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Tóquio 2020

Após drama na Sérvia, Kumizaki trilha caminho para Tóquio

O objetivo é claro: estar na próxima Olimpíada em 2021. Valéria Kumizaki escolhe os próximos passos com a sabedoria deixada pelo seu falecido sensei

Valéria Kumizaki, do caratê, segue firme na briga rumo a Tóquio (Foto: Renato Aoki)
Valéria Kumizaki briga pelo bronze da Etapa de Salzburg de caratê (Foto: Renato Aoki)

Uma corrida insana de anos. A carateca Valéria Kumizaki estava na briga por uma vaga em Tóquio 2020 e, de repente, todos os eventos de caratê foram cancelados, forçando sua parada. Desanimar e perder o foco diante da pandemia? Jamais, é só uma pausa antes da missão recomeçar.

“Acho importante não ficar estressada, fica pensando qual será a data da próxima competição. É continuar o treino do jeito que dá, corrigir o que estava fazendo de errado, melhorar, focar nos próximo campeonato e o resto vai ser consequência.”

Perrengue com o coronavírus

Só que a carateca passou um perrengue na Europa antes de conseguir voltar para o Brasil. “Eu tive um probleminha na Sérvia, fiquei internada com uma infecção no dente e na garganta. Acabei ficando oito dias no hospital e mais dois no apart-hotel que eu estava. Tudo sozinha. Foi bem complicado.”

Valéria Kumizaki estava treinando na Sérvia quando o surto de coronavírus passou a ser considerado uma pandemia pela OMS. “Conforme a gente foi vendo nos outros países, eu já esperava que os eventos fossem cancelados. A Olimpíada eu achei que eles poderiam adiar, mas no fim, achei que foi a decisão mais sensata.”

A carateca acabou dando sorte com os eventos cancelados de caratê e Tóquio adiada, já que com a infecção no dente, que se espalhou para a garganta, não permitiria que ela competisse.

Ao mestre com carinho

Dona do próprio caminho, a carateca não tem um sensei que a acompanhe nas viagens e treinos desde a morte de Renato Franco. “Meu sensei faleceu em 2014 em um acidente de carro. Ele estava voltando de um cidade onde dava treino de caratê. Eu estava na Alemanha, participando do Campeonato Mundial. Foi muito difícil e ainda é. ”

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Renato Franco tinha dedicado décadas ensinando caratê para crianças da região de Presidente Prudente. Ele foi o responsável por revelar Valéria Kumizaki para o mundo do caratê.

“Desde de a morte do meu sensei, eu treino sozinha, eu que programo meus treinos de caratê. Quando começou essa corrida olímpica foi muito difícil, porque os senseis começaram a viajar com seus atletas e sentavam como técnicos nas competições. Isso foi muito forte pra mim. Até hoje isso mexe comigo. A nossa relação era de pai e filha. Passava mais tempo com ele do que com minha família. Eu ficava o dia todo na academia treinando e o ajudando no treino.”

Técnico e incentivador

Um título honroso para tratar com respeito um professor ou um mestre. Algo como “aquele que nasceu antes”, exprime uma relação de experiência muito próxima com o discípulo. Esse é o sensei, uma figura que, acima de tudo, passa conhecimento com vigor e amor, olho no olho, transcendendo o tatame. Ensinamentos para uma vida.

“Quando entrei no caratê ele ainda era atleta. Foi da seleção brasileira. Treinávamos juntos e ele foi meu maior incentivador. Lembro do dia que ele falou: um dia você estará competindo nos Jogos Pan-Americanos e nas olimpíadas…”

Pois bem. Valéria Kumizaki seguiu os passos do mestre, entrou para a seleção brasileira de caratê e conquistou o ouro nos Jogos Pan-Americano de Toronto 2015 e de Lima 2019. O sonho da Olimpíada de Tóquio 2020 só está pausado.

Valéria Kumizaki conquista o bicampeonato no caratê dos Jogos Pan-Americanos
Valéria Kumizaki conquista o bicampeonato dos Jogos Pan-Americanos (Arquivo/OTD)

“Eu acreditei, treinei e treino forte para os nossos sonhos se tornem realidade. Ele é muito presente em minha vida, levo comigo todos os seus ensinamentos. É difícil estar sozinha nesse momento tão importante da minha vida. Todo campeonato lembro muito dele, sei que lá em cima ele me ajuda e cuida de mim.”

Sem substituto

Nessa caminhada rumo a Tóquio, não há substituto. Valéria Kumizaki é quem define os próximos passos. “Pediram para eu dar o nome do meu sensei ou técnico. ‘Porque onde já se viu uma atleta não ter técnico?’. Mas a questão não é dar nomes. A questão é que tem que ser recíproco e verdadeiro. A relação com meu sensei era de pai e filha. Se precisasse brigar ele brigaria por mim, ele faria qualquer coisa por mim. E essa parceria é conquistada com anos de cumplicidade. Não sei te descrever, mas é um vazio que ninguém consegue preencher e minha vida é o karatê e tudo lembra ele. Mas essa dor se transformou em forças pra realizar os nossos sonhos.”

E um desses sonhos, como todo bom discípulo, é se tornar uma mestre. “Eu já dei aula. Trabalhei em um projeto social por dois anos. Ma como viajo muito não tenho como continuar com as aulas. Pretendo sim ter meu dojo”.

E que fique bem claro, essa não é um aviso de aposentadoria. “Um dia vou ter que parar de competir. E isso é normal. Mas vamos para mais um ano!”

Próximos passos

“Não pode perder o foco. Continuar focado como sempre foi. O objetivo está aí, 2021, a gente pisca o olho e já está aí.” Fato. 23 de julho de 2021 será o dia da Cerimônia de Abertura da Olimpíada de Tóquio. No entanto, se o objetivo maior já tem data, o calendário esportivo precisa ser ajustado, mas há mais incertezas do que definições.

“Como todos os atletas, estava com o corpo e a cabeça preparados para que tudo acontecesse esse ano. Agora deu um certo alívio e segurança, a Olimpíada será no ano que vem, agente tem mais tempo para se preparar. Consegui dar uma relaxada, e tem muito campeonato pela frente, tem Pan-Americano, Mundial no fim do ano, fora o Qualificatório para Tóquio.”

Só que em tempos de quarenta, treinar em qualquer nível ficou muito complicado. “Vou me organizar, eu que faço a preparação técnica, vou me adequar do jeito que der. Eu não tenho parceiro para treinar na minha cidade (Presidente Prudente/SP). Por isso viajo bastante para treinar. Vou ter que treinar sozinha, como já fiz muitas vezes, mas claro, não é bom. Nós, atletas de alto rendimento, precisamos de todas as condições necessárias para render.”

Valéria Kumizaki sai de Salzburg com a medalha de bronze no peito (Foto: Arquivo/ Renato Aoki)
Valéria Kumizaki sai de Salzburg com o bronze no peito (Foto: Arquivo/ Renato Aoki)

Próximos desafios

A voz não se altera frente aos próximos desafios. Segue serena por acreditar muito forte em si mesma, ao mesmo tempo em que sabe desfrutar do momento. “Como vim da Europa, estou isolada agora, na edícula da minha casa, longe da minha família. Não tem o que fazer, tem que ficar, se distrair, ler, ficar escrevendo, pensando, ouvindo música. O máximo que fiquei na minha casa foram quatro dias no ano passado, estava uma correria. Está sendo bem diferente.”

Não confunda serenidade com relaxamento. Valéria Kumizaki sabe que tem um longo caminho à frente. O sonho, bem como a disputa, foram só adiados. Vai passar. É hora de ficar em casa e cuidar da saúde, sem perder o foco no objetivo. “Com o aviso de que vai ficar para o ano que vem a Olimpíada, a gente ainda tem um monte de campeonato para disputar. Espero que essa crise do coronavírus diminua. Estou motivada para as próximas competições, a gente vai conseguir.”

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