Dia 30 de novembro se celebra amizade Brasil-Argentina. Um portal de esporte escrevendo um texto que fala da amizade Brasil-Argentina? É sério isso? Sim, é sério. Para tentar entender se existe amizade entre os dois países mais rivais da América do Sul, o Olimpíada Todo Dia conversou com o brasileiro mais argentino de todos. Ou seria o argentino mais brasileiro? Fernando Meligeni tentou explicar o que, para ele, seria essa relação amistosa entre os irmãos/hermanos.
Antes de toda a parte esportiva, é preciso explicar como a família Meligeni chegou por aqui. O Brasil foi uma opção de vida e trabalho para Osvaldo Meligeni, pai de Fernando, e por conta disso todos desembarcaram aqui. Fotógrafo, o patriarca da família passava os dias, semanas e meses com muito trabalho e os filhos e a esposa não tiveram tantos problemas para se adaptar.
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“De uma maneira geral, a grosso modo, a vida do argentino e do brasileiro é muito parecida. Tem sofrimento, tem alegria, risadas, costumes parecidos e completamente diferentes. Costumo dizer que o tango e o samba se parecem e por isso não foi difícil para mim”.
Se fora das quadras a vida não foi difícil, dentro dela não teve tanta facilidade. Apesar de toda a qualidade de seu tênis aparecer logo de cara, Fernando Meligeni e Paula Meligeni, irmã do ex-tenista que também jogou a modalidade, tinham alguns obstáculos.
“Muitas vezes, não importava quanto eu jogava, eu sempre era o argentino. Sempre que eu pensava em tentar jogar algum torneio pelo Brasil, ouvia um ‘mas você não é brasileiro’. Foi um período difícil”.
“Você é brasileiro”
Por conta de alguns fatores fora da quadra e buscando melhorar seu tênis, Fernando Meligeni decidiu ir treinar durante um período na Argentina, quando tinha 15 anos. Contudo, os problemas se repetiram dentro das quadras mas agora por outro motivo.
“Na Argentina foi diferente. A minha formação toda no tênis foi feita no Brasil, tinha minhas manias, meu jeito de jogar em quadra e se assemelhava com o estilo brasileiro. Com isso, na academia que eu treinava lá, rapidamente eu virei ‘o brasileiro’. Em absolutamente tudo tinha essa visão de eu ser brasileiro. E socialmente falando, foi um período que eu não consegui fazer nada porque tinha essa barreira do país, mesmo tendo nascido na Argentina”.
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Depois de aproximadamente dois anos treinando no país vizinho, Meligeni voltou a treinar no Brasil. Na volta para o país, o tenista seguiu durante um período ouvindo que não era brasileiro e por isso não poderia defender o país em competições.
“A volta para o Brasil me fez entender e perceber que eu queria jogar por essa bandeira. Apesar de alguns seguirem falando que eu não era brasileiro e me deixando em uma situações complicadas, eu queria o Brasil”.
Apesar de querer, o processo para que Fernando Meligeni deixasse de ser argentino e passasse a ser brasileiro demorou mais do que o previsto.
7 de dezembro de 1994
O pedido oficial para a naturalização brasileira aconteceu em 1989, logo após ter feito 18 anos de idade. Entretanto, por conta do caso da pivô de basquete Karina, o processo todo demorou. Apesar disso, e de saber que a mãe e a irmã, mesmo respeitando sua decisão, eram contra, Fernando Meligeni não desistiu de virar, oficialmente, brasileiro.
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“Demorou muito todo o processo. Por conta do caso da jogadora de basquete, eles pediram muita documentação. Era anos 90, o processo era bem diferente, eu mandava o que tinha sido pedido e no retorno das embaixadas a quantidade de documentos aumentava, foi complicado”.
O processo de naturalização de Fernando Meligeni durou quase cinco anos, desde o primeiro pedido oficial até receber os novos documentos como brasileiro. Segundo o ex-tenista, ele não lembra quando e qual foi o primeiro torneio em que atuou como brasileiro, mas está guardado na memória outro dia.
“Eu lembro do dia que me entregaram os documentos. Foi 7 de dezembro de 1994 quando eu tive que me apresentar, entregar o passaporte argentino, cantar os dois hinos inteiros, apesar de não saber nenhum dos dois de cor, mas eu lembro de quase tudo daquele dia, do que senti, de como foi. Me marcou porque foi o fim de um processo que eu busquei”.
E a Copa Davis?
Naturalizado, crescendo no ranking mundial e um dos maiores nomes do país no tênis. Fernando Meligeni passou a ser convocado para defender o Brasil nas disputadas da Copa Davis,que é a competição por seleções na modalidade, e mais tarde se tornou o capitão brasileiro no torneio.
Com isso, e por conta do sistema de disputa da Copa Davis, a chance do esporte colocar Fernando Meligeni pelo Brasil contra a Argentina aumentou muito e na entrevista para o Olimpíada Todo Dia o ex-tenista confidenciou o que pensava sobre isso.
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“Eu nunca joguei contra a Argentina na Copa Davis. E vou falar que era uma das únicas coisas que eu realmente rezava toda vez que tinha definição dos confrontos da competição. Uma coisa é ir para os torneios e jogar lá, ouvindo de tudo o que você possa imaginar da torcida antes, durante e depois do jogo. Agora, jogar aqui ou lá contra eles, me dou o direito de nem pensar”.
“As decisões precisam ser feitas com o coração”
Alguns anos depois de ter parado de jogar, Fernando Meligeni se emocionou com o tênis mais uma vez. Um dos maiores nomes do tênis argentino, Guillermo Vilas esteve no Brasil e Fernando Meligeni jogou uma partida de exibição contra a lenda argentina.
No período em que estava realizando todo o processo para naturalização, Meligeni recebeu um recado de que Guillermo Vilas queria conversar com ele. Na época, o ex-tenista argentino era responsável pelo time do país na disputa da Copa Davis e a conversa foi para saber se a Argentina poderia contar com brasileiro para a formação de seu time. Como já havia se decidido, Meligeni agradeceu o interesse e informou Vilas sua decisão de ser brasileiro e jogar pelo Brasil.
No dia da exibição, a lenda argentina mais uma vez chamou Fernando para conversar e, dessa vez, expor tudo que pensou na época do convite. “Ele me falou que não tinha entendido a minha negativa. Ele assumiu que ficou com muita raiva por conta da minha resposta mas que apesar disso me respeitava. No dia da exibição ele virou pra mim e falou que tinha me entendido naquele momento, vendo tudo que eu tinha feito. ‘Você me ensinou que as decisões precisam ser feitas com o coração, Meligeni’, ele me disse. Eu fiz o que meu coração pediu, sou brasileiro e respeito minhas origens”.