Quem acompanhou a reta final da preparação de Jéssica Messali para os Jogos Paralímpicos de Tóquio sabe o extremo esforço que a atleta do Time Dux Nutrition teve de fazer para competir em solo japonês. Em pouco mais de um mês e meio, ela sofreu um acidente gravíssimo nos pés, precisou passar por dez cirurgias em 25 dias, amputou sete dedos e meio e viveu a dolorosa indecisão sobre a ida ao Japão. Superando todas as dificuldades possíveis, embarcou e acabou com um honroso quarto lugar, quase buscando um lugar no pódio no fim.
O resultado, no entanto, deixou Jéssica com um misto de sensações. Logo após a prova, muito emocionada, a atleta afirmou que sai com uma lição de tudo o que passou. “Não jogar a toalha, e eu não joguei. Lutei até o final. Faltou pouco, estou frustrada, eu queria estar no pódio, trabalhei para isso, mas fica para Paris. Vou levar tudo isso para Paris. A gente tem mundial aí pela frente.”, falou à época, em meio a risos e choros, ao Olimpíada Todo Dia.
Quase dois meses após o turbilhão de emoções vivido no Japão, pode-se afirmar que a triatleta de fato não jogou a toalha. Mesmo com complicações após a performance nos Jogos Paralímpicos, Jéssica não abandonou os treinos, passou por novos reparos cirúrgicos e participou de provas que fogem de sua rotina habitual. Tudo isso para conseguir o melhor desempenho no Campeonato Mundial de Triatlo em Abu Dhabi, que ocorrerá nos dias 5 e 6 de novembro.
“O meu retorno foi muito ativo. Eu acabei me machucando um pouco durante a prova em Tóquio. Voltei e fiz mais três cirurgias: um reparo de enxerto, mais uma amputação de um dedo que eu acabei machucando e uma cirurgia para cortar e fechar a abertura que foi feita na minha coxa. Então voltei entre cirurgias e treinos regenerativos, mas consegui me recuperar em umas duas semanas,” explicou Jéssica.
Saudável e pronta
Finalmente recuperada e livre de médicos e hospitais, Jéssica voltou suas atenções para o Mundial de Abu Dhabi, a competição mais importante do ano após a Paralimpíada. Para isso, a atleta focou primeiro em participar de competições, mesmo que não fossem de triatlo propriamente ditas.
A estratégia se mostrou acertada. No final de setembro, Jéssica Messali venceu as provas de contrarrelógio, e de resistência da handbike WH3 na 1ª etapa da Copa do Brasil de Paraciclismo de Estrada, disputada em João Pessoa, na Paraíba.
“A prova de contrarrelógio é muito similar ao que acontece dentro do triatlo, porque é uma prova rápida. Você tem que dar tudo, não tem muita estratégia, é ‘você contra você’. E pra mim foi até mais fácil porque não antecede uma natação, onde eu fico totalmente exausta, e eu não preciso me resguardar porque não tem uma corrida de 5km depois. Por incrível que pareça, me saí muito bem. A de resistência foi mais difícil porque eu não estou acostumada a competir em dois dias seguidos. Mas no sprint final deu tudo certo,” avaliou a atleta.
Polimento no melhor local possível
Para chegar mais preparada ainda ao Mundial de Abu Dhabi, Jéssica Messali optou por fazer quatro semanas de treinamentos intensivos no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, principal centro de excelência do Brasil e da América Latina e um dos melhores do mundo esporte de alto rendimento.
O objetivo da paulista de Jaboticabal nos Emirados Árabes é claro: subir o pódio que escapou por pouco nos Jogos Paralímpicos de Tóquio.
“A minha expectativa é muito boa. Além de estar em um local que me oferece total estrutura para as três modalidades eu estou bem recuperada fisicamente e agora estou alinhando tudo mentalmente para casar com o físico e ir buscar a minha medalha. Para virar essa página do que aconteceu em Tóquio. Eu tenho que estar no pódio para virar essa página!,” finalizou.
Relembre o acidente
Jéssica Messali queimou os pés em uma sauna no dia 6 de julho. Estava em Rio Maior, totalmente focada nos treinamentos visando o triatlo nos Jogos Paralímpicos. Precisou voltar para o Brasil e fez as dez cirurgias para a retirada de pele morta e a amputação dos dedos.
Até então, vinha na chamada ponta dos cascos. Competiu três vezes em 2021 e fez três pódios: venceu a etapa da Copa do Mundo de La Coruña e foi vice na Série Mundial de Yokohama e no Parapan-americano de Pleasant Prairie, nos Estados Unidos.
(Atenção, fotos fortes)
Ano passado levou o ouro da etapa de Alhandra da Copa do Mundo de triatlo e, em 2019, foi vice da etapa do Funchal e bronze na de Magog, ambas da Copa do Mundo, e prata da Série Mundial em Milão e no Parapan-Americano de Sarasota.
Ainda naquele ano, disputou o Iron Man 70.3, em Maceió, e fechou a prova em 5h57min, três minutos a menos da meta de seis horas, tornando-se a primeira mulher cadeirante da América Latina a concluir a competição. Ela conheceu o esporte paralímpico em 2017, quatro anos após ter sofrido um acidente automobilístico que a deixou paraplégica.
Dificuldade na água
Dentre toda a dificuldade que o acidente na sauna gerou especificamente na preparação para os Jogos Paralímpicos, a maior foi na natação. “Foram 47 dias sem nadar, (tive de usar) meias pesadas, placa de silicone. O que eu fiz na água foi um milagre. Eu saí totalmente desgastada e mesmo assim fiz um bom ciclismo, uma boa corrida. Dei tudo, não consigo nem levantar o braço de tanta força que eu fiz”, disse.
Ela saiu lenta da água para a transição, parecia que não completaria. “Saí morta. Olhei para o lado e não tinha mais cadeira nenhuma, mas falei: ‘acredita, vai, a prova só vai terminar no pórtico (linha de chegada), vai, vai’ e fui ganhando posição no ciclismo. Quando chegou na corrida, já tinha passado quatro meninas e eu falei: ‘vai dar, mais um pouquinho’. Se tivesse mais uma volta de corrida teria dado pódio com certeza absoluta, é por isso que eu estou chorando. Se tivesse uma semana a mais (de treino) para nadar um pouco…nadei sem pulmão, nem sei o que eu fiz na água.”