O termo “Brazilian Storm”, ou “Tempestade Brasileira”, que era usado para se referir à promissora geração do país no circuito mundial de surfe nos últimos anos, caiu em desuso. Isso porque a tempestade é um fenômeno passageiro, que causa estrago, mas não se mantém por um longo período. O que os atletas brasileiros fizeram em 2018 provou que há uma nova ordem mundial e que o país dita e ditará as regras do surfe masculino pelos próximos anos e décadas. Os títulos internacionais, ao longo da temporada, não foram poucos e Gabriel Medina, no Havaí, acabou coroando o que pode se chamar de: ano dos sonhos.
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Imagine um país que até 10 anos atrás era escorraçado e desrespeitado constantemente no mundo do surfe. Chamados de maus educados e “maroleiros” por só surfarem bem em ondas pequenas, os brasileiros sofriam quando iam a outros países, em especial o Havaí, eram maus vistos pela própria sociedade, possuíam poucos patrocínios e não chegavam nem perto de brigar pelo título mundial. Por sinal, também foi há 10 anos que Bruno Santos encerrou um jejum de 5 temporadas sem vitórias brasileiras em etapas e, mais: tornava-se o primeiro atleta do país a vencer em Teahupoo (Taiti), conhecida por ter os maiores tubos, ao lado de Pipeline, do Championship Tour. Ali, o Brasil renascia.
Agora, entre na máquina do tempo. De 2008 viaje até 2018. Assista Gabriel Medina, Filipe Toledo e Italo Ferreira no top-4 do mundo e o Brasil conquistando 9 das 11 etapas do circuito mundial. E não para por aí: Mateus Herdy foi campeão mundial pro júnior, Jesse Mendes venceu a Tríplice Coroa Havaiana, 11 brasileiros disputaram o CT, foram também 9 vitórias no QS (Qualifying Series), Gabriel Medina foi bicampeão do mundo, com direito a título no principal evento, o Billabong Pipe Masters. Parece que muita coisa mudou nos últimos tempos.
A corrida pelo título mundial de surfe de 2018
Quatro surfistas “sobraram” em relação aos demais em 2018. Foram eles: os brasileiros Gabriel Medina, Filipe Toledo e Italo Ferreira e o australiano Julian Wilson. O final dessa história já sabemos. Medina sagrou-se bicampeão mundial com louvor, levando o Pipe Masters. No entanto, não foi bem assim que tudo ia se desenhando até o meio da temporada. Vamos relembrar:
#1 Gold Coast – Na primeira etapa do ano, na Gold Coast, Julian Wilson já deu sinais de que seria um rival complicado de se enfrentar no ano. Ele sobrou diante de seus concorrentes e levou o caneco, na final australiana contra Adrian Buchan. Filipe chegou nas quartas, enquanto Medina teve seu pior resultado do ano, um 13º – o mesmo de Italo.
#2 Bells Beach – Em Bells Beach, Italo Ferreira deu mostras de que poderia brigar nas cabeças. O potiguar venceu o australiano Mick Fanning, que fazia sua última aparição antes da aposentadoria. Em uma final emocionante, deu Italo, que já havia tirado Medina na semi.
#3 Rio – No Rio, os brasileiros mostraram uma força muito grande. Filipe Toledo foi o principal destaque, tirando 9.93 e 10 durante o evento, venceu dando o maior aéreo já visto em competições de surfe! Depois daquilo, Filipe assumiu a vice-liderança, logo atrás de Julian. Assista:
#4 Keramas – Em boa fase, Italo também levou a etapa de Keramas, sobrando com aéreos e tubos. Foi o suficiente para assumir a ponta da tabela.
#5 Uluwatu – Após um tubarão ser avistado em Margaret River (AUS), a WSL transferiu a etapa para a Indonésia. O brasileiro, de 32 anos, Willian Cardoso sagrou-se campeão, desbancando todos os favoritos, inclusive Julian na final. Medina e Filipe pararam nas quartas e se distanciaram.
#6 Jeffreys Bay – Entre altos e baixos na temporada até então, Filipe Toledo era o franco favorito em J-Bay, na África do Sul. E confirmou isso, vencendo todas as baterias com tranquilidade. O domínio que ele tem sobre aquela onda é algo impressionante. Ali, Toledo assumia a liderança do CT.
#7 Teahupoo – Todos sabem que em ondas tubulares para a esquerda, Gabriel Medina é o melhor do mundo. No Taiti não foi diferente. Em um mar pequeno, deu Gabriel, que subia ali para a 2ª posição no ranking.
#8 Surf Ranch – E então veio a etapa no Surf Ranch, a piscina de ondas. Kelly Slater disse tudo na entrevista pré-evento: “Se Toledo não ficar em 1º é uma derrota”. Filipinho era o franco favorito, mas Gabriel Medina provou-se mais completo e melhor preparado fisicamente, mandando seu concorrente para 2º. Ali, Gabriel ganhava moral e começava a abalar o psicológico do seu amigo e adversário.
#9 França – Medina é tricampeão da etapa da França e sempre chega lá como o principal candidato ao título. No entanto, dessa vez, Julian Wilson partiu para os aéreos e quase não caiu. Como Filipinho havia perdido no round 3, Medina assumiu a liderança do ranking, ao chegar na semifinal.
#10 Portugal – Em Portugal, Filipe Toledo ficou em 13º novamente e, praticamente, deu adeus à briga pela taça. Posteriormente, Julian perdeu nas quartas e Medina teve a chance de conquistar o bi antecipadamente, mas foi derrotado por Italo Ferreira, que acabou faturando sua terceira etapa no ano.
#11 Pipeline – Em Pipe, Medina, Toledo e Julian chegaram com chances. Filipinho foi o primeiro a dar adeus à briga, perdendo para Kelly Slater no round 3. Gabriel fez o que precisava e chegou na final, onde derrotou Julian Wilson, conquistando o Pipe Masters e o bicampeonato mundial.
Jesse Mendes vence o 2º prêmio mais cobiçado do surfe mundial
Jesse Mendes chegou ao Havaí precisando de resultados gigantes para se manter na elite. Conseguiu com louvor e mais: foi campeão da Tríplice Coroa Havaiana, o segundo maior prêmio do surfe mundial. O paulista, que vinha de uma temporada ruim, foi vice-campeão na etapa de Haleiwa, 5º na de Sunset Beach e 9º no Pipe Masters, faturando com sobras o prêmio havaiano. Inclusive, Jesse foi somente o segundo brasileiro a conquista-lo. O primeiro foi Gabriel Medina em 2015. Além do troféu, Jesse vai agora com muita moral para 2019, para, quem sabe, buscar a classificação olímpica.
Novas caras brasileiras no CT 2019
O Brasil conseguiu manter o número de representantes no CT para 2019. Enquanto Ian Gouveia, Tomas Hermes e Caio Ibelli (que ficou de fora de 7 etapas por lesão e não recebeu o wildcard da WSL, que preferiu dá-lo a John John Florence e Kelly Slater) caíram, Peterson Crisanto, Deivid Silva e Jadson André subiram. Portanto, serão 11 brasileiros disputando todas as etapas do ano que vem e a tendência é que esse número suba, já que Caio Ibelli está como reserva número 1 e se qualquer atleta tiver algum problema, ele entra nos eventos. Foi o que aconteceu com o sul-africano Michael February em 2018, que acabou competindo em todas etapas, devido às lesões de seus colegas.
Peterson Crisanto, 26 anos – foi a grande surpresa brasileira no QS 2018. Há anos o paranaense já era considerado uma promessa, mas não conseguia avançar baterias e conquistar grandes resultados. Até que em Ballito, na África do Sul, despontou, ganhou os 10.000 pontos e, praticamente, se garantiu no CT na metade do ano. Por boa parte da temporada, “Petersinho” chegou a liderar a tabela do QS, mas com o relaxamento natural terminou em 5º, folgado no top-10. Para 2019, promete ficar na parte de cima da tabela, com um “power surf” progressivo e inovador.
Deivid Silva, 23 anos – após três anos batendo na trave, Deivid Silva se mostrou experiente e maduro para conseguir sua vaga para o CT 2019. O paulista virou baterias improváveis, conseguiu resultados expressivos nos principais eventos do ano e mostrou que pode ser um surfista de elite. Sua vitória em Sidney, no começo do ano, deu-lhe tranquilidade para construir sua pontuação. “DVD”, como é conhecido, tem bom repertório de manobras aéreas, mas ainda precisa evoluir em tubulares.
Assista à nossa entrevista com Deivid Silva, em pargravada no meio do ano:
Jadson André, 28 anos – foi com muita emoção, mas Jadson André conseguiu o retorno ao CT na perna havaiana. No último segundo, ele virou uma bateria improvável, com uma nota excelente e celebrou com o amigo Italo Ferreira nas areias de Sunset Beach. É a terceira vez que Jadson consegue o acesso à elite e, dessa vez, com uma idade avançada, ele promete vir forte, para tentar superar seu melhor resultado em uma temporada, que foi o de 13º em 2010. O potiguar está maduro, forte fisicamente e mais inteligente do que nunca em suas baterias.
Futuro promissor
Mateus Herdy é a principal promessa do surfe mundial para os próximos anos. Em 2018, por muito pouco, ele já não se classificou para a elite. Depois de chegar desacreditado no Havaí, conseguiu 8.000 pontos com um vice em Haleiwa, mas caiu logo na estreia em Sunset Beach e terminou o QS na 18ª posição. No entanto, há males que vem para o bem. E, com a derrota precoce, Mateus pôde viajar para o Taiwan, para disputar o título mundial pro júnior, o qual venceu com sobras, dando show em suas baterias, provando que é o melhor atleta da sua idade (17 anos) na atualidade. E engana-se quem pensa que o surfe brasileiro só deposita esperanças em Herdy. Seu melhor amigo, Samuel Pupo, que ficou em 3º no mundial júnior, também é outro grande nome, ao lado de Weslley Dantas. Curiosamente, todos são parentes de ex-atletas do CT – algo que vem acontecendo com frequência no esporte.
Como vai funcionar a classificação para Tóquio-2020
Com limite de dois surfistas por país, assim fica a ordem hierárquica de classificação, decidida após acordo entre WSL (World Surf League), ISA (International Surfing Association) e COI. Vale lembrar que para o surfista confirmar sua classificação, ele precisa, obrigatoriamente, participar dos eventos da ISA em 2019 e 2020.
1. Os primeiros 10 homens elegíveis do CT 2019.
2. Os primeiros quatro homens elegíveis no ISA Games 2020
3. O melhor africano, o melhor asiático, o melhor europeu e o melhor da Oceania no ISA Games 2019.
4. O campeão dos Jogos Pan-Americanos de 2019 (se o campeão for de algum país que já tenha dois representantes classificados, será o primeiro elegível).
5. O campeão da Copa da Nação Anfitriã, que será realizada somente entre japoneses.