Iguais enquanto seres humanos, diferentes em suas características e personalidades. Quando que ser diferente é ruim? E por que o sentimento de igualdade não aparece? Eu costumo brincar que o meu universo é paralímpico e que este é o “normal”. Me fizeram enxergar que tudo é muito simples. Um é loiro, o outro é negro, um é baixo, o outro gordo, um anda, o outro não, um tem mão e o outro não. E está tudo bem, deveria estar, e para todo mundo.
Mas, realmente não é simples na prática. E aquela crise com o espelho? Pode acontecer com qualquer um na verdade. Sem importar o gênero, a raça, a cor da pele, idade, com ou sem deficiência. O tal do amor-próprio pode ser difícil de se ter alinhado e valorizado. Em um mundo com tantos estereótipos cultuados, o processo de aceitação pode ser doloroso para muitos (eu me incluo nessa!).
E quando se trata de uma pessoa com deficiência é um “quê” a mais na pauta? Eu não tenho deficiência, mas meu pai ficou cadeirante e eu trabalho e vivo diariamente neste universo paralímpico desde 2013, compartilho aqui meu ponto de vista a partir disso. A posição de empresária de atletas paralímpicos me fez mergulhar na história de vida de alguns deles e a autoaceitação se fez comum nos seus discursos e trajetórias.
Querer mudar é diferente de adaptar. Insistir em encaixar em um molde de pessoa ideal também não dá certo. Para aqueles que tiveram o desafio de ter a vida transformada por uma doença ou acidente certamente é mais difícil. As referências e memórias conflitam internamente. Porém, não acredito que para quem tenha nascido com uma deficiência seja de alguma forma tão mais fácil.
Mulheres por serem um pouco mais vaidosas por natureza tendem a sofrer mais neste quesito. A cadeira de rodas, órteses e próteses começam como “inimigas” da beleza, mas aos poucos ganham seu espaço. A lançadora de dardo Raíssa Machado demorou para aceitar a sua cadeira de rodas e deficiência, e o esporte paralímpico a ajudou a mudar a sua percepção e a se aceitar. Descobriu uma enorme força interna e virou a chavinha. Hoje, a sua atitude inspira tantas outras pessoas pelas redes sociais. Já a jogadora de vôlei sentado Luiza Fiorese cansou de declinar propostas para tatuar a cicatriz que tem na perna esquerda, afinal não há nada de errado nela a ponto de ter que cobrir ou esconder. Virou uma marca registrada e um particular charme da atleta capixaba.
Que loucura!
E agora, se ainda considerarmos a deficiência intelectual esbarramos ainda mais no preconceito derivado de uma falta de conhecimento sobre este assunto. Um grande mito e erro associá-la à loucura. E pensar “eu sou louco” é loucura mesmo! Rs. Possivelmente isso fez com que muitas pessoas não levassem à sério sua deficiência e ignorassem os diagnósticos médicos. O sentimento de achar que só tem uma dificuldade ou só se sente “mais lerdo(a)” compromete ainda mais toda a situação. Foi o que passou o nadador Gabriel Bandeira que já competia no esporte convencional por anos e quando realizou os testes se viu elegível na natação paralímpica e “se encontrou”, em um mundo mais leve e em suas próprias palavras “que permitia ser ele mesmo”. Quantos outros podem estar na mesma situação e ainda insistindo em não se aceitar?
A autoaceitação é um processo, porém libertador. O passo seguinte é cuidar da autoestima e não se limitar no mundo já limitado. Quando eu idealizo parcerias e campanhas publicitárias e almejo marcas famosas, grandes, internacionais e até mesmo de luxo para pessoas com deficiência, sinto que alguns ficam com receio, como se eu estivesse alucinando. “Tem certeza sobre isso?” perguntam. “Sim, porque não?” eu respondo. E aí, nem vamos entrar no mérito de classe social e poder de aquisição, tá? Quero quebrar o pensamento automático de que pessoas com deficiência não poderiam ou deveriam estrelar campanhas assim.
O protagonismo há de chegar! Seguimos na batalha para mudar este cenário e para que pessoas com deficiência sejam admiradas e dignas de serem embaixadoras de grandes marcas. Mas muito mais que isso, que possam ser exemplos e inspirem a beleza real e natural, com todas as suas características que compõem hoje a melhor versão de você mesmo(a).
O universo paralímpico é uma verdadeira escola e eu espero que com esta coluna eu consiga compartilhar um pouco do que cada personagem me marcou nesta trajetória.
A AUTORA DO BLOG UNIVERSO PARALÍMPICO
Mônica Valentin é graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade de Mogi das Cruzes, com MBA Executivo em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas, pós-graduação em Gerenciamento Esportivo pela Griffith University/Austrália, Master da FIFA/FGV/CIES em Gestão, Marketing e Direito no Esporte e pós-graduação em Marketing Digital pela ESPM & Digital Marketing Institute.
Dezessete anos de carreira na área de marketing e comunicação. Já trabalhou no segmento de outdoor, universidade, jornais e televisão. Atuou na área de Operações da Maratona de Gold Coast/Austrália, foi colunista na J. Cocco Sportaiment Strategy, atendeu o Sport Club Corinthians Paulista, até ingressar no esporte paralímpico, em 2013, no Comitê Paralímpico Brasileiro, onde ficou na área de marketing por três anos e depois por mais dois na área de esportes. No início de 2018, assumiu a carreira do nadador paralímpico Daniel Dias e do marketing do Instituto Daniel Dias. No ano seguinte, abriu sua própria empresa para ampliar o agenciamento à atletas paralímpicos. Durante as Paralimpíadas de Tóquio tinha seis dos sete agenciados em atuação conquistando medalhas. Também em 2021, começou a trabalhar na Confederação Brasileira de Skate para o gerenciamento do patrocínio das Loterias Caixa.