Tóquio – Foram semanas que não vão sair tão cedo da memória de Jéssica Messali, do triatlo. Em pouco mais de um mês e meio, ela sofreu um acidente gravíssimo nos pés, precisou passar por dez cirurgias em 25 dias, amputou sete dedos e meio e viveu a dolorosa indecisão sobre a participação nos Jogos Paralímpicos de Tóquio. Conseguiu vir, não teve condições de fazer um bom desempenho na natação, porém não desistiu, superou o que parecia insuperável, ultrapassou seis adversárias no ciclismo e na corrida e fechou a epopeia a segundos daquele que seria, talvez, o pódio mais espetacular da capital japonesa. Acabou em quarto lugar e com o que chamou de misto de sensações.
Logo após a prova, muito emocionada, a atleta do Time Dux Nutrition afirmou que sai com uma lição de tudo o que passou. “Não jogar a toalha, e eu não joguei. Lutei até o final. Faltou pouco, estou frustrada, eu queria estar no pódio, trabalhei para isso, mas fica para Paris. Vou levar tudo isso para Paris. A gente tem mundial aí pela frente, parapan, tem um monte de prova. Vou levar essa sensação de estar um pouco p… para todas as provas”, falou, em meio a risos e choros. “Fiz uma prova profissional, digna. Saí em praticamente em último na natação e fiz um ciclismo espetacular, uma corrida. Estou com um nó na garganta e vai demorar três anos para desfazer em Paris. Eu prometo.”
Acidente na sauna
Jéssica Messali queimou os pés em uma sauna no dia 6 de julho. Estava em Rio Maior, totalmente focada nos treinamentos visando os Jogos Paralímpicos. Precisou voltar para o Brasil e fez as dez cirurgias para a retirada de pele morta e a amputação dos dedos. Até então, vinha na chamada ponta dos cascos. Competiu três vezes em 2021 e fez três pódios: venceu a etapa da Copa do Mundo de La Coruña e foi vice na Série Mundial de Yokohama e no Parapan-americano de Pleasant Prairie, nos Estados Unidos.
(Atenção, fotos fortes)
Ano passado levou o ouro da etapa de Alhandra da Copa do Mundo e, em 2019, foi vice da etapa do Funchal e bronze na de Magog, ambas da Copa do Mundo, e prata da Série Mundial em Milão e no Parapan-Americano de Sarasota. Ainda naquele ano, disputou o Iron Man 70.3, em Maceió, e fechou a prova em 5h57min, três minutos a menos da meta de seis horas, tornando-se a primeira mulher cadeirante da América Latina a concluir a competição. Ela conheceu o esporte paralímpico em 2017, quatro anos após ter sofrido um acidente automobilístico que a deixou paraplégica.
Dificuldade na água
Dentre toda a dificuldade que o acidente na sauna gerou especificamente na preparação para os Jogos Paralímpicos, a maior foi na natação. “Foram 47 dias sem nadar, (tive de usar) meias pesadas, placa de silicone. O que eu fiz na água foi um milagre. Eu saí totalmente desgastada e mesmo assim fiz um bom ciclismo, uma boa corrida. Dei tudo, não consigo nem levantar o braço de tanta força que eu fiz”, disse. Ela saiu lenta da água para a transição, parecia que não completaria. “Saí morta. Olhei para o lado e não tinha mais cadeira nenhuma, mas falei: ‘acredita, vai, a prova só vai terminar no pórtico (linha de chegada), vai, vai’ e fui ganhando posição no ciclismo. Quando chegou na corrida, já tinha passado quatro meninas e eu falei: ‘vai dar, mais um pouquinho’. Se tivesse mais uma volta de corrida teria dado pódio com certeza absoluta, é por isso que eu estou chorando. Se tivesse uma semana a mais (de treino) para nadar um pouco…nadei sem pulmão, nem sei o que eu fiz na água.”
Ao final, em meio a um furacão que parecia estar passando pela sua mente, entre risos e choros seguidos, Jéssica Messali disse estar feliz. “Voltei a treinar há quinze dias e a gente não fez polimento, não fez nada”, comentou. “‘Foi bonito, né coach'”, perguntou em voz alta para o treinador, que aguardava ali do lado. Ele respondeu visivelmente emocionado: ‘sem palavras’. A seguir, já se encaminhando para o vestiário, recebeu um abraço apertado de um colega da delegação. Chorou muito em seu ombro e ouviu umas verdades: “você é f…, muito f…, é medalha de ouro.”