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Demissão de Bichara é um tiro de bazuca nos pés do COB

Decisão do presidente Paulo Wanderley em dispensar o diretor de esportes da entidade tem maciça rejeição dos atletas e traz medo de retrocesso

COB trabalha para enfrentar os desafios do Time Brasil para Jogos de Tóquio
Rogerio Sampaio, diretor-geral do COB, o presidente Paulo Wanderley e o agora demitido Jorge Bichara (Foto: Rafael Bello/COB)

Parece inacreditável, mas depois de viver a melhor campanha olímpica da história, com as 21 medalhas conquistadas em Tóquio-2020, o COB (Comitê Olímpico do Brasil) resolveu arrumar sarna para se coçar. A demissão de Jorge Bichara do cargo de diretor de esportes da entidade na última terça-feira (22), mais do que surpreendente, coloca o esporte olímpico brasileiro numa perigosa rota do retrocesso.

 A história deste caso surreal foi perfeitamente relatada na completa reportagem de Fernando Gavini nesta quarta-feira (23), aqui mesmo no Olimpíada Todo Dia. O roteiro do enredo que culminou na dispensa do competente Jorge Bichara por decisão repentina e isolada de Paulo Wanderley, presidente do COB, me faz recordar dos piores tempos em que o esporte olímpico do Brasil foi comandado com mão de ferro por Carlos Arthur Nuzman, de péssima lembrança, diga-se de passagem.

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Vale aqui uma digressão. É óbvio que uma empresa tem o direito de demitir qualquer funcionário, de acordo com a análise de quem a comanda. Mas neste caso, como se trata de uma entidade que também recebe dinheiro público, no caso de forma indireta, através das verbas da Lei das Loterias, acho que podemos sim dar alguns pitacos.

Até prova em contrário, essa demissão foi simplesmente um movimento meramente político de Wanderley dentro do COB. Não há justificativa técnica e lógica que a justifique. Apenas foi uma cartada para enfraquecer um possível adversário na eleição de 2024, o vice Marco La Porta, que sinalizou o desejo de se candidatar ao cargo máximo da entidade.

Tirar Jorge Bichara seria atingir um aliado direto de La Porta, na visão do atual mandatário do COB. Um modus operandi muito parecido com o qual Nuzman isolava seus adversários internos, como os fatos relatos na reportagem do Olimpíada Todo Dia nos mostram. Fala-se até na criação de uma possível “república do judô” dentro da entidade, remetendo aos tempos em que Wanderley comandou a CBJ (Confederação Brasileira de Judô). Alguém aí lembrou da “república do vôlei” da era Nuzman?

Efeito direto nos atletas

O problema é que tudo vai muito além de uma briga política. Qualquer um que tenha acompanhado o trabalho de Jorge Bichara nos últimos anos não consegue entender esta demissão. Minucioso, detalhista e obcecado por estatísticas, Bichara foi o grande responsável por dar suporte aos atletas (até emocional). Também mapeava resultados de adversários e identificava os mínimos problemas, sejam pessoais, físicos ou de infraestrutura que prejudicassem os atletas.

Além disso, ele ajudou a estruturar o trabalho do COB que resultou em resultados históricos nos últimos anos. Como por exemplo no Pan-Americano de Lima-2019, quando o Brasil ficou em segundo lugar no quadro geral de medalhas.

E o que dizer então da campanha nos Jogos de Tóquio-2020, reestruturando toda a missão brasileira por causa da pandemia da Covid-19, que adiou a Olimpíada em um ano? Ainda assim, o Brasil teve uma participação histórica, com 21 medalhas (sete de ouro, seis de prata e oito de bronze). Ali tem sim muito o dedo de Jorge Bichara.

A maior prova do erro cometido por Paulo Wanderley ao mandar Bichara embora foi a reação negativa dos atletas. Muitos se manifestaram em redes sociais ou para a imprensa. Como o canoísta e campeão olímpico Isaquías Queiroz ou Henrique Avancini, principal nome do Brasil no ciclismo mountain bike, ou Ygor Coelho, do badminton. Mas até quem já se aposentou deu o seu recado, como a medalhista de bronze Poliana Okimoto, das águas abertas.

O medo de todos, com razão, é que todo o trabalho que Bichara e seus comandados já vinham fazendo pensando na missão Paris-2024 seja prejudicado. Será curioso ver o desenrolar desta história nos próximos dias. Não me parece que os atletas, que foram decisivos para que Paulo Wanderley vencesse a eleição realizada em 2020, ficarão passivos.

O maior risco, infelizmente, é que toda essa briga política represente um triste retrocesso que muitos imaginavam impossível de acontecer no esporte olímpico do Brasil.

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