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COI se embola, mas afinal: esporte e política se misturam?

Após recomendar exclusão da Rússia, Thomas Bach faz esforços para trazer o país de volta e apagar história olímpica em prol do olimpismo

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Olga Kharlan se recusa a cumprimentar "atleta independente neutra" no Mundial de Esgrima Tadashi Miyamoto/AFLO/Shutterstock)

O Comitê Olímpico Internacional (COI) aparenta estar cada vez mais sem paciência com as exigências ucranianas e de seus parceiros ocidentais que lutam pela exclusão de russos e belarussos dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Seus dirigentes estão cada vez mais fazendo malabarismos históricos e filosófico para justificar e relativizar a evidente constatação que esporte e política se misturam.

Eu já tinha comentado ao relatar a sessão do COI em junho que o presidente Thomas Bach tinha subido o tom um pouco contra os governos de Polônia e Ucrânia por “intervenção na autonomia do esporte”. Ele ainda reforçou novamente que a entidade máxima do esporte olímpico deve “servir a todos os atletas sem qualquer descriminação” e contribuir à paz com o “poder unificador do esporte”.

Novas provocações

Desta vez, Christian Klaue divulgou um artigo de George Hirthler na nova edição da Olympic Review, a revista oficial do COI. O alemão é diretor de relações públicas do COI e ainda que a nível pessoal, tuitou:

É necessário reforçar que os Jogos não são propriedade de nenhum país ou raça em particular e que não podem ser monopolizados por nenhum grupo? Eles são globais. Todas as pessoas devem ser permitidas, sem debate, assim como todos os esportes devem ser tratados em pé de igualdade, sem preocupação com as flutuações ou caprichos da opinião pública.

Foi provavelmente mais uma bola fora do COI tentando consertar as outras bolas foras desde a invasão da Rússia à Ucrânia. Não precisamos ir muito longe, já que nas próprias respostas ao tuíter do diretor do COI as contradições são apontadas. Em primeiro lugar, basta lembrar que foi o próprio COI a recomendar a exclusão de atletas russos e belarussos do esporte olímpico. O colunista Marcelo Laguna já havia notado na época que “dura posição contra a Rússia não foi vista outras vezes”, citando a intervenção militar ilegal – de acordo com a ONU – dos EUA sobre o Iraque.

Provavelmente, Thomas Bach e seus conselheiros, imaginavam que a invasão liderada por Putin terminaria rapidamente. E, claro, cederam a pressão da comunidade internacional. Mas depois de quase um ano e meio, o COI se vê com uma batata quente nas mãos. O Comitê Paralímpico Internacional já havia sido corajoso ao punir a Rússia pelo esquema estatal de doping, mas cedeu às pressões e não bancou sua decisão de permitir russos e belarussos como atletas neutros nos Jogos Paralímpicos de Pequim 2022.

As várias vezes que esporte e política se misturaram

É preciso lembrar, porém, que Thomas Bach foi uma das vítimas do boicote da Alemanha Ocidental aos Jogos de Moscou 1980. Em um artigo publicado em 2020, com a indefinição ainda sobre a participação russa em Tóquio-2020, ele lembra de ver atletas africanos saindo da vila olímpica de Montrèal-1976 em lágrimas.

É compreensível, portanto, seu desejo por edições sem boicotes. Mas não pode se apagar a história. Os Jogos Olímpicos sempre foram pautados pela política, desde a escolha da sede à formação do programa olímpico, excessivamente europeu-estadunidense. O que dizer também da enaltação ao amadorismo, que privilegiava a elite e aos países que investiam em seus atletas?

Boicotes e expulsões marcam história olímpica

Os boicotes de Montrèal-1976, Moscou-1980 e Los Angeles-1984 são os mais lembrados. Porém, muitos países foram explicitamente banidos de Antuérpia-1920, Paris-1924 e Londres-1948 como consequência das guerras mundiais. O que dizer dos massacres de Tlatelolco em 1968 ou do atentado terrorista em Munique-1972? Por outro lado, como não se emocionar com a Coreia desfilando unificada em Sidney-2000 e Atenas-2004?

Muitos ficaram surpresos com a decisão do governo da Indonésia em não conceder vistos para atletas israelenses. Tal ação provocou o cancelamento dos Jogos Mundiais de Praia em Bali e a mudança de sede do mundial sub-20 de futebol. Mas foi pelo mesmo motivo que o país asiático foi banido dos Jogos de Tóquio-1964.

Foi na mesma edição que a África do Sul foi excluída por se recusar a enviar uma delegação multiracial. Quando o país aceitou finalmente enviar times multirraciais e banir o apartheid do esporte internacional, outros países africanos resolveram agir. Indignados que isso não era suficiente, ameaçaram boicotar os jogos de 1968. O COI respondeu ao governo sul-africano do mesmo jeito que o CPI reagiu aos protestos ocidentais em Pequim-2022. Mas enfim, até que ponto as pressões políticas devem entrar na arena esportiva?

Qual a diferença entre Rússia e Israel na mistura entre esporte e política?

E finalmente, como não perceber que a recusa em atletas ucranianos a competir contra os agressores russos é idêntica ao movimento que países árabes e aliados e muçulmanos fazem há décadas contra Israel em resposta à ocupação da Palestina.

Claro que não existe resposta certa para os vários dilemas postos aqui. Mas é óbvio que o COI não pode simplesmente fingir que esporte e política não se misturam – inclusive quando governos interferem diretamente nos Comitês Olímpicos Nacionais em todo mundo. É preciso ter uma visão mais realista e menos utópica. Não faz sentido endeusar o Barão Pierre de Coubertin como uma figura messiânica como alguns ainda fazem no movimento olímpico. Mas isso é assunto para um próximo texto.

Interessado em cinema, esporte, estudos queer e viagens. Se juntar tudo isso melhor ainda. Mestrando em Estudos Olímpicos na IOA. Estive em Tóquio 2020.

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