Há quatro anos, na Rio-2016, o Brasil viu pela primeira vez a participação das duas seleções de polo aquático, a masculina e a feminina, em uma edição de Jogos Olímpicos. O acontecimento foi excepcional nos dois significados da palavra. Primeiro, por ter sido um grande marco para o esporte. Mas também porque foi uma exceção. Essa, infelizmente, não era e não é a realidade da modalidade, que já não terá suas duas seleções em Tóquio-2020. O time masculino ainda tem chances de ir à Olimpíada, ao contrário da equipe de polo aquático feminino, por opção da CBDA.
No ano passado, tanto a seleção brasileira feminina, quanto a masculina ficaram com o bronze nos Jogos Pan-Americanos de Lima, o que não garante a classificação para Tóquio, mas garante vaga no Pré-Olímpico. No entanto, por uma escolha da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos), apenas a equipe masculina do Brasil viajará para disputar o Pré-Olímpico.
Opção financeira e técnica
A seleção de polo aquático feminino ficou sabendo que não iria para a competição pela entidade, mas de uma forma indireta. Foi através do lançamento do calendário de 2020, em que não constava a competição.
“Então, fomos questionar a CBDA e disseram: ‘com o pré-olímpico na Itália sendo no início de março, não temos condições financeiras e tempo para preparar adequadamente. O COB não liberou dinheiro, porque as nossas chances são mínimas para a qualificação. Vamos treinar para o Sul-Americano e começar o planejamento para 2024′. Uma única mensagem pelo whatsapp”, contou a atleta da seleção, Diana Abla, em entrevista exclusiva ao Olimpíada Todo Dia.
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“Uma das coisas que mais me chateou foi que nós atletas fomos questionar o porquê do feminino não participar, mas a CBDA nem se preocupou em fazer uma declaração oficial. Se não tivéssemos perguntado, ficaria por isso mesmo”, completou.
A entidade, então, confirmou o posicionamento ao OTD. “O planejamento de seleções do polo sempre considera igualmente as duas seleções, como pode ser verificado nos últimos anos, com training camps e participações em competições. Especificamente no caso deste Pré-Olímpico, o orçamento da Lei Agnelo Piva (única fonte atual de subsídio para seleções), só conseguia cobrir uma das seleções. A CBDA fez uma opção técnica”.
“Apesar da classificação ser muito difícil para ambos os gêneros, no caso da seleção feminina é bem mais difícil, considerando o cenário de equipes e também por ser uma seleção muito nova que está em processo de renovação. Em função disso, a CBDA preferiu direcionar o orçamento do feminino para o Mundial sub 18, com o apoio da área de desenvolvimento do COB”, completou a entidade em nota.
Resultado sem investimento
Uma tecla que temos batido bastante aqui no blog OTD Delas é a ideia pouco realista de se exigir qualidade e/ou resultado sem que se tenha investimento para isso. Para poder pedir por resultado, é necessário que se dê caminhos para chegar a eles e, para as atletas da seleção de polo feminino, não é isso que vem acontecendo.
“A minha perspectiva em relação à essa decisão é a de sempre. O esporte brasileiro espera resultado sem ter investimento. Essa é a realidade do polo aquático no Brasil. Essa mentalidade não leva o esporte a lugar nenhum, porque nunca terá uma geração de atletas do polo que, sem investimento, seja capaz de garantir uma vaga olímpica. O polo aquático é um esporte de contato e que requer muito ritmo de jogo. Acredito que a única forma de conseguir isso é treinando com as potências mundias. Infelizmente nós não conseguimos progredir treinando apenas condicionamento e fazendo coletivo com nós mesmos”, pontuou Mariana Rogê, atleta da seleção.
“Então é muito triste ouvir isso, porque nós nunca seremos um time capaz de classificar para uma Olimpíada se não treinarmos juntas, com outras seleções, e muito menos se nós nunca participarmos de um Pré-Olímpico. Nós atletas estamos prontos para treinar e dar nosso máximo, temos vontade de sobra. Mas falta quererem investir em nós”, completou.
“Já ouvimos muitas vezes pessoas falarem que se a seleção feminina fizer mais treinamentos no Brasil, no exterior e participar de todos os campeonatos, tem total chance de chegar em um nível competitivo para enfrentar as maiores equipes do mundo. Mas isso sempre fica só na fala, porque não vemos nenhum apoio, investimento ou interesse de tornar isso realidade”, acrescentou Diana Abla.
Falta de apoio e investimento
A situação do Pré-Olímpico, sozinha, já é suficiente para levantar questionamentos. Afinal, as chances de classificação do masculino e do feminino são subjetivas. Mas ela é apenas um exemplo da falta de apoio histórica ao polo aquático feminino e reacende a discussão.
Um caso que reflete bem isso aconteceu no ano passado. Antes do Pan-Americano de Lima-2019, foi realizada a Copa Uana, que dá vaga no Mundial da modalidade. Segundo o experiente treinador Duda Abla, que já comandou a equipe nacional masculina e está hoje na feminina, a seleção das mulheres teve apenas uma semana para treinar antes do torneio. Resultado: o time perdeu e acabou ficando fora do Mundial. A masculina, por sua vez, teve um mês e uma semana de treinamento e venceu a competição.
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“Isso é um diferencial. E eles ganharam, por causa disso, um intercâmbio internacional, foram para os Estados Unidos, China e depois para o Mundial e para o Pan-Americano. Enquanto isso, nós do feminino teríamos uma semana de treinamento, pararíamos e depois voltaríamos uma semana antes do Pan. Eu pedi e lutei… Pedi para mandarem as meninas para São Paulo, coloquei algumas na minha casa, algumas nas casas de outras atletas e fizemos seis semanas e meia de treinamento. Então foi tudo aqui, sem nenhum intercâmbio internacional. E aí fomos para o Pan e conquistamos o bronze, que provou mais uma vez aquilo que eu acredito, que chama-se trabalho”, explicou Duda Abla.
“Eu não consigo dizer se há uma preferência pelo masculino. Mas há uma discrepância no investimento que o COB (Comitê Olímpico do Brasil) e a Confederação disponibilizam para as duas categorias, sendo o masculino priorizado em relação ao feminino. Acho que nos últimos quatro anos, nós fomos a quatro competições internacionais, com um mês, no máximo, de período de treino antes da competição. Então sim, o polo aquático feminino sempre foi carente de investimento e nós precisamos de mais investimento. E precisamos saber se estão dispostos a fazer isso e também se acreditam no potencial do esporte”, completou a atleta da seleção, Mariana Rogê.
Para além do financeiro
Quando falamos em investimento, não é “apenas” a questão financeira que conta. Claro que ela ocupa grande parte desse processo, mas também não adianta ter dinheiro sem ter interesse em usá-lo da melhor e mais igualitária forma possível.
Além disso, há de se ressaltar que a falta de recursos abrange a CBDA de maneira geral e respinga em todos os esportes, não apenas no feminino. Mas é possível fazer mais, ainda que com pouco, caso haja planejamento e, claro, interesse.
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“Não é só uma questão de investimento financeiro, é uma questão de fazer uma programação de trabalho. Por exemplo, fazer um calendário. Com isso, você consegue ver os treinamentos que a seleção necessita, o que é fundamental. Nós não estamos na Europa, não estamos em contato com grandes equipes. Então precisamos de muito trabalho coletivo”, destacou Duda Abla.
“Não adianta você ter os atletas cada um em seu clube, para se juntarem semanas antes de uma competição internacional. É fazer treinos, treinos e mais treinos para formar uma equipe. E aí sim poder começar a pensar em intercâmbios. E você não precisa necessariamente viajar para esse intercâmbios, você pode convidar seleções para cá. O brasileiro tem muito talento e com uma sequência de trabalho, nós com certeza vamos chegar entre as melhores equipes. O ganhar ou perder é uma outra coisa, mas chegar no nível dessas equipes eu não tenho a menor dúvida que a gente consegue”, concluiu.