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Pan 2019

Do handebol ao ouro histórico, a incrível rota de Lena Ribeiro

Brasileira conquistou no SUP Race a primeira medalha dourada da história do surfe nos Jogos Pan-Americanos

Lena Ribeiro. do surfe SUP Race, no Pan-Americano de Lima
(Reprodução)

O primeiro campeão do surfe na história dos Jogos Pan-Americanos emergiu em meio a uma confusão causada pelas fortes ondas de Punta Rocas, ‘pico’ a cerca de cinquenta quilômetros de Lima, no Peru. E a medalha de ouro foi para o peito de uma brasileira, Lena Ribeiro, atleta de SUP Race. Como ela mesma diz, a festa e o choro que vieram após a confirmação da vitória são “só uma parte. É o ponto final”.

E a outra ponta? Onde nasceu e como foi montada essa medalha histórica? A vida de atleta de Lena Ribeiro começou bem longe do surfe. Foi no handebol. “Nada a ver com o surfe”, ela mesma admite. A atleta jogou profissionalmente e chegou até a seleção em categorias de base. A primeira gravidez e a graduação como nutricionista encerraram a trajetória nas quadras, mas deixaram já a primeira semente do ouro nos Jogos Pan-Americanos.

“Foi uma fase maravilhosa, porque além de me dar toda uma bagagem de atleta, de disciplina, de treino, me deu as melhores amigas da vida. Hoje em dia grande parte da minha torcida e do apoio vêm dessas minhas parceiras”, afirma, com um sorriso imenso no rosto. “É um esporte que eu amo até hoje”.

Lena Ribeiro, do surfe, nos Jogos Pan-americanos
Lena e seu marido e técnico, Américo Pinheiro, logo após vencer o surfe SUP Race em Punta Rocas (André Rossi/OTD)

Após o handebol, praticou outras modalidades, mas foi no SUP Race, uma corrida de Stand up Paddle, que se achou. Apesar de o começo não parecer muito promissor. “No meu primeiro treino, o meu técnico, que também é meu marido – foi ele quem apresentou a modalidade para Lena – disse assim ‘olha, tem um quilômetro daqui até aquela pedra. Rema daqui até lá sem parar’. E ele foi indo na frente. Quando chegou na metade do caminho eu falava assim: ‘ei, para, não aguento, não dá para mim, pelo amor de Deus, fica fazendo um negócio sem parar. Não dá para mim, não, pelo amor de Deus”, diverte-se. Na primeira prova, “no amador do amador”, ficou em sétimo “aos trancos e barrancos”.

O início meio ruim não desanimou Lena Ribeiro e ela seguiu praticando. “Eu fui indo, fui indo, começando a treinar, fui tomando gosto e o negócio foi crescendo”. Até que hoje ela é a primeira medalhista de ouro pan-americana da história do surfe. “A ficha ainda não caiu, mas participar já é um sonho. Ganhar um ouro, mais sonho ainda e ainda ser um ouro histórico”, diz, com os olhos brilhando e sem tirar o mesmo sorriso do rosto. “Nossa, que honra!”.

A glória é o ponto final

O fato de não ser ‘nascido’ no mar dá um brilho especial para a conquista de Lena Ribeiro. Soma-se a isso o fato de a especialidade dela não ser exatamente ‘pegar onda’, mas remar. A prova de SUP Race dos Jogos Pan-Americanos ocorreram para lá da arrebentação, mas a chegada foi na areia. As atletas tiveram de sair do mar e cruzar a linha de chegada com o remo na mão. Ou seja, a reta final da corrida na água é bem em meio às ondas batendo no chamado quebra-coco. E Punta Rocas é conhecido como um pico de surfe com mar grande, pesado. Ainda mais no inverno.

“Eu sabia que aqui era difícil então eu treinei muito. Para o que eu fazia e onde eu cheguei eu acho que eu evoluí muito e não foi fácil. Eu entrei em mar em dia de chuva, dia de frio, quando nem surfista tinha na água. Tomava na cabeça, tomava caldo, bebia água, muita porrada de prancha, me cortei com a quilha. Aqui eu vim treinar e me machuquei nas pedras”, contou. “Isso tudo foi me dando confiança”.

“O ouro é uma consequência. O esporte é isso, um dia um ganha, um dia um perde. Mas essa questão de esforço de não desistir, de ir até o final. E acho que isso é uma coisa que a gente leva para a vida. Não desistir”. Que lindo!

Além de treino, renúncia foi a segunda palavra que mais ela teve de enfrentar para conquistar a medalha de ouro no surfe dos Jogos Pan-Americanos. “Teve a formatura do meu irmão. Eu moro em Arraial do Cabo e ele em Niterói. São duas horas e meia. Se eu fosse para a formatura dele à noite eu iria perder um treino do dia de manhã e acabei não indo e fiquei bem sentida.” Mas era um treininho só! Não é possível que não dava.

“É aí que faz a diferença. As pessoas acham que um campeão faz alguma coisa muita diferente no treinamento. Tem uma técnica de treino diferente, mas não. É você ser constante, fazer aquilo todos os dias, durante muito tempo. No dia que chove, no dia que faz frio, o mar tá grande. Quantas vezes”, relata. E aqui vale um destaque para seu treinador e marido Américo Pinheiro. “São muitos momentos que você preferia estar descansando, curtindo, mas o treinador diz: ‘vai, entra’ (no mar)”.

Melhor que a medalha

Em meio a tanta dedicação ao esporte, há uma mulher, digamos, normal. É professora universitária e tem dois filhos. “Eu sempre dei aula presencial, mas de uns tempos para cá com os aumentos de viagem e competição eu dou aula no ensino à distância. Facilita, mas você tem de estar ali, atento, respondendo, interagindo. E tudo o que eu faço eu gosto de fazer bem. Pode não ficar cem por cento, porque na vida a gente não tem o controle de tudo. Mas eu sempre quero dar o meu melhor”.

À família, também se vira como pode para conseguir ficar com eles. Aos sábados, por exemplo, Lena Ribeiro vai treinar antes de os filhos acordarem. “Quero estar disponível nesse dia em que eles estão em casa, não tem escola. A gente quer ser um excelente atleta, mas não quer deixar de ser uma mãe presente”. E aqui também ela consegue êxito, mas não em forma de medalha e sim de algo melhor. É ela mesma quem diz.

“Ele estava falando agora: ‘mãe, eu estou muito feliz, muito orgulhoso’. Nossa. Você ouvir de um filho adolescente, que normalmente só fala para a mãe ‘nada a ver’, tudo é ‘nada a ver’. E ele falar: ‘mãe estou muito feliz, muito orgulhoso de você, não tem preço'”, fala Lena Ribeiro, com a voz embargada e os olhos marejados pela primeira vez nos quase vinte minutos em que falou com exclusividade com o Olimpíada Todos Dia. “Com certeza, com certeza, vale mais que a medalha”, crava, sem hesitações.

Jornalista com mais de 20 anos de profissão, mais da metade deles na área de esportes. Está no OTD desde 2019 e, por ele, já cobriu 'in loco' os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, os Olímpicos de Paris, além dos Jogos Pan-Americanos de Lima e de Santiago

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