Tóquio – A primeira medalha do judô brasileiro nos Jogos Paralímpicos de Tóquio veio na categoria até 57 quilos, um bronze conquistado por Lúcia Araújo, a terceira dela neste peso. Essa, porém, guarda um detalhe especial. Foi construída em cerca de dois dos cinco anos deste ciclo paralímpico. Isso porque depois da Rio-2016, ela decidiu subir para a até 63 quilos. Não gostou do que produziu e voltou em 2019, a tempo, porém, de se reencontrar com o pódio.
“Eu saí do Rio e resolvi subir para o 63. Lutei várias competições até chegar no mundial e lá, pela primeira vez, não ganhei medalha no individual. Ganhei no torneio por equipe (bronze), lutei bem no por equipe, mas no individual, não”. O Mundial a que se refere é o de 2018, disputado em Odivelas, Portugal. Lúcia Araújo perdeu na segunda luta, pelas oitavas de final, para a ucraniana Iryna Husieva, que viria a ser vice-campeã. A brasileira ainda teve uma chance de se recuperar na repescagem, mas uma nova derrota, desta vez para a azeri Khanim Huseynova, tirou dela qualquer chance de medalha. Foi a senha para descer um peso de volta.
“Eu não quero simplesmente estar em uma Paralímpiada. Eu vim para cá querendo ser campeã. Em 2019 eu voltei para o 57 sem ranking, sem nada. Baixei o peso, treinei, me dediquei. Tive alguns problemas de saúde, me recuperei e fui moldando a medalha. O 57 foi moldado de 2019 pra frente”, diz. Agora, nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, Iryna Husieva e Khanim Huseynova fizeram a final do torneio até 63 quilos com vitória para a representante do Azerbaijão. A ucraniana, vale dizer, foi medalhista de prata na Rio-2016, e Huseynova é bicampeã europeia.
‘Reino encantado da cegolândia’
Lúcia Araújo tem toxoplasmose congênita, adquirida por meio de um protozoário que a mãe contraiu na gravidez. A família, por falta de conhecimento, tratava a menina como se ela não tivesse deficiência. Conheceu o judô com 15 anos, por meio dos irmãos mais velhos, mas sempre praticando entre pessoas sem deficiência. Acabava que não conseguia competir bem, ainda antes de encontrar a pegada da rival era derrubada. Um belo dia, conheceu Renata Hermenegildo, atleta do goalball que foi aos Jogos Paralímpicos de Atenas-2004. Foi ela que apresentou o que Lúcia chama de “o reino encantado da cegolândia”.
“Não tem como não dizer a minha vida sem a Renata. Ela me apresentou a associação que eu faço parte, mostrou que existe possibilidade para pessoas com deficiência. Eu tendo baixa visão e ela, sendo cega, tinha uma vida muito mais ativa e independente do que eu. Eu vim me entender como deficiente visual já com 27 anos. E a Renata me mostrou isso. Me mostrou que eu podia fazer o que eu quisesse. Estudar, fazer um esporte, ser independente. O fato de eu ter uma deficiência não era nada”, conta Lúcia, com sua intonação de voz pausada e serena.
Templo sagrado
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Treze anos mais tarde, a paulista de 40 anos – faz aniversário no mesmo 17 de junho de Renata – coloca no peito a terceira medalha da carreira. “Essa tem um valor especial porque eu estou no berço do judô. Ganhar aqui, lutar aqui, na Budokan, com toda a história é um peso muito grande. Eu ia parar no Rio, mas quando terminou a competição, eu disse ‘não’. A gente parou um ano, a ansiedade de estar aqui era muito grande”, completa, minutos antes de tomar um caminho que já lhe é bem conhecido. O do pódio paralímpico, para buscar seu bronze.