Com 2,37m de altura, Joelison Fernandes da Silva é o homem mais alto do Brasil. Paraibano de Assunção, Ninão, como é popularmente chamado, teve que encarar muitos desafios ao longo de sua vida e iniciou mais um deles nesta semana. Sete meses após amputar a perna por uma osteomielite, ele iniciou sua carreira como um atleta paralímpico, participando de um período de treinamentos com a seleção brasileira de vôlei sentado, em São Paulo. Mesmo com poucos dias de treinos, o Gigante tem se destacado, chamando muita atenção dos companheiros de equipe e recebendo elogios do treinador Fernando Guimarães.
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“O Ninão é um diamante bruto que pode fazer toda a diferença. Ele é muito coordenado e eu fiquei impressionado. Quando ele pegou numa bola pela primeira vez, tocou ‘direitinho’, um toque suave. Depois, coloquei ele na rede com um atleta de dois metros, que é o nosso maior, para ter parâmetro de altura. O Ninão errou uma, mas quando começou a entender a munheca e o toque por cima, não teve como pegar. É muita altura”, disse Fernando em entrevista exclusiva ao Olimpíada Todo Dia.
Ninão precisou amputar a perna direita por conta de uma osteomielite em seu pé. A infecção bacteriana surgiu há cerca de quatro anos, o que deixou o paraibano sem conseguir andar, mas a cirurgia só foi realizada em janeiro deste ano. Ele passou a utilizar uma prótese especial, mas ainda não está totalmente adaptado a ela. Quando o OTD conversou com o paraibano e seu treinador, Ninão estava na cadeira de rodas e não utilizava a prótese porque ela estava machucando seu joelho.
Início no vôlei sentado
A relação entre Ninão e o vôlei sentado começou há cerca de um ano. Fernando Guimarães viu seu novo atleta pela primeira vez em uma matéria de um programa de televisão. Através de um dos jogadores da seleção brasileira de vôlei sentado, que seguia Ninão nas redes sociais, o treinador foi informado sobre o processo de amputação da perna do paraibano e logo entrou em contato com ele. Após um lento processo, Ninão aceitou o convite para fazer parte do equipe do Paulistano – Fernando também é treinador do time – e lutar por uma vaga na seleção brasileira. Ele assinou um contrato de dois anos com o clube e já fez os primeiros treinos com a equipe nacional.
Quando mais novo, Ninão já havia tido contatos iniciais com o esporte, como o futebol e o próprio vôlei, mas precisou parar de praticá-los por conta de problemas de locomoção ocasionados por sua altura. Na visão do paraibano, seus primeiros contatos com o vôlei na infância o ajudaram no início dos treinos no vôlei sentado.
“Quando cheguei, fiquei de longe assistindo e admirando. Achei muito interessante. Quando fui para a quadra treinar com os outros atletas, foi uma experiência incrível”, disse Ninão ao OTD. “Como eu já tinha experiência com o esporte, já tinha noção de algumas coisas. Os colegas da seleção ficaram impressionados porque nos primeiros contatos com a bola já ataquei e bloqueei. O que é mais difícil é a parte da locomoção. Eu não praticava em casa, ficava só na cadeira ou sofá. E o esporte requer uma certa agilidade”, comentou o atleta do Paulistano.
Acompanhamento com foco em Paris 2024
Na avaliação de seu treinador, Ninão ainda pode aprimorar sua técnica, mas o principal ponto que precisa ser aperfeiçoado é a parte física. Ninão fez seu primeiro treino junto à seleção brasileira de vôlei sentado no Centro Paralímpico no último domingo (24). A seleção treina seis horas por dia, mas o paraibano não participou na íntegra de todas as sessões, ainda por estar em um processo de adaptação e “conhecendo músculos que nunca usou”, como explicou Fernando.
Ninão receberá um acompanhamento multidisciplinar em seu clube e na seleção, que envolve nutricionista, preparador físico e psicólogo. Toda essa preparação tem como objetivo os Jogos Paralímpicos de Paris 2024, no qual a comissão técnica da equipe brasileira já sonha em contar com o atleta paraibano. “Estávamos contando com ele para Los Angeles, mas o Ninão vai conseguir jogar e, acho que muito bem, a Paralimpíada de Paris”, disse Fernando.
Processo de adaptação
Por conta de sua envergadura, Ninão também necessita de cuidados especiais em muitas situações do dia a dia. Ele viajou sozinho da Paraíba até São Paulo, saindo de seu estado desacompanhado pela primeira vez em sua vida. O atleta terá um acompanhante somente quando for viajar a São Paulo para compromissos com o Paulistano, mas precisará viajar sozinho quando for treinar com a seleção brasileira.
“Viajei sozinho pela primeira vez. Como eu sou muito grande, preciso de um suporte nas viagens para não correr o risco de perder os voos. Ainda assim, é muito difícil, mas vamos nos virando da forma como dá”, comentou Ninão. “Fiquei longe da minha família pela primeira vez. Bate a saudade, mas é por uma boa causa”, completou ele, que retornará à sua cidade já na próxima semana. Ninão vai se apresentar no Paulistano somente uma ou duas vezes por mês e, quando não estiver treinando, voltará ao Nordeste.
O técnico Fernando entende que a logística e o processo de adaptação às situações diárias para a altura de Ninão ainda precisam ser aprimorados. “Não estamos preparados para isso. É completamente fora do padrão. Já houve problema no avião, em que ele veio em três assentos. Houve problema no coto porque estava de prótese, teve que colocar a cadeira de rodas. Quando chegou ao Centro Paralímpico, ligamos para mais de dez lugares para conseguir uma cadeira de rodas do tamanho dele. Quanto à cama, precisamos fazer um T para que ele coubesse. Isso é muito novo para nós e também para ele”, disse ele.
Vai dar certo?
Após uma semana de treinos, Fernando avalia o início como positivo. No entanto, o treinador destaca que Ninão não terá lugar assegurado em sua equipe somente pela sua altura, precisando se esforçar para conquistar um lugar na seleção principal.
“Ele tem que querer estar aqui, porque não é só pela altura. Tem mais 15 meninos que querem 12 vagas. Ele vai ter que merecer estar lá. A vida do Ninão é difícil, por conta da amputação e da altura dele, e de repente, o esporte pode dar um alento e uma nova vida. O Ninão pode fazer história para ele, para a família e para o país”, citou o treinador.
Introvertido, Ninão tem recebido o apoio de seus colegas de grupo neste processo de adaptação, ainda mais longe de sua família. Os atletas têm abraçado a causa do paraibano, incentivando-o durante e após os treinos. “Posso dizer que eles são os irmãos que a vida me deu. Estão ao meu lado, me ajudando, apoiando, dando força para mim. Isto é muito importante”, falou Ninão.
Meta é ficar entre os melhores
Depois de ficar em quarto lugar em duas Paralimpíadas seguidas, Fernando Guimarães não quer mais sair do grupo dos melhores do mundo. Na Rio-2016, o Brasil perdeu a disputa do bronze para o Egito. Já em Tóquio-2020, a algoz foi a Bósnia-Herzegovina. Com Ninão na equipe, o objetivo do treinador é fazer a seleção brasileira de vôlei sentado chegar ao pódio das próximas competições que disputar. E sua meta para a Paralimpíada de Paris 2024 é chegar na final.
“O que estamos preconizando neste ciclo é nunca mais sair do pódio, independentemente do campeonato, mas para isso precisamos estar muito bem treinados e o Ninão pode fazer toda a diferença”, disse o treinador. “Para Paris, não tem plano B: é final. O time que eu estou dirigindo tem que ser favorito, porque se eu não acreditar no meu time, quem vai? Nós temos equipe. Favoritismo não ganha jogo, mas nossa equipe é muito boa. Com ou sem Ninão, o time consegue jogar de igual para igual com qualquer outro”, completa.
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A próxima competição da equipe é o Campeonato Mundial, que acontecerá em novembro, em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina. A competição dará duas vagas para os Jogos Paralímpicos de Paris 2024.