O último mês do pavoroso ano de 2020 logo na largada trouxe uma notícia terrível para o esporte brasileiro. A rejeição do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) para a proposta de tombamento do Complexo do Ibirapuera, em São Paulo, foi a sentença de morte para uma significativa parte da memória esportiva e cultural deste país. A decisão foi tomada nesta segunda-feira (30), em reunião virtual.
Na prática, o que foi definido com o não tombamento, do qual fazem parte o histórico Ginásio Geraldo José de Almeida (inaugurado em janeiro de 1957), o Estádio de atletismo Ícaro de Castro Mello, o Parque Aquático, além de um outro ginásio menor (Ginásio Mauro Pinheiro), é entregar o complexo de mão beijada para a privatização. E não precisa ser nenhum gênio para prever que o destino final não terá nada a ver com o esporte.
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Sem o tombamento, não é possível proteger o local de alterações arquitetônicas. Algo que não acontecerá, por exemplo, no Estádio do Pacaembu, que também foi privatizado, mas manterá toda sua estrutura e funcionalidade originais. Só o setor do Tobogã, que não fazia parte do projeto original, será demolido.
No caso do Ibirapuera, o próprio estudo do governo do estado de São Paulo para o edital de privatização prevê a demolição do estádio de atletismo para a construção de uma arena multiuso para 20 mil pessoas. No local do parque aquático, o estudo indicava a construção de uma torre comercial e de um hotel. Já o velho Ibirapuera seria transformado em um grande shopping center, aproveitando sua estrutura. Sim, um shopping!
Memória no lixo
Não vou entrar no mérito do atual estado de conservação do Complexo do Ibirapuera. É inegável que são equipamentos defasados, com inúmeros problemas e que necessitam de cuidados e reformas. A questão não passa por esta análise técnica, mas sim no descaso que existe no poder público com o esporte de modo geral. Não se pensa em uma política esportiva a longo prazo. Se o Estado lava as mãos, não é possível esperar que um empresário esteja preocupado com esporte, não é?
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A minha maior revolta é com o descaso que as pessoas têm com a memória esportiva e cultural deste país. Apenas falando no esporte, momentos inesquecíveis foram registrados no velho “Ibira”. São tantos momentos que eu tenho receio de até esquecer algum deles, mas vamos lá:
– Título mundial do Sírio no basquete, em 1979;
– Seleção brasileira campeã mundial de futsal em 1982;
– Testemunhou o heroico terceiro lugar da seleção feminina de basquete no Mundial de 1971;
– Foi palco de diversas exibições de ídolos do boxe brasileiro, como Éder Jofre, Miguel de Oliveira, Popó, Adilson Maguila Rodrigues, entre outros;
– Recebeu exibições de gala das seleções feminina e masculina de vôlei, em ter elas a do título da Liga Mundial de 1993;
– Astros do tênis mundial, como Jimmy Connors, Pete Sampras, Roger Federer, Rafael Nadal e Guga, fizeram exibições no Ibirapuera;
– Ídolos de outras modalidades também competiram no Ibirapuera. Como esquecer a exibição da Daiane dos Santos em uma Copa do Mundo de ginástica artística, na década passada?
Sem falar das grandes competições do atletismo, como os meetings internacionais nos anos 80 e 90. Por aquela pista que será destruída pelo novo dono do Ibirapuera, competiram Joaquim Cruz, Carl Lewis, Maureen Maggi, Serguei Bubka, Robson Caetano, Edwin Moses, Evelyn Ashford, Willie Banks, Steve Ovett e até Ben Johnson, vejam vocês.
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O complexo aquático do Ibirapuera formou uma geração de nadadores do país, entre eles o medalhista olímpico Ricardo Prado. O Complexo do Ibirapuera abriga ainda o alojamento dos atletas do Projeto Futuro, que já revelou alguns dos principais atletas do judô e atletismo do Brasil.
Tudo isso será apenas uma triste memória com a decisão desta última segunda-feira. Uma parte da história do esporte brasileiro será enterrada a partir do momento em que as primeiras máquinas começarem a fazer o seu trabalho no Complexo do Ibirapuera. Parabéns aos envolvidos nesta aberração.