Os japoneses que saíam da Estação Central de Tóquio na manhã desta quarta-feira (25) se surpreenderam com o relógio que antes fazia a contagem regressiva para os Jogos Olímpicos, mostrando data e horários atuais. Foi o primeiro choque de realidade depois do anúncio oficial do COI (Comitê Olímpico Internacional) e do governo japonês sobre o adiamento da Olimpíada de 2020.
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Se uma decisão sempre traz consequências, para o Japão elas serão enormes. Nas próximas semanas e meses, o país começará a preparação praticamente do zero, já que deverá renegociar acordos de patrocínios e reservas de locais, fazer novos planejamentos, além, claro, de enfrentar prejuízos econômicos.
A decisão foi um duro baque para o país asiático, que investiu 12,6 bilhões de dólares (cerca de 64 bilhões de reais) nos preparativos do evento. Com o adiamento, podem ter um custo adicional de 2,7 bilhões de dólares (cerca de R$ 13 bilhões), segundo o jornal local Nikkei.
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“Com certeza haverá custos. O valor, contudo, não sabemos agora. E quem vai pagar isso? Não preciso dizer que não serão discussões fáceis e não sabemos quanto tempo vão durar”, afirmou o CEO do Comitê Organizador de Tóquio 2020, Toshiro Muto.
“Vai ser um custo adicional para os japoneses. Mas o primeiro-ministro (Shinzo) Abe se comprometeu a fazer tudo o que for preciso. Todos foram impactados, jornalistas, atletas. Temos de fazer desses Jogos um símbolo de união”, reforçou o presidente do COI, Thomas Bach.
A solução de postergar os Jogos de Tóquio por causa da pandemia do coronavírus aconteceu 122 dias antes da cerimônia de abertura planejada para o dia 24 de julho. O evento de 16 dias contaria com a presença de 11 mil atletas de 206 nações e territórios, distribuídos por 33 esportes. O COI e o Comitê Organizador do Japão tinha por estimativa que as provas recebessem até cinco milhões de espectadores de todo o mundo, nos 43 locais de disputas.
Reação dos japoneses
A expectativa para receber os Jogos Olímpicos no verão de 2020 era grande entre os japoneses. Em Tóquio, os mascotes estão espalhados em outdoors e trens por toda a cidade e os anéis olímpicos gigantes viraram atração turística. Os preparativos, com ingressos sendo vendidos rapidamente e locais concluídos antes do previsto, recebiam elogios da população local.
Agora, os japoneses têm que encarar a realidade: a Olimpíada que tanto esperaram realizar em julho deste ano não acontecerá mais em 2020. Com a pandemia do coronavírus, que também assola o país, até a população concordou com o adiamento.
“É decepcionante, com certeza, mas quando você pensa na saúde dos atletas e dos espectadores, eu entendo”, opinou o engenheiro de TI, Momoko Doku. “O novo coronavírus está se espalhando tão rápido no mundo, e esse é um problema muito sério internacionalmente”.
A mídia japonesa também apoiou amplamente, embora o diário de Shimbun de Tóquio tenha estampado as palavras “surpresa e vergonha”.
“É como se todos os esforços dos últimos sete anos estivessem de volta à estaca zero”, lamentou também o jornal Nikkei.
Novos contratos
O Comitê Organizador dos Jogos de Tóquio realmente terá que fazer um grande esforço de organização nos próximos meses. O adiamento do evento força a renegociação de inúmeros contratos, além de exigir custos extras como a manutenção das arenas e possíveis mudanças de locais de jogos. Apesar da nova data dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos não ter sido escolhida, alguns locais de competição já estavam alugados para disputas no ano que vem.
Garantir as 43 instalações necessárias para a competição, portanto, é prioridade máxima para os organizadores.
“Algumas arenas talvez precisemos seguir alugando até o ano que vem, porque elas precisam de pelo menos um ano para ficarem prontas. Não podemos devolvê-las e pegar de volta só para a Olimpíada. Isso significa custo extra”, explicou Toshiro Muto, do Comitê Organizador
Também existe um problema em relação à Vila dos Atletas. Muitos apartamentos que receberiam os esportistas durante a Olimpíada seriam negociados com possíveis compradores. Alguns, inclusive, já foram vendidos – cerca de 1/4 dos 5.632.
Ingressos
Outra questão de muita importância que precisa ser analisada pelos organizadores é com relação aos ingressos. Foram disponibilizados 7,8 milhões de bilhetes para os Jogos e a expectativa era de que o retorno financeiro seria de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,10 bilhões). Com o adiamento, a cláusula dos ingressos pode fazer com que os organizadores sejam obrigados a devolverem o dinheiro aos compradores.
“Não temos uma conclusão sobre qual será a política. Da maneira que for possível, vamos garantir que as pessoas que já compraram ingressos tenham uma atenção especial”, afirmou Muto.
Mais um problema que os organizadores terão que resolver é o futuro das 3,5 mil pessoas que trabalham como membros do estafe dos Jogos. Depois de um dia do anúncio oficial, as questões ainda estão sem respostas. O COI e o Comitê japonês já criaram uma força-tarefa para cuidar da nova organização olímpica.
Rearranjos
A questão de datas também terá que ser bem analisada durante o novo planejamento. A começar pela própria data do evento. Segundo o anúncio do COI, o evento deve acontecer até o final do verão de 2021. Mas a escolha do novo período depende de rearranjos de outros eventos esportivos marcados para o ano que vem.
Por exemplo, uma data próxima das originais de 2020 – de 24 de julho a 9 de agosto – parece provável. Mas forçaria um reagendamento de grandes eventos. Por exemplo, o mundial de atletismo nos Estados Unidos e o mundial de esportes aquáticos em Fukuoka, no Japão.
O presidente da World Athletics, Sebastian Coe, sugeriu que o Mundial de atletismo em Eugene (EUA), poderia ser mudado para 2022. A FINA disse que discutiria um remarcação do Mundial de esportes aquáticos com os organizadores de Tóquio e o COI.
Turismo afetado
Além das questões organizacionais, o impacto econômico do adiamento da Olimpíada deve atingir também o turismo japonês. O setor já estava sendo afetado com o aumento da pandemia de coronavírus.
Em todo o Japão, os hotéis têm visto uma queda drástica nas reservas. Os países restringiram as viagens para conter a propagação do vírus e o governo japonês também desencoraja as pessoas de viagens desnecessárias.
Em fevereiro, o número de visitantes estrangeiros no Japão caiu quase 60% em relação ao ano anterior. Os analistas já estão prevendo um ano catastrófico para o setor de turismo.
“Previmos 34 milhões de turistas estrangeiros para visitar o Japão em 2020, mas isso simplesmente não está mais acontecendo”, disse Takayuki Miyajima, economista sênior do Mizuho Research Institute, ao Japan Today.
A Associação de Hotéis e Ryokan do Japão, que administra 2,5 mil pousadas e hotéis de pequeno e médio porte, disse que muitos pequenos proprietários gastaram a maior parte do que ganharam. Com o recente boom do turismo, fizeram reformas caras para melhorar suas instalações antes das Olimpíadas.
Agora, muitos deles estão negociando com seus bancos para evitar falências, disse Shigeki Kitahara, dono de um ryokan (hospedaria típica japonesa) em Kyoto.
Política
No aspecto político, o adiamento dos Jogos de Tóquio representou também um baque para o primeiro-ministro Shinzo Abe. Em meio a um esperado ano de superação e triunfo com os Jogos Olímpicos, Abe agora enfrenta uma luta para conter o surto do coronavírus e salvar a economia.
O primeiro-ministro, que voltou ao cargo em 2012, dizendo que o “O Japão está de volta”, usou os Jogos para atrair mais turistas estrangeiros. O objetivo era de mostrar o país como um pilar do crescimento econômico. Agora, a disseminação do vírus e a oficialização do adiamento da Olimpíada destrói os cenários otimistas que o político imaginava. Por tabela, levariam seu partido a uma vitória nas eleições.
Ainda que a situação seja ruim para o primeiro-ministro, é improvável que o impacto lhe custe o emprego. A decisão de adiar a Olímpiada, ao invés de cancelá-la, foi uma boa manobra para o político manter seu cargo. Além disso, uma oposição fraca e fragmentada e a aceitação dos eleitores na necessidade do atraso também mantêm Abe na vaga de primeiro ministro mais antigo do Japão.
Tóquio 2020
O Japão sempre enquadrou Tóquio 2020 como os “Jogos de Reconstrução”. Seria uma chance de mostrar ao mundo que havia se recuperado do “triplo desastre” em 2011, quando um terremoto maciço provocou um tsunami e o colapso nuclear de Fukushima.
O evento adiado, que ainda se chamará Tóquio 2020, será agora um “testemunho da derrota do novo vírus pela humanidade”, afirmou o primeiro-ministro Shinzo Abe. Serão os “Jogos Olímpicos de Recuperação”. O plano é realizar uma celebração da resistência da humanidade diante de uma pandemia que já matou dezenas de milhares e paralisou grande parte da economia global
Em declaração conjunta, COI e Japão reforçam que os Jogos podem permanecer como um “farol de esperança para o mundo durante esses tempos difíceis”. A chama olímpica, que permanecerá no país anfitrião, “pode se tornar a luz no fim do túnel em que o mundo se encontra atualmente”.