo e, com certeza, será uma temporada com muitos desafios e os clubes precisam estar unidos com a CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) e os atletas para superarem as dificuldades que teremos”, afirmou Keyla Monadjemi, diretora da equipe feminina do Minas.
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Com recursos reduzidos por consequência da crise econômica, os clubes precisam se organizar para cumprirem com as obrigações com seus funcionários, coisa que não aconteceu em alguns casos nas temporadas anteriores.
“Espero que na próxima temporada aconteça o que deveria acontecer em todas as anteriores, com os times gastando exatamente o que podem e o que tem. Eles não podem mais se comprometer com algo que depois se torne inviável de se honrar”, comentou Maroni, que está à frente do projeto de Campinas, que existe há 11 anos.
Mudando para seguir
Apesar de nas últimas temporadas ter contato com jogadores de renome e conhecidos do grande público como William, Lipe, Lucas Lóh e Alan, o Sesi se viu obrigado a mudar de filosofia para a temporada 2020/2021. O novo cenário econômico do país fez com que a equipe paulista mudasse a forma de ver a formação da equipe, que agora conta com um time completo de jovens atletas e com a experiência do líbero Murilo.
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Segundo Eduardo Carreiro, gerente de esportes do Sesi, alguns fatores levaram a essa decisão. “A retração da economia como um todo deixou o vôlei e todos os outros esportes em uma situação bem difícil”.
Para a temporada 2020/2021, o time paulista já vinha com a ideia e perspectiva de usar ainda mais sua base, em comparações a anos anteriores. Contudo, o coronavírus fez com que esse pensamento para a formação da equipe, segundo Eduardo, fosse alterado.
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“Íamos usar mais a base nessa temporada, porque é nossa forma de trabalhar, com uma mescla com alguns jogadores mais experientes. Contudo, o coronavírus mudou um pouco isso e acabou causando o êxodo dos atletas. Por ser uma crise mundial, acredito que vai afetar tudo no planeta, não só o vôlei ou o esporte”.
Na contramão
Enquanto a grande maioria dos clubes estão perdendo patrocínio, outros estão tendo que mudar sua forma de pensar e atletas estão seguindo para o exterior, um time parece estar na contramão da maioria.
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Recém-promovido para a elite do vôlei nacional, o Guarulhos foi um dos únicos times garantidos na próxima temporada da Superliga que já confirmou todo seu elenco. Com um orçamento de uma equipe que está caminhando para sua estreia na divisão principal, o norte para que nada saísse do planejamento no meio da crise foi um só.
“Nós não poderíamos gastar mais do que tínhamos no orçamento. E foi isso que foi feito. Costumo dizer que temos uma gestão profissional no time e o responsável pela setor financeiro me passou o quanto eu poderia gastar com comissão técnica, com atleta, com estrutura, com tudo. E eu não gastei nenhum real a mais pra fechar o elenco e tudo mais da temporada 2020/2021”, comentou Anderson Marsili que é o presidente da equipe paulista.
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Além de trabalhar dentro dessa sanidade financeira da equipe, o time de Guarulhos conseguiu dar um pouco de “sorte” durante a pandemia. “A Vedacit foi uma empresa que não perdeu tanto durante essa situação atípica que estamos vivendo. Claro que teve perda, mas dentro do que se viu de outras foi pouco e isso ajuda o nosso projeto. O nosso vínculo com eles não é só para essa temporada, quando o time nasceu eles acreditaram no projeto de médio e longo prazo que foi proposto”.
Esperança na saúde
Existe a esperança que a vacina possa salvar a próxima temporada do vôlei brasileiro, já que o esporte depende bastante da torcida e dos patrocínios. Sem apoio dos investidores e os ginásios cheios, a modalidade sofrerá nas competições do calendário 2020/21. Os personagens que trabalham no dia a dia do vôlei esperam que a crise econômica agravada pelo coronavírus não atrapalhe os anos seguintes.
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“Esse ano será complicado. Acho que 2020 entrará nos anais como um ano perdido para o esporte, já que não teve Olimpíada e, no vôlei, não teve Liga das Nações”, disse o dirigente. “Será um ano difícil e tomara que não afete os outros. Acho que tudo é passageiro e serve como experiência. Não podemos ser pessimistas”, finalizou Marsili .