Pode ser apenas uma falsa impressão. Torço para que não. Mas os ventos dos protestos mundiais contra o covarde assassinato do americano George Floyd alcançaram a sede do COI (Comitê Olímpico Internacional).
Foi sintomático. Menos de 24 horas depois de uma reportagem do jornal inglês Telegraph assinalar que o COI manteria a proibição de manifestações de atletas durante a Olimpíada de Tóquio, remarcadas para o ano que vem, houve uma virada de rumo.
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Nesta quarta (10), durante coletiva de imprensa virtual, na qual vários temas ligados aos Jogos de 2021 e até de Paris-2024 foram abordados, Thomas Bach, o alemão que comanda o COI, acenou com uma postura menos incisiva a respeito da questão de coibir manifestações.
“A Comissão de Atletas está em diálogo com os atletas de todo o mundo para explorar como os atletas podem dar seu apoio de uma forma digna. Seria injusto eu falar alguma coisa agora. A discussão foi iniciada. Vamos deixar os atletas discutirem entre eles e, depois, ver a proposta”, disse Bach, em resposta a um jornalista.
Ao mostrar disposição de diálogo, Thomas Bach dá claros sinais de que o COI sentiu a dimensão que os protestos que ocorreram nos Estados Unidos e em vários países da Europa. É verdade também que o fato de entidades como a World Athletics (atletismo), Fifa e IPC (Comitê Paralímpico Internacional) apoiarem os protestos contra o racismo e rejeitarem qualquer possibilidade de sanção ajudou na posição do alemão.
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O fato é que após a absurda demonstração de hesitação para adiar a Olimpíada de Tóquio, em razão da pandemia do coronavírus, os cartolas do Comitê Olímpico Internacional estão mais atentos aos sinais que as paredes das luxuosas instalações da sede em Lausanne não permitem ver.
Mas e a Regra 50?
Entre todas as entidades esportivas mundiais, poucas são tão refratárias a mudanças quanto o COI. A cartolagem olímpica, de modo geral, é extremamente conservadora e isso se explica pelo paquiderme em que se transformou a Olimpíada. Um evento caríssimo, que tem cada vez menos interessados em organizá-la, seja de Verão ou Inverno. A Agenda 20 + 20, lançada pelo próprio Bach assim que assumiu o COI em 2013, tem como meta principal tornar as Olimpíadas mais sustentáveis e acessíveis.
+ Protestos serão proibidos, mas tema será debatido com atletas
Mesmo com tantos movimentos para rejuvenescer os Jogos – a entrada de modalidades mais “radicais”, como surfe, skate e escalada não ocorreu à toa –, algumas coisas não mudam. A própria Carta Olímpica proíbe que se faça qualquer tipo de demonstração política ou religiosa nas arenas olímpicas. É a chamada “Regra 50”, pela qual os atletas são obrigados a aceitar, sob pena de punições, que não são determinadas.
Em sua mensagem de Ano Novo, Thomas Bach tocou justamente neste tema sensível. “Como a história demonstrou, essa politização do esporte não leva resultados e apenas aprofunda as divisões existentes. Os atletas têm um papel essencial no respeito a essa neutralidade política no campo de jogo”, escreveu o alemão, lembrando das possíveis sanções para quem não respeitasse a norma.
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Em outras palavras, o que o COI não quer ver em Tóquio uma repetição de um protesto como fizeram os americanos Tommie Smith e John Carlos, no pódio dos 200 metros da Olimpíada da Cidade do México-1968.
Bach levou o troco em seguida, por meio de uma dura carta da Global Athletes, entidade criada para defender os interesses dos atletas de todo o mundo. “O Movimento Olímpico já politizou o esporte. Para citar alguns exemplos: em PyeongChang, o COI promoveu uma equipe unificada sul e norte-coreana; o presidente do COI se reúne regularmente com os chefes de Estado que também desempenham funções como chefes dos comitês olímpicos nacionais e chefes das Comissões do COI ocupando cargos ministeriais. Este navio já zarpou: o COI já politizou o esporte.”
Ao avisar que pretende pelo menos ouvir as propostas dos atletas, Bach não está virando uma espécie de militante engravatado. Como bom político, o alemão está sendo esperto e não criando uma zona de conflito desnecessária pelo atual momento. Se ele vai atender as reivindicações ou não, é outra história. Mas os atletas, que tiveram um peso considerável para iniciar a pressão pelo adiamento dos Jogos de Tóquio, já perceberam a força que têm.
Ainda bem.