Exatamente cinco meses antes da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris-2024, uma manobra política mudou as regras do ranking do tênis de mesa, beneficiando o francês Felix Lebrun e prejudicando diretamente o brasileiro Hugo Calderano. A modificação, proposta pela União Europeia da modalidade (EETU) e pelas federações da França (FFTT) e de Portugal (FPTM), foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Executivo da Federação Internacional (ITTF) durante a Cúpula de Busan, na Coreia do Sul, logo depois da disputa do Mundial por equipes.
“Eu aprendi bem pequeno que não é certo mudar as regras no meio da partida. Infelizmente, esse é só mais um exemplo de como funciona o jogo de interesses políticos e financeiros no esporte”, lamenta Hugo Calderano.
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Em princípio, valeriam apenas os oito melhores resultados de cada mesatenista nas 52 semanas anteriores ao dia 16 de julho de 2024, data em que o ranking mundial fecha para a definição dos cabeças-de-chave dos Jogos Olímpicos. E cada atleta pode ter apenas um evento continental incluído. Isto porque, no período, alguns continentes fizeram mais torneios. A América, por exemplo, fez três: Campeonato Pan-Americano, Jogos Pan-Americanos e Copa Pan-Americana. Hugo Calderano disputou e venceu os dois primeiros. Cada conquista vale 500 pontos, mas o brasileiro só pode usar a pontuação de apenas um evento em seu ranking.
A mudança
Acontece que a Europa escolheu fazer apenas um evento continental no período inicialmente válido para o ranking. Foi a Copa Top-16, disputada entre 20 e 21 de janeiro, em Montreaux, na Suíça. Felix Lebrun, entretanto, teve um desempenho abaixo do esperado. Foi eliminado nas quartas de final e somou apenas 90 pontos. Coincidência ou não, um mês depois, a União Europeia, a Federação Francesa e a Federação Portuguesa propuseram e conseguiram aprovar, sob o argumento de que o continente organizou apenas um campeonato, que fossem aceitos todos os torneios continentais que aconteceram nas 78 semanas anteriores, 26 a mais (ou seis meses a mais) do que a regra com a qual os mesatenistas iniciaram a corrida olímpica.
“Mudou porque viu-se que estava injusto. No caso específico para os Jogos Olímpicos, a América tinha três torneios continentais, a África três, a Ásia dois, a Europa um e a Oceania três. O que estava acontecendo é que para a Europa era uma grande desvantagem porque neste período ela não fez três eventos”, explicou Alaor Azevedo, presidente da Confederação Brasileira de tênis de mesa e que é um dos oito vice-presidentes da ITTF com direito a voto no Conselho Executivo.
“Foi uma decisão unânime. Foram duas horas de discussão! Houve pressão da França, da Federação Europeia, da Federação Portuguesa e de vários países da Europa para ter essa decisão, mas agora decidiu para sempre. Essa regra vai valer para as próximas edições de Jogos Olímpicos, de entrar pelo menos dois torneios continentais contando pontos, mesmo não estando no ano. Vai valer meio ano a mais”, explicou o dirigente, que também votou a favor da mudança. “Eu não sou representante do Brasil. Eu fui eleito por 110 países. Depois de tudo o que foi falado, consideramos que era justo”.
O maior beneficiado
Com essa alteração, Felix Lebrun é o maior beneficiado, já que passa a entrar no ranking os 500 pontos conquistados pela medalha de ouro dos Jogos Europeus, que venceriam no dia 2 de julho, duas semanas antes da data estipulada para a definição dos cabeças-de-chave dos Jogos Olímpicos. Ou seja, o francês vai trocar os 90 pontos da Copa Top-16 pelos 500 dos Jogos Europeus, aumentando em 410 a sua pontuação.
“O Lebrun é a grande sensação da Olimpíada. Os ingressos estão esgotados e isso nunca aconteceu no tênis de mesa. Foi uma forma de compensar a Europa. Isso já estava tendo reflexos na organização dos Jogos Olímpicos, no Comitê Olímpico Francês, no Comitê Olímpico europeu. Como ele é um talento e é uma estrela dos jogos olímpicos, no fim, acabou sendo beneficiado, mas dentro de uma regra que foi legalmente criada, que se for ver, tem justiça”, admitiu Alaor Azevedo, que, no entanto, não concorda com o prejuízo a Hugo Calderano. “Não é um evento que vai mudar a vida. Nesse semestre vai ter seis ou sete eventos… Grand Smash Singapura, Grand Smash Arábia Saudita, Champions da China, Copa do Mundo… Então tem muita chance de ganhar ponto. Se ele for bem, nem vai tomar em conta (a mudança) porque são os oito melhores eventos nesse período”, considera o cartola.
Hugo Calderano, entretanto, não concorda com o dirigente. “Eu treino todos os dias pra chegar em Paris com as melhores condições de brigar por uma medalha. O meu investimento físico, mental e financeiro para participar de todos os torneios até lá para somar mais pontos no ranking é enorme. Cada detalhe conta. Estamos falando de 410 pontos a mais pra um adversário direto na disputa pelo melhor ranking em Paris. É claro que faz muita diferença”, afirma o atleta.
Felix Lebrun agora é vice-líder do ranking olímpico
Tanto faz diferença que, contando apenas os pontos válidos para o ranking olímpico, Felix Lebrun deu um salto e assumiu a vice-liderança com 2452 pontos, se colocando entre os chineses Wang Chuqin (3874) e Ma Long (2365), respectivamente, primeiro e terceir. Por enquanto, Hugo Calderano é o quinto colocado com 1553, atrás de Lin Yun-Ju, da China Taipei (2121). Não fosse a mudança, o francês teria 2012 pontos e estaria na quarta posição.
Atual líder do ranking mundial, Fan Zhendhong é apenas o terceiro chinês em pontuação (2067) a partir do momento em que começou a corrida rumo aos Jogos de Paris-2024. Por isso, a disputa promete ser acirrada nos próximos meses com a presença de 100% das estrelas internacionais nos principais eventos do circuito mundial. Cada ponto conquistado será importante para não só chegar à Olimpíada como chegar bem ranqueado para escapar nas primeiras rodadas dos principais rivais.
Português entra na briga
Vale lembrar que Felix Lebrun é o maior beneficiado, mas não é o único. O português Marcos Freitas, de mesma nacionalidade do presidente da União Europeia, Pedro Moura, ganhou 175 pontos com a mudança. Ao invés de 175 pontos pela semifinal na Copa Top-16, ele somou 350 pelo vice-campeonato nos Jogos Europeus. Com isso, subiu para o sétimo lugar do ranking olímpico.
Apesar disso e de ter votado a favor da mudança que favoreceu os europeus e complicou a vida de Hugo Calderaono, Alaor Azevedo garante estar na torcida para que o mesatenista brasileiro esteja bem colocado no ranking para fugir de um confronto com os chineses antes da semifinal.
“Eu vejo com muita esperança. O Hugo Calderano não foi ao Mundial (por equipes) para descansar e se preparar. Esse mês de março vai ser fundamental. Ele tem 700 pontos a defender em Singapura (torneio que está sendo disputado esta semana). O Hugo mudou a história do nosso tênis de mesa. A Federação Internacional foi criada em 1926 e o Calderano é o melhor brasileiro em quase 100 anos de história. Ele é o melhor da história da África, da Oceania e das Américas. E outra está no Top-10 há muitos anos. Numa modalidade individual, você ficar tanto tempo entre os melhores não é fácil”, completou o cartola.