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Paralimpíada Todo Dia

‘As palavras fogem, mas eu estou na realidade e estou muito feliz’

Beth Gomes é pura emoção e gratidão após finalmente ganhar o sonhado ouro, consagrando uma vida de amor ao esporte

Elisabeth Gomes ouro jogos paralímpicos tóquio 2020 lançamento do disco atletismo paralímpico
Pura emoção (OIS/Joel Marklund)

Tóquio – Elisabeth Gomes, ou só Beth Gomes, aguardou como poucos a consagração como atleta. Primeiro esperou cinco longos anos para finalmente poder ao menos competir no maior evento paralímpico do mundo. Depois, no dia da tão sonhada prova, esperou todas as oito primeiras competidoras fazerem suas marcas, seis cada uma, para poder sentar na área de lançamento e começar a disparar os discos. A vontade era tanta que logo no primeiro já garantiu a medalha de ouro nos Jogos Paralímpicos de Tóquio. A vontade era tanta que ela aproveitou até o último, quando lançou para lá de deus me livre e bateu pela segunda vez seguida o próprio recorde mundial.

“Não sei se estou sonhando, se estou acordada vivendo esse grande feito. Esperei cinco anos pra buscar essa tão sonhada (medalha de ouro) da Paralimpíada depois que me tiraram da Rio-2016. É uma emoção muito grande poder viver mais uma página da minha vida. Só tenho gratidão. Muitos não acreditavam que eu poderia ser capaz. Mas eu acreditei e muitas pessoas me apoiaram e hoje estou aqui. Sou abençoada por Deus. Tenho gratidão à minha família, aos meus amigos, a todos que estavam e estão torcendo por mim. As palavras hoje fogem, mas eu estou na realidade. Estou muito feliz”.

Elisabeth Gomes ouro jogos paralímpicos tóquio 2020 lançamento do disco atletismo paralímpico
O dia da consagração (Wander Roberto /CPB @wander_imagem)

Elisabeth Gomes é do esporte desde a adolescência e iria participar dos primeiros Jogos Paralímpicos na Rio-2016, no arremesso do peso. Uma reclassificação funcional, porém, tirou-a do evento. Ela era da F54 e passou para a F55, onde não há a prova que ela competia. Então, foi apenas para assistir. Relutou no começo, estava muito chateada, mas a técnica Roseane Farias, a Rose, com o então noivo e hoje marido Luis a convenceram a acompanhar o evento. Alugaram um apartamento e foram. “Naquele apartamento eu acreditei. Ela (Rose) olhou para um quadro da sala que tinha (escrito) ‘London’, Londres, e falou se eu topava aquela batalha, que era o próximo mundial na categoria que eu estava e eu falei ‘topo’ e lá fomos nós.”

Mas era necessário uma nova modalidade. “A gente começou a migrar e a trabalhar mais o disco”, explica Rose. Nessa história há também o lançamento do dardo. “Como a Beth muda de classe, ela é um eterno review (revisão), não posso tirar nenhuma prova dela. Prefiro sempre estar alimentando porque não sei onde vai parar”, explica Rose.

Pequim-2008 no basquete sobre rodas

A história de amor entre Elisabeth Gomes e o esporte, porém, é muito mais antiga. “Na minha adolescência já era esportista. Minha vida sempre foi esporte. Fui do vôlei, era levantadora, a minha vida era o vôlei”, revela. Porém, quando foi diagnosticada com esclerose múltipla, achou que tudo havia acabado. “Quando falaram que eu não podia mais nada, pensei: ‘vou esperar a morte’. Mas quis Deus que em 1996 eu conhecesse o esporte adaptado, na minha cidade de Santos, o basquete sobre rodas”. E foi lançando bolas na cesta que ela teve a primeira experiência em Jogos Paralímpicos.

“Em três meses eu fui titular da equipe e de 1998 até 2010 fui da seleção brasileira. Participei das Paralimpíadas de Pequim, mundiais, parapan-americanas, fui a melhor posição 1 do Brasil, lançadora da linha dos três”, conta. “O atletismo veio junto com o basquete, para que eu trouxesse pontuação para a minha cidade em Jogos Abertos e Regionais. E comecei a gostar e trazer resultados”, continua. Em 2010, despediu-se do basquete sobre rodas nas quadras de Birmingham, na Inglaterra, e foi para o atletismo. “Já tinha feito tudo que queria no basquete.” No atletismo, o sonho nunca foi pequeno. “Queria a seleção, isso em 2010, e em 2011 já fui convocada para o Parapan-americano de Guadalajara. Fiquei em quinto das Américas e pensei ‘esse gostinho…tá gostoso, quero mais’. Daí, não saí mais.”

Elisabeth Gomes ouro jogos paralímpicos tóquio 2020 lançamento do disco atletismo paralímpico
Pra lá de Deus me livre (OIS/Joel Marklund)

Campeã e recordista Mundial

Em 2019, Beth Gomes sentiu outro gostinho, agora de uma medalha de ouro com muito peso. Sagrou-se campeã mundial no lançamento do disco do Mundial de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. E com direito a recorde mundial. Cravou 16m89, marca que bateu duas vezes agora em Tóquio. Primeiro com 17m33. Depois o assombroso lançamento de 17m62. Tudo isso já acima dos 50 anos, está com 56 hoje. “A idade está na cabeça de cada um. Se estou rendendo, vou continuar. Paris está logo ali. Esperei cinco anos, porque não posso esperar três? Vou estar firme e forte, nos 60 anos. Uma adversária minha do Canadá competiu nos 70, 71 anos. Estou aí. É a cabeça de cada um.”

O lançamento que fechou com chave de ouro, literalmente, a consagração no Estádio Olímpico de Tóquio foi realmente fora de série e ela tem uma explicação para isso. “Foi uma legião de anjos e de papais que eu tenho. Eles estavam ali dentro. Senti a vibração pelas minhas costas que eles estavam ali para poder levar esse disco a o mais longe daquele campo. Como minha irmã também estava ali. Gratidão ao papai João, a mamãe Celina, à mamãe Ruth, que partiu dia 22 agora. Ao papai Manoel, à minha irmã Cidinha. A presença de vocês foi fundamental. Gratidão família, amigos.”

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Envolta na bandeira do Brasil, com os olhos inchados de tanto chorar de alegria e emoção, cercada por pessoas que a acompanham e torcem pelo seu sucesso, Elisabeth Gomes lembrou, ainda, daqueles que tem a mesma deficiência que ela. O momento não poderia ser melhor. “Hoje é dia da conscientização da esclerose múltipla e digo sempre que a esclerose múltipla é minha amiga, caminha do meu lado, mas nunca vai me vencer. Vou sempre estar vencendo-a. Então quero deixar um abraço a todos com essa patologia, não vou dizer que é portador porque ninguém porta nada”, finalizou a mais nova medalhista de ouro dos Jogos Paralímpicos.

Jornalista com mais de 20 anos de profissão, mais da metade deles na área de esportes. Está no OTD desde 2019 e, por ele, já cobriu 'in loco' os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, os Olímpicos de Paris, além dos Jogos Pan-Americanos de Lima e de Santiago

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