Dar visibilidade é fazer algo ser visível. É dar espaço e é dar voz. Há oito anos, o Brasil conquistava a sétima colocação nos Jogos Paralímpicos de Londres, a melhor da história até hoje, o que significou um momento chave para o crescimento e o “aparecimento” do movimento paralímpico no país. Mas foi em casa, na Rio-2016, que ele entrou de vez na radar e nos holofotes. As pessoas puderam ter então um contato mais próximo com modalidades e super atletas que pouco ou sequer conheciam. E a maior conquista da Olimpíada, talvez, tenha sido justamente o aumento da visibilidade do esporte paralímpico.
De lá para cá, foi preciso muito trabalho para pelo menos manter esse espaço conquistado, quando na verdade, poderia ter sido para aumentá-lo. A cultura esportiva brasileira, no entanto, ainda carece de maior diversidade. Mas mais do que isso, o esporte, de maneira geral, é muito mais do que “só” uma medalha. E o paralímpico, especialmente, carrega consigo valores fundamentais para toda a sociedade, como inclusão, acessibilidade e representatividade.
Por isso, a partir deste sábado (19), o Olimpíada Todo Dia fará série especial para celebrar e homenagear o Dia Nacional do Atleta Paralímpico, comemorado em 22 de setembro. Começando, assim, pela importância da visibilidade do esporte paralímpico.
“Acredito que o que mais falta é visibilidade. A falta de conhecimento é uma grande inimiga da sociedade brasileira. Tenho certeza de que as pessoas se apaixonariam pelos esportes paralímpicos e pelos atletas, teriam bons exemplos para seguir. Então, sim, ter mais visibilidade ajudaria a crescer o movimento paralímpico e inspirar mais pessoas a acompanharem os esportes ou praticá-los também”, resumiu o nadador Daniel Dias, o maior atleta paralímpico da história do Brasil, ao OTD.
Inclusão
Em um país desigual como o Brasil, pessoas com deficiência são constantemente colocadas à margem da sociedade e têm suas capacidades questionadas. Mas o movimento paralímpico mostra exatamente o contrário: ele é inclusivo e abre as portas a todos, reiterando o caráter democrático do esporte, que por vezes, é esquecido.
“Para mim, o movimento paralímpico é um meio de entrada, de as pessoas saberem que elas podem fazer o que quiserem. A pessoa não precisa ficar dentro de casa. Ela pode sair, nadar, praticar outro esporte… Ela tem diferentes modalidades para praticar, como lazer ou profissão. E a visibilidade e o reconhecimento ao esporte paralímpico traz essa visão da importância da inclusão”, pontuou Wendell Belarmino, promessa da natação, que conquistou três medalhas no Mundial e seis do Pan de Lima do ano passado.
+ SIGA O OTD NO YOUTUBE, NO INSTAGRAM E NO FACEBOOK
“O esporte não se importa com quem você é, de onde você veio, qual a sua cor, a sua religião… Ele simplesmente está lá para você. Nós somos, antes de tudo, pessoas. Todo mundo tem algum tipo de limitação e nós temos as nossas. E desempenhamos muito bem os nossos papéis, dentro e fora do esporte. Em um espaço mais inclusivo, a pessoa com deficiência vai conseguir fazer coisas espetaculares, porque existe alguém dentro de cada um que tem que ser descoberto”, completou Verônica Hipólito, integrante do Time Ajinomoto e do Time Nissan, campeã mundial e medalhista paralímpica do atletismo.
Quebrando o tabu
Inclusão pode significar também oportunidade. O esporte paralímpico dá, justamente, oportunidade das pessoas se superarem diariamente e acreditarem e mostrarem seus respectivos potenciais.
“Acredito que quanto mais visibilidade o esporte paralímpico tenha, não só no Brasil, mas no mundo, mais a gente pode quebrar aquele tabu de que pessoas com deficiência são coitadinhos. Quanto mais visibilidade, a gente pode mostrar que uma pessoa com deficiência é capaz de fazer tudo, sempre superando a sua dificuldade”, destacou Phelipe Rodrigues, dono de sete medalhas paralímpicas na natação.
“O que eu mais gosto no movimento paralímpico é mostrar para as pessoas que não somos só pessoas com deficiência. A gente vai atrás dos nossos objetivos, de nos superar assim como todos os atletas. É mostrar para as pessoas que a gente pode, que a gente consegue”, concordou Alan Fonteles, campeão paralímpico e mundial no atletismo.
“O movimento paralímpico deixa o legado de que ninguém aqui é coitadinho. Todo mundo pode ser e é muito feliz. E ele mostra para as pessoas com deficiência que não é o fim do caminho, mas é apenas um caminho diferente, como foi comigo”, completou Susana Schnarndorf, que tem uma doença degenerativa e superou a expectativa de vida de alguns anos, sendo hoje medalhista paralímpica.
Acessibilidade
Junto com a inclusão, a acessibilidade talvez seja um dos pontos mais fortes e necessários quando se fala de pessoas com deficiência, ao mesmo tempo que é um dos pontos mais fracos no Brasil. Pergunte a um cadeirante ou um deficiente visual ou auditivo como é andar nas ruas das grandes metrópoles brasileiras? A resposta, provavelmente, não vai ser positiva. E mais uma vez, a visibilidade tem papel fundamental aqui. Quanto mais visibilidade para o movimento paralímpico e as deficiências, mais consciência a sociedade provavelmente ganharia.
“Acredito que (acessibilidade) ainda seja um tabu para muita gente, porque pouco se fala sobre o assunto, então, estando mais exposto geraria maior consciência sobre. Haveria maior atenção e discussões sobre o tema”, pontuou Daniel Dias.
+De monstro à deusa: a jornada de aceitação de Raíssa Machado
“Quanto mais visibilidade a gente tiver, mais a gente vai lutar pela consciência maior sobre acessibilidade. Precisamos de acessibilidade, de ter a nossa adaptação. A gente tem que se adaptar ao local, mas o local também tem que se adaptar à nós. A gente está lutando por tanta coisa e acho que hoje, no século XXI, a gente tem que lutar mais ainda pelos nossos direitos e pela nossa acessibilidade e inclusão”, acrescentou Raíssa Machado, medalhista mundial no lançamento de dardo.
“Essa conscientização influencia muito na acessibilidade. As pessoas vão se empenhar mais em saber da necessidade das pessoas com deficiência para poder ajudar, saber como ajudar, o que pode fazer para deixar a vida da pessoa com deficiência mais adaptada ao dia a dia, para que ela possa fazer tudo”, completou Wendell Belarmino.
Inspiração
Susana Schnarndorf é um dos exemplos de atleta com uma história para lá de inspiradora, algo muito presente no movimento paralímpico. Depois de completar 13 Ironman, vencer o Brasileiro de triatlo por cinco vezes e representar o Brasil nos Jogos Pan-Americanos de Mar del Plata-1995, a gaúcha foi diagnosticada, aos 37 anos, com Atrofia de Múltiplos Sistemas, e recebeu o prognóstico de apenas três anos de vida. Passadas 15 primaveras, no entanto, Susana segue em busca de sua terceira participação em Paralimpíadas, aos 52 anos, já tendo sido campeã mundial.
“Eu sempre fui uma pessoa apaixonada por esporte. E depois da minha doença, com certeza é o esporte que me mantém viva. É literalmente vital para mim e vai muito além de uma simples medalha. É a minha vida que o esporte me devolve todos os dias”, disse Susana.
+Inspirações vivas: as atletas que têm tudo para brilhar em Tóquio
“Eu admiro muitas coisas no movimento e nos atletas paralímpicos, e uma delas é a superação, a história de vida de cada atleta. Porque cada um tem a sua deficiência, a sua forma de se superar e de ser exemplo para outras pessoas”, pontuou Petrúcio Ferreira, o paratleta mais rápido do planeta e da história.
Representatividade
Por fim, mas não menos importante, a representatividade, que anda lado a lado com a inspiração. É aquela chama que se acende quando você vê alguém semelhante a você conquistando algo importante. É uma criança com deficiência olhar para os atletas e se identificar. E acima de tudo, entender que ela também pode chegar lá. Isso, no entanto, só acontece com visibilidade, espaço e voz.
“Quem são as referências das pessoas com deficiência? Porque na televisão, no rádio, a gente sempre tem referência de homens e mulheres brancos. Em filmes e tal ainda tem referência para homens, mulheres e crianças negras, ainda que pouco, mas tem. E as pessoas com deficiência? Elas são sempre esquecidas! Tanto que teve uma redação no Enem sobre deficiência e ninguém sabia o que falar, porque isso não é ensinado na escola. A gente precisa de mais espaço para pessoas com deficiência, e até sem deficiência, terem mais heróis, heroínas… Referências”, pontuou Verônica Hipólito.
“Hoje, o esporte e os atletas paralímpicos estão tendo mais visibilidade, principalmente em rede social, tendo mais voz. Acho isso muito importante. E sem dúvida, a gente com certeza está inspirando e incentivando outras pessoas, outros deficientes a lutarem pelos seus sonhos e objetivos. A gente sempre está passando algo para o próximo e não só para pessoas com deficiência, mas para outras pessoas que veem superação e que podem correr atrás dos seus sonhos também. Isso é muito massa! E a gente tendo essa voz, cada dia vamos crescer e evoluir mais”, concluiu Raíssa Machado.