“O que mais incomoda são os olhares diferentes quando eu chego nos lugares”. A frase é de Etiene Medeiros. O maior nome da natação feminina nos últimos anos é negra e, mesmo com todas as conquistas e sucesso em sua modalidade, não deixa de sofrer no dia a dia com o racismo no esporte.
O dia 20 de novembro passou a ser uma data de referência no país, e mais precisamente em algumas cidades brasileiras, por conta do Dia da Consciência Negra. A ideia do dia passar a ter a simbologia atual começou na década de 1970, quando historiadores identificaram que Zumbi dos Palmares, símbolo da luta contra a escravidão no país, havia morrido na data em questão. Para tentar entender o que os atletas brasileiros passam com o racismo no esporte, o Olimpíada Todo Dia, conversou com Etiene Medeiros, Yago, Ygor Coelho, Clarissa dos Santos, Aline Silva, Diego Moraes e Ketleyn Quadros.
O esporte camufla, mas não acaba
O racismo existe no esporte porque ele está no na sociedade como um todo. Contudo, dependendo do sucesso e das conquistas de cada atleta, o meio esportivo auxilia na tentativa de se camuflar a presença do racismo.
“O problema de uma sociedade tem reflexo em todas as áreas. Porém no esporte existe uma inclusão, aprendemos a lidar e respeitar as diferenças, quanto mais diversidade melhor. O esporte é uma das ferramentas contrárias do racismo”, comentou Ketleyn Quadros.
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“O esporte mascara um pouco esta questão. Algumas modalidades são mais seletivas, outras nem tanto, mas muitos ídolos do esporte são negros e isso ajuda. Por outro lado você tem reações mais fortes também”, comentou Clarissa dos Santos.
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“No meu esporte eu nunca sofri preconceito, mas eu tenho na minha memória casos como a da Rafaela Silva sendo chamada de macaca nas redes sociais e é como se fosse comigo. Temos ainda tem muito a melhorar, mas as pessoas têm mais consciência com os últimos acontecimentos”, disse Ygor Coelho.
“Nunca fui envolvido em casos de racismo e sei que sou uma exceção. Precisamos combater isso, trabalhar pela conscientização das pessoas, nos unir em campanhas, em movimentos para que isso acabe”, disse Yago, armador do Flamengo.
2020, um ano diferente
Os últimos acontecimentos que Ygor Coelho cita em sua fala é o que teve início nos Estados Unidos e ficou conhecido como o movimento “Black Lives Matter”, (Vidas Negras Importam em tradução livre). Após o assassinato de George Floyd pela força policial americana, os protestos de pessoas negras se iniciaram e chegaram no esporte.
Com o apoio a causa de atletas da NBA, WNBA e demais ligas americanas, os protestos aumentaram e saíram das fronteiras dos Estados Unidos. Outro grande atleta negro que se posicionou sobre a questão racial foi o piloto de Formula 1, Lewis Hamilton.
“O apoio da NBA aos jogadores é algo único e na prática, foi um movimento que interferiu nas últimas eleições nos Estados Unidos. Nunca tanta gente tinha ido às urnas para exercer o poder do voto. Já na Fórmula 1, onde Hamilton luta praticamente sozinho, não se faz tanto na prática da categoria. Assim que Hamilton se manifestou de uma forma mais contundente, subindo ao pódio com a camisa ‘prendam quem matou Breonna Taylor’ , a categoria proibiu atitudes assim em cerimônias de premiação. Acredito que enquanto o discurso gera lucro para a instituição, o apoio é garantido. Mas a partir do momento que o discurso, além de gerar lucro, faz com que as pessoas que estão ocupando altos cargos na instituição se sintam ameaçadas por negros e negras capacitados para assumirem posições de liderança…Nessa hora, a questão racial chega à linha de chegada”, comentou o carateca Diego Moraes.
“Em competição, há muitos comentários racistas. Por mais que seja triste, eu escuto dentro da nossa seleção mesmo. Brincadeiras racistas. “Ó lá, tinha que ser preto”. “Ó lá, fazendo merda, tinha que ser preto”. Essas brincadeirinhas de criança, mas feitas por adultos de 20, 30, 35 anos. O que eu escuto de “tinha que ser preto” é muito. É demais. E aí você fica puta da vida, chama a atenção, mas as pessoas não dão trela. Debocham”, disse Etiene.
A estrutura deixa sem representatividade
Segundo o dicionário, uma das traduções de representatividade é “se sentir no direito de representar uma comunidade, ser representativo”. Apesar de hoje os nomes mais famosos do esporte mundial serem negros, nem sempre foi assim.
Além disso, principalmente na base do mundo esportivo, é raro que um técnico, assistente técnico seja negro, o que dificulta a representatividade dos jovens atletas negros. “Eu comecei a praticar esporte quando era adolescente e em uma turma de 90, eram seis negros. Eu não vi um técnico negro, não via um auxiliar negro. Os negros que a gente via eram o piscineiro, que cuidava da piscina, ou a moça terceirizada que limpava o banheiro. Não existia representatividade”, comentou Etiene Medeiros.
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Para Aline Silva, do wrestling, a estrutura do esporte de alto rendimento é eliminatória para o atleta negro. Por conta de toda questão social, que normalmente o negro é visto e tratado de forma diferente, o deixando a margem da sociedade, o atleta negro também sofre.
“O esporte tem uma estrutura racista. No alto rendimento vão chegar mais brancos do que negros por conta da facilidade de acesso ao capital financeiro para todo o processo”.
Mudar o futuro
O passado foi ruim, o presente mostra uma evolução, mas e o futuro? O que aconteceu em 2020 em parte do mundo, com pessoas conhecidas, atletas e a sociedade comum se unindo para buscar mudanças no tratamento de pessoas negras foi um marco. Mas o que acontece depois?
“Hoje, eu não sei. Talvez com um acesso maior, para discutir maneiras de ampliar essa inclusão. Nós temos muitos atletas negros bons no Brasil. Falta acesso. Falta inclusão”, comentou Etiene Medeiros.
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“Ser obrigado a seguir esperando por uma mudança no futuro é seguir tendo os passos limitados pelo branco. Antes existiam correntes para fazer isso, hoje não precisam delas para exercer o poder. Quem tem o poder é quem tem o dinheiro. Desejo uma ação brusca em relação às políticas inclusivas, porque a ação gradativa talvez só os meus netos ou bisnetos possam colher. Quero que o esporte, assim como a sociedade, perceba que sem pretos, o esporte mais popular do mundo, o futebol, não seria esse sucesso e não teria transações milionárias enchendo o bolso de pessoas brancas. Como seria o esporte sem Pelé, Marta, Janeth Arcain, Michael Jordan, Lebron James, Serena Williams , Ali, Teddy Rinner, Usain Bolt e Lewis Hamilton? Para mim, deixaria de ser espetacular”, finalizou Diego Moraes.