Se há alguém que sabe como o mundo muda de maneira repentina, esse alguém é Rodolpho Riskalla, atleta do Adestramento Paraequestre. Cavaleiro desde os seis anos de idade, Rodolpho contraiu, em 2015, um tipo raro de meningite que o deixou em coma por muitos dias e ocasionou a amputação dos dois pés, a mão direita e quase todos os dedos da mão esquerda. Hoje em dia, o gerente de eventos da marca de luxo Christian Dior se prepara para a disputa dos Jogos Paralímpicos de Tóquio.
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Atualmente morando na França, a cerca de 60 km de Paris, Rodolpho se mostrou desapontado com adiamento dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos para o verão do ano que vem e com o cancelamento dos eventos equestres devido a pandemia. Isso não fez, entretanto, com que o cavaleiro deixasse de seguir sua rotina de trabalho e treino na busca pela sonhada medalha paralímpica.
O trabalho na Dior
Normalmente, Rodolpho trabalha como gerente de eventos para a casa de moda Christian Dior em Paris e costuma montar às 7 horas da manhã, antes de ir ao escritório. O atleta conta que se mudou de São Paulo para a Europa no final da adolescência.
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“Passei alguns meses com na Bélgica e montei dois anos na Alemanha. Depois retornei ao Brasil por cerca de cinco anos antes de decidir voltar à Europa visando ficar próximos dos cavalos, das competições e treinamento. Acabei trabalhando no Haras de Champcueil por dois anos e meio antes de começar a trabalhar na Dior”, conta Rodolpho, que desde então está baseado na França.
Rodolpho, que desde a infância monta com sua mãe juíza e treinadora de adestramento, sempre mostrou potencial. Entre outras conquistas foi campeão sul-americano de young riders em Buenos Aires 2004 e teve importantes classificações em CDI3* em São Paulo em 2012. No ano seguinte, na França, obteve importantes resultados no circuito de cavalos novos e vinha trabalhando para subir seu cavalo Divertimento ao nível Big Tour, visando um lugar na equipe nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Mas no verão de 2015, devido a uma tragédia, retornou ao Brasil.
Mudança repentina e drástica
“Meu pai adoeceu e morreu. Quando cheguei ao país [Brasil] ele já tinha partido. Tive que me ocupar com as coisas burocráticas e ficar com minha família por um tempo. Mas duas semanas depois adoeci. Era uma meningite bacteriana. A doença é um pouco como o coronavírus: algumas pessoas podem contrair sem serem afetadas, mas transmiti-la a outras pessoas. Fiquei doente do nada, me sentia bem de manhã, mas de tarde senti como se estivesse com uma gripe. Fiquei com febre e na manhã seguinte minha mãe me levou para o hospital. Me colocaram em coma para que eu pudesse respirar, meu coração e tudo estava prestes a entrar em falência”, lembra o cavaleiro.
“Fiquei em coma por cerca de três semanas. De alguma forma consegui sobreviver, disseram que provavelmente foi porque estava com boa saúde. Mas minhas mãos e pernas – as extremidades – sofreram muito. Eu tinha seguro médico na Europa, então a Dior ajudou no retorno e minhas amputações foram em Paris”, resume Rodolpho.
Em junho de 2015, Rodolpho, almejando o sonho olímpico, ainda havia competido no CDI2* de Campiegne. Em outubro havia perdido as duas partes inferiores das pernas, todos os dedos da mão direta e alguns da esquerda. Depois em novembro, mesmo ainda estava muito fraco, foi transferido para um centro de reabilitação pois precisavam de sua cama de hospital para as vítimas do ataque terrorista de 2015 em Paris.
Sem tempo para pensar
“Na verdade, não tive muito tempo para pensar, o que foi bom. Realmente tive muita sorte de poder contar com minha família e amigos durante todo o tempo”, explica Rodolpho Riskalla, ao ser perguntado sobre como soube lidar com a situação.
Em janeiro de 2016, menos de cinco meses após adoecer, visitou a cocheira onde estava um de seus cavalos e foi colocado na sela. Na época ainda não tinha próteses.
Rodolpho havia perdido 30 quilos e era preciso esperar até março de 2016 para cicatrizar a amputação antes de ajustar as próteses. Em maio, já havia competido em duas provas Adestramento Paraequestre com um cavalo emprestado por um amigo. “Meus médicos me deixaram sair da reabilitação, mas disseram: ‘não conte a ninguém do hospital'”, conta, rindo.
Em setembro, apenas quatro meses após deixar o hospital, disputou os Jogos Paralímpicos Rio-2016, terminando o adestramento paraequestre em 10º lugar. Nesse mesmo ano, Rodolpho foi condecorado com o prêmio da “Against all Odds” (contra todas as adversidades) da FEI (Federação Equestre Internacional). Dois anos mais tarde, conquistou duas medalhas de prata nos Jogos Equestres Mundiais 2028, em Tryon, na França.
A transição
A transição para o Adestramento Paraequestre foi um pouco desconcertante. No Adestramento Paraequestre há cinco graus de competição (menor ao maior grau de comprometimento físico) e Rodolpho compete no grau IV.
“Têm muitas transições e voltas curtas e os juízes estão de olho em cada detalhe! Já no Adestramento Paraequestre o que importa é a retidão, descontração, contato, boas transições e isso realmente aprimorou meus cavalos para que estejam no ponto, tudo precisa estar muito fluente,” detalha o cavaleiro.
Rumo ao ouro em Tóquio com Don Frederic
Montando o garanhão Don Frederic, Rodolpho Riskalla vinha em excelente ritmo de preparação antes da pandemia do coronavírus atingir o mundo esportivo.
“O Don Frederic é realmente especial, um pouco menos sensível que o Don Henrico [seu antigo cavalo], às vezes um pouco voluntarioso. Agora em 2020 começamos a competir no Adestramento e no Paraequestre. Levei ele para Doha [CPEDI3* em Fevereiro de 2020], onde esteve fantástico conquistando três boas notas [três vitórias].”
O adiamento dos Jogos Paralímpicos de Tóquio para 2021 dará mais tempo para Rodolpho firmar sua parceira com Don Frederic.
“Não queremos ir a Tóquio somente por medalha, mas por uma medalha de ouro”, afirma Rodolpho.
Pandemia
Rodolpho Riskalla finalizou a entrevista expressando sua opinião sobre os tempos atuais.
“Não está sendo um período fácil para ninguém porque não sabemos o que o futuro nos reserva. Precisamos superar isso e chegaremos lá, mas não podemos apressar o tempo e precisamos ser pacientes. Se tem algo que aprendi por experiência própria é que se as pessoas se importam umas com as outras, tudo fica mais fácil.”