A decisão na última segunda-feira (30) pelo não tombamento do Conjunto Constâncio Vaz Guimarães, que tem como ponto mais famoso o Ginásio do Ibirapuera, tem causado tristeza não apenas para atletas e centenas de torcedores que durante anos frequentaram este espaço. Filho do arquiteto Ícaro de Castro Mello, autor do projeto do ginásio e do estádio que hoje leva seu nome, o também arquiteto Eduardo de Castro Mello não esconde a decepção com os caminhos que podem levar à completa descaracterização da obra de seu pai.
“Claro que existem formas de reverter esta situação. Você não precisa pôr abaixo só porque está velho e simplesmente descartar. Estou com 75 anos, mas sigo fazendo meus projetos normalmente. Imagine se vem alguém, vira pra mim e diz que estou ultrapassado, não sirvo mais e me manda embora? Não é assim, né?”, comentou Eduardo, em entrevista ao blog Laguna Olímpico, do Olimpíada Todo Dia.
Ele reconhece que as instalações, especialmente o ginásio, estão defasadas, mas aponta que existem caminhos para rejuvenescer o complexo esportivo e não alterar radicalmente sua função de ser um centro olímpico dentro da área urbana de São Paulo. Bem ao contrário do que irá acontecer se a atual proposta de privatização vingar.
Pelo projeto de estudo do governo de São Paulo, está previsto a derrubada do estádio de atletismo, onde seria erguida uma arena multiuso para arte 20 mil lugares. Onde hoje está o Parque Aquático, estão previstas as construções de três prédios, sendo um deles o hotel. Por fim, o velho Ibirapuera seria transformado em um centro gastronômico e de compras, em outras palavras, um shopping center.
Acompanhe abaixo a entrevista com Eduardo de Castro Mello
Falta de transparência
“Tem que ter transparência, acima de tudo. E infelizmente não foi o que aconteceu e não acontece em muitas questões em relação à vida das cidades. Esse assunto apareceu sem ter uma discussão prévia, de um pré-programa do que poderia ser feito para a reformulação ou rejuvenescimento do Conjunto Constâncio Vaz Guimarães. A importância do Conjunto é indiscutível. Do ponto de vista da formação dos atletas, da aglutinação de todos que chegam do interior para lá se desenvolverem. A função do Complexo é muito importante. Mas ao longo do tempo, os governos foram abandonando a manutenção que um local como este exige e foi deixando deteriorar.”
Reaproveitamento possível
Existem inúmeros exemplos que comprovam que é possível reaproveitar aquele complexo. É só ter o interesse de querer fazer e isso é fácil, sem problemas. Temos três exemplos que passaram pelo nosso escritório, que são o ginásio de Fortaleza, o de Recife e de Brasília. Eles tiveram a mesma situação de abandono de governos anteriores. Nosso escritório foi chamado para reformular aqueles locais, atendendo a todas as necessidades atuais, inclusive de acessibilidade.
No caso do Ginásio do Ibirapuera, a proposta que se está se fazendo, de manter a casca do ginásio e em transformar a parte interna em um centro comercial e gastronômico, não tem nada a ver. Tem que manter a estética, que consta no visual de todo paulista e paulistano. Isso não pode sumir da paisagem. Mas dar uma outra função interna para o ginásio, isso não tem nada a ver.”
Problemas de manutenção
“Conheço a história deste ginásio desde pequeno. Estava na inauguração do ginásio em 1957 com meu pai e o Jânio Quadros, que era o governador na época. Vi de perto toda a fase de elaboração de projeto, acompanhamento de obras etc. Em 2003 já se falava em privatizar o local. O maior problema foram as mudanças de tecnologia de piso, tecnologia de informação, normas de circulação, entre outras coisas, que não foram sendo atualizadas no momento certo. Vai deixando passar e acaba chegando num ponto sem volta. É como um automóvel, se não fizer manutenção, vai chegar uma hora em que não anda mais. Mas se fizer uma restauração, está novo e andando, custando mais do que era o original.
O importante é definir qual será o uso para o Constâncio Vaz Guimarães. Pode querer fazer a arena de 20 mil lugares, mas vai acabar com pista de atletismo; vai terminar com as piscinas, enfim, acabará com aquele conceito de centro olímpico, que é a união de todos os atletas. Desde os aprendizes até os de alto rendimento, servindo de exemplo para os mais novos, esse conceito acaba se perdendo. O que se propõe, em troca, é fazer uma pista atletismo a Raposo Tavares, usar a piscina do Baby Baroni. Apesar de construírem um ginásio de 20 mil pessoas, existem competições em que 10 mil lugares é um espaço muito grande. No final, se perde o efeito da aglutinação.
Destino ainda indefinido
“Não sei se é caminho sem volta. Tenho sentido que a pressão popular tem aumentado bastante. Como levaram para o lado político, as pessoas estão se mexendo. No início, os pedidos de abaixo-assinados estavam com 1000 assinaturas, agora já passou de 15 mil, 20 mil se manifestando contra. Agora, foi lamentável, na reunião do Condephaat, uma carta que todos os presidentes das federações esportivas assinaram favoráveis ao projeto que está se apresentando. Mas eles viveram de graça lá dentro por anos no Conjunto, usufruindo das coisas do estado. Federação de tênis, vôlei, aquática…Por que não pressionaram antes o governo, para que investissem mais lá dentro e deixassem a estrutura do ginásio atualizada? Estão aprovando essa solução apresentada, esquecendo que desta forma, está matando a possibilidade de manter um centro olímpico na área urbana de São Paulo.”
Impacto na região
“O Constâncio Vaz Guimarães é parte integrante de todo o conjunto do Ibirapuera. Você tem obras importantes, como o comando do 2º Exército, que é um prédio de uma arquitetura premiada, tem a Assembleia Legislativa, tem todos os prédios do Parque do Ibirapuera, do Oscar Niemayer. Existe uma identidade visual e que já é de conhecimento de grande parte da população. Mudar isso teria que ser uma decisão muito bem discutida para chegar a esta conclusão. Mesmo mantendo a casca do ginásio, o que eu não tenho certeza de que irão fazer, se colocarem três torres enormes como as que estão propondo, já muda a paisagem completamente. Desde o início, tinha que ter ocorrido uma discussão para encontrar a fórmula correta e então decidir qualquer tipo de intervenção. Só jogaram uma solução pronta.”
A polêmica do Condephaat
“O Condephat [Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico]é formado por pessoas que vem das universidades, arquitetos, historiadores etc, que são conselheiros que tomarão as decisões e diretrizes. Acontece que o governo tem a possibilidade de indicar membros, das universidades e até procuradores de estados. Recentemente, mais da metade dos conselheiros foram trocadas por outras pessoas sem o conhecimento técnico para estar naquela posição. Só oito pessoas foram favoráveis ao tombamento. Os demais nem se manifestaram. E deveriam ter falado que eram contra ou então se abster. Mas nada aconteceu.”
Ibirapuera e Ícaro de Castro Mello
“No dia em que meu pai faleceu, 8 de outubro de 1986, faltavam 12 dias para ele completar 72 anos. Eu acompanhava o carro fúnebre para o velório que aconteceria no Hospital da Beneficência Portuguesa. De madrugada, eram 3 da manhã, ninguém na rua, só aquele carro na frente e eu atrás, no meu. Nós saímos do Itaim e quis o destino que o caminho que o motorista pegou nos levasse para a frente ao Ginásio do Ibirapuera. Quando o semáforo fechou, paramos. Ficamos esperando abrir o sinal e eu pensava que coisa incrível aquela cena. Parecia receber uma homenagem simbólica do grande legado que ele deixou para a cidade de São Paulo.”