No ano passado, a natação feminina chamou atenção para a histórica desigualde de gênero presente na modalidade. O ponto de partida foi a convocação da seleção brasileira para a Missão Europa, com apenas uma mulher entre os 15 selecionados. O episódio fez com que Poliana Okimoto, medalhista olímpica, se manifestasse nas redes sociais, o que acabou mobilizando muitas atletas e ex-atletas. E o resultado disso foi a criação do Comitê Feminino da Natação Brasileira e a abertura do diálogo com a CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos).
“A ideia do post foi chamar atenção para um problema que estava sendo sempre renegeado, ficando embaixo do tapete, sempre esperando surgir uma nova geração do nada. Então o que vamos fazer para melhorar isso? E aí a gente decidiu se juntar e formar o Comitê, que é muito importante, é uma forma de a gente se sentir acolhida. Porque muitas vezes a gente teve que sofrer sozinha”, explicou Poliana em live do OTD.
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“Na nossa cultura, o menino é valorizado por ser fortão e a menina por ser bonita. isso é ruim, é machista… E o fato de a gente ter mais meninos na natação vem daí. Se essas meninas menores ouvirem as mulheres do Comitê, podem ver um modelo. Então a presença do Comitê na base é muito forte. E ter essas meninas mais velhas dando a mão para as mais novas, elas vão querer ser iguais a elas, fortes, campeãs”, completou Renato Cordani, vice-presidente da CBDA.
Um ano depois de sua criação, o Comitê já conta com 220 mulheres e tem atuado em várias frentes, como a união de gerações, acolhimento e denúncia de caso de abusos e educação.
“Uma das coisas importantes do Comitê é a educação das meninas, dos pais, dos treinadores… Porque muitas vezes a gente reproduz e ouve coisas coisas que a gente não pode mais aceitar. Coisas como: ‘vamos treinar que nem homem’. Não, eu treino que nem mulher e sempre gostei de ganhar de homem treinando como mulher. E quanto aos assédios, isso é muito grave. A gente sabe que tem que tomar cuidado todo dia na rua, com a roupa que eu vou usar… Então a gente precisa mudar isso. Não é de hoje para amanhã, mas a gente está construindo. E o Comitê está ajudando a descontruir isso dentro da natação”, exaltou Poliana Okimoto.
Seletiva olímpica única
Na semana passada, foi realizada a seletiva olímpica para Tóquio-2020. E pela primeira vez, ela foi feita de maneira única, ou seja, os atletas tinham apenas esta ocasião para garantir a vaga nos Jogos. Alguns atletas e ex-atletas criticaram a opção da CBDA, como a própria Poliana.
“Eu fui contra a seletiva única. Acho que uma seleção mais volumosa é melhor para o Brasil, a gente poderia ter mais mulheres talvez… Esses atletas já são espelho para a próxima geração, então estar lá em Tóquio seria muito bom. Então para mim, a CBDA poderia dar mais uma chance para os atletas. Foi um ano de pandemia, eles pararam de treinar, e aí ter uma chance só…”.
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“A natação aqui é tão tradicional, mas a gente ainda tem pouca gente profissional. A gente tem que tentar aumentar isso. Do volume a gente sempre tira qualidade. Não adianta olhar para o Estados Unidos, que também faz seletiva única, sem antes olhar para a nossa base daqui. Eles tem muito mais atletas, uma base muito mais estruturada… Então é bom pegar exemplos das potências mundiais, mas tem olhar para cá primeiro”, completou Poliana.
Do ponto de vista da CBDA, a seletiva única foi um sucesso. “A seletiva unica tem um potencial promocional muito grande. A gente não fez por isso, fizemos por questões técnicas, mas isso é inegável. A emoção é muito grande. Se você fizer sete seletivas, não vai chegar nesse nível de emoção. E a gente precisa ter alguma atratividade no produto. A audiência alcançou números incríveis e isso deve render bons frutos para o futuro”, pontuou Cordani.
Natação feminina no futuro
A mobilização em prol da natação feminina já vem surtindo efeito. No entanto, os planos visam o longo prazo. Por isso, é importante reconhecer os problemas atuais para que se possa trazer soluções pensando nas próximas gerações. Essa é a ideia de Poliana Okimoto, que inclusive apresentou um projeto voltado à causa para a CBDA, junto de Maressa Nogueira, e também de Renato Cordani.
“Precisa haver um projeto voltado para a natação feminina com urgência, para ontem. As meninas precisam ter um projeto pensando nelas. Independente se for o meu ou de outra pessoa… Tem que ter algum. Nunca houve isso [mobilização] antes e agora nada mais justo de fazer acontecer”.
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“Na natação, o masculino tem sido mais forte historicamente. E a nossa gestão começou nesse clima de seguir nesse trabalho. Mas ouvindo as meninas, o que elas tem a dizer… Eu gosto e faço questão de ajudar. E das meninas classifcadas, a gente tem uma turma muito jovem e muita boa. Esses revezamentos são fortes e a gente tem que focar nisso. Fazer um treinamento forte e até mental, fazendo as meninas acreditarem que podem”, conclui Cordani.