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Do acidente à medalha: a virada de Caio Ribeiro

Em 2011, Caio Ribeiro teve a perna amputada após acidente. Dois anos depois, foi campeão mundial de paracanoagem. Em 2016, foi bronze na Paralimpíada

Caio Ribeiro de Carvalho tem o esporte no DNA. Ele é sobrinho de João Luís Ribeiro, primeiro brasileiro a representar o país na ginástica artística em uma edição de Olimpíadas, em Moscou, 1980. Na infância e na adolescência praticou futebol, atletismo, basquete, judô, BMX, futebol americano e várias outras modalidades. Manter o corpo em movimento sempre foi sua maior paixão. Mas tudo era feito por hobby. Ele só se transformou em atleta de alto rendimento depois que um acidente de carro, em 2011, que lhe causou a amputação da perna esquerda. Naquele momento, ele acreditou que a vida tinha chegado ao fim, mas a descoberta da paracanoagem o trouxe de volta, o transformou em campeão mundial e em medalhista paralímpico.

“Desde pequeno, eu sempre foi amante do esporte. Eu sempre fui bom no esporte, mas não entendia o valor disso”, lembra Caio Ribeiro, que, graças à aptidão mostrada desde a infância, se adaptou rapidamente à paracanoagem e logo conseguiu resultados importantes.

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Superação é uma palavra que nunca faltou à família. Nascido no Rio de Janeiro, Caio Ribeiro perdeu o pai quando ele tinha apenas quatro anos. Na época, se mudou com a mãe Maria Regina para os Estados Unidos e foi morar com o tio João Luiz. Foi no exterior que o interesse por esportes se aflorou e que o hoje paracanoísta se desenvolveu.

A volta para o Rio aconteceu em 2006. O avô, de quem tinha lembranças da infância, estava doente. Caio Ribeiro veio para visitá-lo, o parente faleceu pouco depois, mas ele quis permanecer na cidade onde nasceu. E foi lá que aconteceu o acidente que mudou completamente a vida do atleta em julho de 2011.

“O acidente foi bem longo. Um mix de coisas aconteceu. Eu estava na casa da minha avó e tive uma discussão com a minha namorada da época. Minha moto estava lá fora e eu, que já estava de cabeça quente, fui pegar a moto para colocar dentro da garagem. Mas aproveitei que ela estava lá fora e fui dar uma volta no quarteirão para desestressar. Aí um amigo me liga e me chama para ir a um samba. Eu fui! Fiquei lá um pouco e, na hora de ir embora, estava na Heitor Beltrão, que é uma reta na Tijuca, a dos quarteirões de casa. Eu estava um pouco acima da velocidade, perdi o controle da moto quando passei por cima de uma tampa de bueiro, que estava solta. Mas ao invés da moto subir a calçada, ela arriou. Aí eu bati a cabeça no painel, fiz uma cambalhota para a frente e só a perna bateu na árvore. Aí eu decaptei quase 100% da perna”, recorda-se emocionado.

“Me resgataram e me colocaram na maca. Aí eu ouvi um rapaz do Samu: ‘O que a gente faz com a perna dele?’. Naquela hora, eu já sabia que não tinha mais perna”. A partir daí, Caio Ribeiro se deparou com o desafio de recomeçar a vida, mas não foi nada fácil. “Eu aceitei e não aceitei! Uma vida nova! O que eu vou fazer? Eu não estava preparado, não tem como estar preparado para isso. Eu não sabia que uma coisa dessas podia acontecer. Eu não sabia que era possível superar. Para mim, tinha acabado. Tive que botar na minha cabeça que precisava seguir em frente porque a primeira coisa que você pensa é que você é um merda. Estou aqui para provar o contrário. Eu vou continuar fazendo isso até morrer”, garante Caio Ribeiro com os olhos cheios de lágrimas.

O processo, no entanto, não foi simples. A mãe Maria Regina não via evolução no filho nos dias que se seguiram ao acidente até que surgiu a oportunidade de Caio experimentar a canoagem. “No começo, foi muito difícil. A gente pensou que não ia sair daquela. Até que um dia um professor viu na ficha dele que ele era atleta, sempre fez esporte e perguntou se ele gostaria de fazer um teste lá na Urca na canoagem. Foi aí que ele deu a volta por cima”.

Caio Ribeiro lembra com brilho nos olhos do momento em que experimentou o novo esporte. “Me botaram numa canoa polinésia de seis lugares e saímos na Baía de Guanabara. Em alto mar, eu vi a vista infinita e me apaixonei”.

Caio não só se apaixonou como passou a se dedicar àquilo e, dois anos depois do acidente, foi campeão mundial. “Treinei, treinei, treinei e fui campeão mundial”. Em 2015, ele repetiu o feito e conquistou o bi. Tudo levava a crer que o brasileiro seria favorito ao ouro na Paralimpíada do Rio de Janeiro, mas uma mudança na programação quase colocou tudo a perder. Mas foi só mais obstáculo que o paracanoísta teve que superar.

“Antes dos Jogos, faltando pouquíssimo tempo, menos de um ano, eles mudaram a programação. A canoa polinésia, em que eu já era bicampeão mundial e favorito à medalha, foi tirada da Paralimpíada. Parei de remar a canoa polinésia e todo dia comecei a treinar no caiaque, que ia ter no Rio. Ninguém dava nada para mim. Eu não era nem investigado, ninguém me estudava. Em 2016, antes dos Jogos, teve outro Mundial e eu consegui a quarta colocação, que foi a última vaga para a Paralimpíada. Aí eu tive a oportunidade de representar o nosso país na Rio 2016 e consegui uma medalha (de bronze) inédita para o nosso país. A primeira medalha da história. Me sinto muito bem em poder representar o nosso país”, comemora.

Depois do pódio paralímpico, as conquistas não pararam. Caio Ribeiro conquistou duas pratas no Mundial de 2017 e mais um segundo lugar em 2018. O objetivo dele, agora, são os Jogos de Tóquio. O brasileiro quer continuar fazendo história e desafiando os próprios limites do corpo.

“A gente tem que viver. Às vezes a gente nunca vai realmente encontrar o nosso propósito de vida, a razão da gente estar aqui. O negócio é tirar proveito de absolutamente tudo. Quero quebrar recordes, quero demonstrar para o mundo, para cientistas, para médicos o que o corpo do ser humano é capaz de fazer, até onde ele é capaz de ultrapassar as barreiras e os limites. Ver até o que ele aguenta, né? Eu só quero viver”, finaliza.

Fundador e diretor de conteúdo do Olimpíada Todo Dia

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