Estímulo para a prática de esportes desde criança, muita dedicação, exemplos de peso dentro de casa e um palco de treinos especialíssimo. Esses são alguns dos ingredientes que sopram a favor para que a velejadora Giovanna Prada consiga seu objetivo de disputar uma edição de Olimpíada. Ingredientes, talvez, não seja o nome mais preciso para explicar esse conjunto de fatores. Como ela mesma define, pra chegar lá, “precisa, bastante, alinhar os astros para dar tudo certo”. Ela veleja de windsurf, na classe IQFoil, após começar pelo Bic Techno e passar pelo RS:X. Até Tóquio-2020, era o RS:X que estava no programa olímpico da vela, mas em Paris-2024 será a vez do IQFoil.
Atualmente Giovanna Prada está disputando vaga para os Jogos da França, mas o foco mesmo está em Los Angeles-2028. “Vou ter mais experiência na classe, mais idade também. Acho que eu teria mais chance de, além de ir, ir bem, chegar numa final. Então eu tô trabalhando agora, fazendo todas as horas (de treino), pensando mais em Los Angeles do que Paris”.
Se estiver na França ano que vem, o foco será ganhar experiência. “Os Jogos Olímpicos, falam, tem bastante do psicológico. Muita pressão de tudo, exposição. Você vai bem, tem um monte de mídia. Você vai mal, também um monte de gente perguntando porque foi mal. Então (Paris) seria um jeito de aprender a administrar isso para quando puder dar o meu melhor e ter um resultado bom, eu já eu sabia administrar essas emoções.”
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Do vôlei à vela
O caminho que levou Giovanna para a vela corrobora a tese de alinhamento dos astros. O primeiro alinhamento veio ainda dentro de casa, com os pais mergulhados no mundo do esporte. A começar pelo pai, Bruno Prada, duas vezes medalhista olímpico e cinco vezes campeão mundial na vela. A mãe, Carla Prada, pedala e já esteve mais de uma vez na L’Étape du Tour de France, competição amadora com mesmo percurso de uma etapa da Volta da França, a maior prova de ciclismo do mundo. Assim, na casa deles, sempre houve uma regra bem clara: tem de praticar esporte.
“Eles nunca forçaram a fazer vela, tanto que comecei bem tarde. A gente morava em São Paulo, então todos os esportes eram acessíveis. Passei por tudo. Fiz todos os de quadra.” Dentre todos que experimentou, o vôlei foi o primeiro a ganhar o coração da velejadora, não exatamente pela modalidade em si. “Comecei mais pelas amigas do que pelo esporte.” Praticou por cerca de cinco anos e só parou quando não foi possível seguir na evolução natural de um atleta da modalidade. “Minha mãe não me ajudou”, brinca. “Ela tem 1m55!” Na categoria mais de base, ela até conseguiu ser atacante, era ponteira. Com o passar do tempo, porém, foi vendo as amigas crescerem, tentou ainda jogar de líbero, mas acabou que não deu pra seguir. “Eu era uma das menores.”
Segundo alinhamento
Mas, sabemos, mãe também escreve certo por linhas tortas, e a aposentadoria precoce do vôlei abriu sonhos maiores na vela. Bruno Prada não forçou nada, Giovanna deixa bem claro, mas um primeiro empurrãozinho não deixou de dar. Seguindo a regra do “tem de praticar esporte”, nos finais de semana Bruno levava a filha ao Yacht Club Paulista, na beira da Represa de Guarapiranga, em São Paulo para velejar de Optimist. Caminho que ele mesmo seguira em seus primeiros passos.
Ela ia, mas, assim como no vôlei, não exatamente pela modalidade e sim pelos amigos. “Eu odiava. A parte de velejar era o que atrapalhava o meu final de semana”, diz. “Os dias que não tinha vento eram os que eu mais de divertia.” O grupo de amigos, porém, já gostava dos ventos e passou a levar mais a sério a competição. Ela não acompanhou e deixou a vela de lado. Temporariamente.
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Tava escrito
Os astros completaram a conjunção durante umas férias que Giovanna Prada passou em Ilhabela, cidade no litoral norte paulista. Ilhabela é conhecida como a Capital da Vela por conta do regime de ventos muito favorável para a modalidade. Neles, foram forjados alguns dos maiores velejadores do país e do mundo, como Robert Scheidt, e ainda são, como o jovem Alex Kuhl, o Alemão, primeiro brasileiro a ser campeão mundial de Optimist.
“Nas férias de janeiro de 2016, eu tava na Armação (uma das praias de Ilhabela) e vi uma galera velejando de windsurf. Aí pensei: ‘é bem mais legal do que aquela que eu tava (em São Paulo, a Optimist)'”. Assim, resolveu fazer algumas aulas para experimentar e se apaixonou.
Tchau, São Paulo!
Nessa época ela ainda morava em São Paulo e só passava as férias na ilha. Ao retornar para a capital, foi procurar onde praticar o windsurfe por lá mesmo. Achou um clube, onde frequentou, mas ainda havia muitas dificuldades de treino. O local era distante de onde morava, além de serem mais raras condições climáticas favoráveis. “Eu morava perto da (Avenida) Paulista. Pegava metrô, trem e ônibus para chegar lá (Represa de Guarapiranga). E aí tinha vezes que não tinha vento.”
No final de 2017, então, ela fez as malas e foi de vez para Ilhabela. Quatro meses depois, conquistou em Paracas, no Peru, classificação para os Jogos Olímpicos da Juventude de 2018. “Vim pra Ilhabela em dezembro de 2017 e em março de 2018 consegui me classificar. Deu uma condição (de competição) certinha, parecida aqui com a ilha”, conta. “A gente olha pra trás e fala que realmente alinharam os astros. De eu mudar para a ilha, conseguir velejar todo dia, aprendi a velejar no vento mais forte, e ter dado essa condição lá”, complementa, reforçando que o passaporte olímpico foi uma grande surpresa. “Meu pai chorou.”
‘Experiência marcante’
Os Jogos Olímpicos da Juventude são recentes, começaram em Singapura, em 2010. Giovanna Prada disputou o de Buenos Aires entre 6 e 18 de outubro de 2018 reunindo cerca de 4 mil atletas. O Brasil levou 121 atletas competindo em 31 modalidades e conquistando 15 medalhas.
“Realmente é uma vivência quase de uma Olimpíada. É Vila (Olímpica), fechada, você tem de andar de crachá para passar de um setor para o outro, todos os atletas lá”, diz. Ela lembra que, na ocasião, diferentemente do que normalmente ocorre, o tempo de estadia deles não foi apenas o de competição. A delegação ficou durante todo o evento. “Todo mundo ficou lá 20 dias, então deu tempo de assistir um monte de esporte. A minha (competição) era na terceira semana, então, nas primeiras duas semanas ia assistir tênis de mesa, arco e flecha, basquete 3×3. Consegui interagir com todos. Foi uma experiência marcante.”
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Primeira boia na frente
Na raia de competição, o resultado era o que menos importava, afinal ela tinha apenas alguns meses de treino diário e em condições mais desafiadoras. Mas ainda assim teve momentos que tiram um grande sorriso de Giovanna. “Fui sem muita expectativa. Lá tinha as melhores das melhores do mundo. A menina que ganhou era cinco vezes campeã mundial dessa classe. Fui para ganhar experiência mesmo”.
No último dia de disputas, porém, novamente os astros ajudaram. Assim como em Paracas, entrou uma condição de vento muito parecida com a que ocorre frequentemente em Ilhabela e Giovanna teve seu momento. “Tiveram três regatas e nas três eu montei a primeira boia em primeiro, na frente de todo mundo. A minha maior memória sou eu chegando no bote (de apoio) e falando com as pessoas: ‘meu, vocês viram que eu montei em primeiro?’. Voltei muito feliz, porque vi que tinha capacidade. Só precisava treinar. É difícil pra caramba chegar na primeira boia na frente. Precisa largar bem, escolher o lado certo, fazer uma manobra boa. E aí eu falei: ‘pô, se eu conseguir fazer isso com seis meses de treino, com essas feras aqui, preciso só me dedicar.”
Dedicação, foco e resultado
Foi o sopro final para Giovanna abraçar de vez a modalidade e velejar com o olho em uma Olimpíada. Dali em diante, e com Bruno Prada de técnico, adequou a rotina de estudos, treinos, alimentação e passou a praticar e competir ao lado dos principais nomes da modalidade, nos maiores palcos da vela no mundo. Os resultados, então, não tardaram a aparecer.
Em 2019 saiu do Mundial da Juventude com o sexto lugar, o melhor dentre todos os brasileiros. Em dezembro de 2021 foi campeã sul-americana e vice-campeã dos Jogos Pan-Americanos Júnior de Cali, na Colômbia. No ano seguinte, em setembro, mais dois grandes resultados internacionais. Primeiro conquistou uma vaga para o Brasil nos Jogos Pan-Americanos de Santiago-2023 e, a seguir, chegou na final do IQFoil Games, na Itália. Um mês depois, em outubro, faturou a medalha de prata no Sul-Americano do Paraguai.
Agora em 2023, foi campeã sul-americana, desta vez na Argentina, vencendo 13 das 16 regatas disputadas. Pouco antes já havia levado o continental norte-americano, nos Estados Unidos. Como se não bastasse, recentemente faturou um bronze na Semana Olímpica da Alemanha, em Kiel, e, a seguir, disputou o Mundial na Holanda. Isso só citando as competições internacionais, sem listar os grandes resultados em regatas aqui pelo Brasil.
E assim Giovanna Prada vai cortando as águas rumo a uma edição de Jogos Olímpicos. Falta saber se ele se concretizará em Paris-2024, Los Angeles-2028, Brisbane 2032. O que será que os astros, desta vez, reservam para seu destino?