Ela mesma se define como uma desbravadora. É também incansável. Aos 57 anos, sendo vinte deles na seleção brasileira, Janice Teixeira encerrou na quarta-feira (31) sua longa carreira de atleta de Jogos Pan-Americanos de tiro esportivo. Mas isso não quer dizer que ela vai largar tudo e ir para casa. Afinal, nem um AVC tirou-a da caminhada na fossa olímpica.
Um de seus próximos desafios é do tamanho de sua paixão pelo esporte que pratica. “O meu sonho é fazer uma equipe feminina de fossa olímpica no Brasil e fazer com que elas tenham respeito”, conta, em entrevista concedida com exclusividade para o Olimpíada Todo Dia pouco depois de sair da prova de fossa olímpica mista e fechar sua participação nos Jogos de Lima. Ela competiu ao lado de um parceiro de longa data, Roberto Schmits.
“Se eu puder ter uma equipe, pegar três meninas e dizer ‘gente, bora fazer medalha’, é o que eu quero”, resume. “Eu tive de abrir espaço meio de foice para chegar onde eu cheguei”, diz, relatando também ter passado por casos de machismo explicito tão recorrentes em todos os setores da sociedade. “Íamos entrar em uma série de treinamentos. Sobrou um lugar, vai a Janice, senão ela espera”, diz. “Não quero que levem a dor que a gente carregou a vida inteira de ter de pedir: ‘olha, por favor, me ajuda, eu quero treinar’. Eu não quero ver nunca mais isso nas mulheres. Vou lutar para isso.”
Seria um feito inédito no país e para ela, mas Janice é uma desbravadora. “Eu fui a primeira medalha pan-americana no tiro ao prato. E sou a primeira e única atleta olímpiada do tiro ao prato até agora.”
A medalha veio no Pan de Santo Domingo, na República Dominicana, em 2003. E ela tem muito mais: “deixo medalhas de jogos sul-americanos, deixo oito medalhas de ouro de copa continental americana, que é o campeonato sul-americano do prato e catorze ou quinze de campeonatos brasileiros.”
Respeito. Respeito absoluto!
Os sonhos de Janice Teixeira orbitam em torno de uma palavra: respeito. Algo que faltou a ela durante toda a carreira na fossa olímpica. Não apenas a ela, diga-se de passagem.
“A gente tem alguma coisa da federação, mas muito aquém do que deveríamos ter. E eu já com toda essa estrada andada quero ver se luto muito para no próximo Pan-Americano, não para mim, para que os próximos atletas sejam reconhecidos. Nós temos uma boa chance de ir adiante e trazer bastante medalha para o Brasil desde que nos respeitem”.
“Falta treinamento, falta preparação. A gente não tem absolutamente nada. Se tu observar a bancada dos Estados Unidos têm sentados ali um psicólogo, um massoterapeuta, um fisioterapeuta, dois técnicos e um atleta para atirar”, conta. “A delegação brasileira no tiro ao prato resume-se eu, o Schmidt e o Fernando (chefe de delegação). Nós não temos técnico. Eu treino sozinha no Rio de Janeiro.”
Ela treina no campo de tiro da Rio 2016 e considera o local de acordo com o que precisa. “Mas infelizmente não adianta a estrutura física se a gente não tiver o principal, o começo, que é um técnico, um bom técnico. No início do ano, em 2019, a gente solicitou um técnico italiano que iria nos acompanhar até os Jogos Pan-Americanos, mas infelizmente nunca tinha verba, nunca tinha dinheiro”.
Em um exemplo claro, mostra como uma estrutura mínima dá resultados. “Nós tivemos um campeão mundial. Um menino (Leonardo Lustoza) de 18 anos, na fossa olímpica, que é a minha modalidade. O menino fez a medalha de ouro no mundial por conta própria. O pai paga o treinamento, paga o técnico dele, o nosso ex-técnico Carlo Dana, que foi mandando embora, e ele foi lá e fez uma medalha de ouro”.
“Os caras dizem: ‘vai ali fazer o teu melhor e se diverte’, mas não é isso o que eu quero. Nunca foi”, acrescenta. “Eu quero respeito. Muito! Respeito. Respeito absoluto!”
Tive um AVC e treinava no hospital
Criar um time feminino de fossa olímpica que seja respeitado não apenas desportivamente é uma tarefa grande, mas não é uma boa duvidar de Janice Teixeira. Em 2008 ela teve um AVC bem grave e seu médico queria decretar sua aposentadoria. “Eu disse: ‘negativo’ e fiz uma medalha de ouro continental para o Brasil no mesmo ano”.
Esportista na essência, ela conta que treinava no hospital. “Eu mandei a minha irmã colocar pratinhos nos cantos do quarto do hospital. Eu tinha medo de ter perdido o reflexo, então eu sentada na cama eu fazia o movimento do tiro para saber se não tinha perdido o reflexo”, revela. “A paixão te move”, finaliza.