Aos seis anos, o judô entrou em sua vida. Inspirado pelo avô, tomou gosto pelo negócio e passou a treinar diariamente em uma academia de Mogi das Cruzes, que foi sua casa por 8 anos. Aos 14, se mudou sozinho para São Paulo, onde está até hoje, inspirado por um sonho: os Jogos Olímpicos. Este é Allan Kuwabara, de 27 anos, que defende o Clube Paineiras do Morumby desde 2015 e luta para estar em Tóquio, seja lá quando for realizado. A história, porém, começa muito antes. Antes mesmo dele próprio.
As artes marciais estão no sangue da família Kuwabara. O avô materno de Allan era japonês e faixa preta no judô, enquanto seu pai é também faixa preta, mas no caratê. E ambos fizeram questão de passar a tradição esportiva para o então pequeno Allan.
E deu certo. O jovem judoca chegava a treinar três vezes por dia e seguia as orientações do avô. “Ele sempre tinha uma crítica construtiva e me ajudou muito a desenvolver o judô, focava bastante na parte técnica e levo ele sempre comigo”, contou Allan em entrevista exclusiva para o Olimpíada Todo Dia. O avô de Allan faleceu um ano antes de ele ir para São Paulo.
Em busca do sonho
Quanto tinha apenas 11 anos, Allan assistiu às Olimpíadas de Atenas 2004 e foi quando seu olho brilhou. Mesmo sem ter dimensão do que eram os Jogos Olímpicos, o pequeno mogiano se encantou com a competição e com o clima dela. Nascia ali um sonho.
Três anos mais tarde, ele decidiu se mudar. Sozinho, com a cara e a coragem, foi se arriscar na capital paulista, onde fez parte do Projeto Futuro, no Complexo Esportivo do Ibirapuera, gerido pela Secretaria de Esporte do estado. “A decisão de seguir uma carreira profissional foi quando eu saí de Mogi. Eu vim para São Paulo tentar a vida no judô e motivo pelas Olimpíadas”.
Como é de se imaginar, Allan, como apenas 14 anos, precisou de muita garra para aguentar a mudança sozinho. Por um lado, o Projeto Futuro garantia comida, treinos e companhia para os atletas, mas a distância da família era com certeza um peso.
“Foi difícil, principalmente nas primeiras semanas, ficar longe da família… A gente percebe alguns confortos que tinha antes e que não sabia e acaba sentindo falta. Eu era só uma criança. Mas eu sempre fui muito determinado e foquei nos treinos. Aquilo era o que eu queria e consegui ir levando”, relatou.
Depois de cinco anos do Projeto Futuro, Allan Kuwabara mudou de casa. Literalmente. Foi para o Esporte Clube Pinheiros ao mesmo tempo em que precisou morar sozinho, em um apartamento. E aí, acabou sentindo mais a falta de companhia. Mais meia década se passou e ele mudou mais uma vez, agora de clube, indo para o Paineiras, onde segue até hoje.
Altos e baixos
Desde muito pequeno, Allan despontou como uma das grandes promessas do judô. Na base, ele colecionou títulos e medalhas: foi campeão paulista por 12 vezes e brasileiro outras cinco.
Com isso, Kuwabara passou a integrar a seleção de base do Brasil e foi campeão Pan-Americano por 3 vezes, além de conquistar a medalha de bronze no Campeonato Mundial sub-20 de 2011 na Cidade do Cabo, África do Sul.
Dois anos depois, em 2013, Allan estreava na categoria sênior e, logo de cara, venceu a Seletiva Olímpica da Rio 2016. No ano seguinte, continuou mostrando resultados e conquistou a medalha de ouro no Open de Miami, sua primeira competição defendendo a seleção sênior.
No entanto, os obstáculos bateram em sua porta. “Eu sempre treinei muito e desde muito cedo, com sete, oito anos eu já treinava três vezes por dia. E por isso cheguei com muitas lesões no adulto. Então precisei adaptar meus treinos, correr atrás de vários profissionais para me ajudar nessa parte de estruturar o meu corpo”, relembrou.
As lesões desencadearam outros problemas que o impediram de competir com regularidade em torneios internacionais. Allan participou de apenas um campeonato em 2015, o Pan-Americano em San Salvador, no qual se sagrou campeão. Depois disso, entre 2016 e 2018, esteve em somente um torneio, a Universíade de 2017, em que não obteve bons resultados.
“Quando você não dá resultado, os patrocinadores, o investimento dos clubes muda. E eu precisei de um tempo para me organizar, me adaptar ao adulto. Então, além das lesões, teve a questão de logística, de incentivo. E quando você sai da seleção, para voltar é um caminho muito longo”, explicou.
A volta por cima: família + estudos
Apesar dos obstáculos, Allan Kuwabara sempre se mante firme. Afinal de contas, foi para isso que ele deixou sua casa cedo. Para não só realizar, mas construir um sonho.
“Eu nunca parei de treinar. Minha família me ajudou muito. Eles sempre confiaram em mim, viram que eu era obstinado e determinado naquilo que eu queria. Então não tiveram dúvida em me apoiar e acabou se tornando o sonho da família também. Isso me ajudou muito a não pensar em desistir”.
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Além da família, Allan contou com mais duas ajudas: de profissionais, que o auxiliaram a manter performance em uma situação de adversidade, assim como colegas da seleção, com quem continuou treinando neste período.
Mais um fator ajudou Allan a se manter focado: os estudos. Hoje, ele faz faculdade de engenharia espacial e até considera seguir carreira na área depois de parar de competir. Mas faz questão de ressaltar que seu foco total é o judô.
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“Eu considero o estudo como algo que agrega na minha vida, inclusive na parte esportiva. Eu gosto de ver outros ambientes fora do esporte. Vejo como algo que me proporciona outras visões e me tira um pouco dessa coisa de competição, treino, judô, e me acrescenta para ter uma vida saudável”.
O sonho em risco
Com tudo isso, Allan Kuwabara conseguiu se manter em alto nível, mesmo não competindo internacionalmente, o que fez com que ele pudesse retornar às competições no ano passado e em grande estilo: foi prata no Pan-Americano de Santiago e ouro no Grand Slam de Brasília. E os bons resultados continuaram já neste início de 2020, com o bronze no Aberto de Sofia.
Como para todos os atletas no alto rendimento, 2020 é um ano especial, é ano olímpico. E para Allan, não é diferente. “Eu vim bem focado esse ano, me preparando para as Olimpíadas. Então a minha periodização foi feita em cima disso, tomando cuidado também com a parte física e nutricional”.
No entanto, o mogiano tinha um obstáculo pelo frente, que acabou se tornando dois. Hoje, Allan Kuwabara é o quarto brasileiro melhor colocado no ranking na categoria até 60 kg, e com isso, não está garantido em Tóquio. Eric Takabatake é o único do país classificado por enquanto. Assim, o planejamento era participar do maior número de competições possível para pontuar ao máximo e conseguir a vaga.
Mas o coronavírus apareceu. “Eu tinha programado uma bateria de competições, preparado minha parte física para aguentar essa programação. Mas foi tudo cancelado. A próxima competição que eu iria era no Marrocos e a gente estava indo para o aeroporto quando recebeu a notícia de que ela havia sido cancelada. Então eu não sei quantas oportunidades eu vou ter de pontuar e tenho que estar pronto para dar resultado em uma ou duas competições. Isso tudo me deixa muito apreensivo”, lamentou.
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Para piorar a situação, com as medidas de isolamento impostas pelo governo de São Paulo, tanto o seu clube, quanto a academia de seu condomínio foram fechadas, obrigando Allan a adaptar, e muito, seus treinos, que vêm sendo realizados na quadra do condomínio.
“Para voltar em alto nível com essa situação do coronavírus vai demorar um tempo. Isso no mundo todo. É um treino muito adaptado, nem se compara com os treinos de competição. É só para manter o ritmo mesmo e não ficar parado”, contou.
Por esse motivo e por uma classificação justa, Allan é mais um atleta que acredita no adiamento dos Jogos Olímpicos como a melhor alternativa.
“Eu estou ficando em casa o máximo possível, até para minimizar os risco de pegar o vírus. Não quero ficar doente agora, porque além de não treinar, eu ficaria com o corpo debilitado.Acho que ter os Jogos Olímpicos sem os atletas estarem em sua melhor forma é muito complicado. Na minha opinião, o adiamento vai ser inevitável”, finalizou.
Resta a Allan Kuwabara, assim, aguardar as cenas dos próximos capítulos para saber se sua novela terá um final feliz agora ou se precisará adiar mais um pouco. Afinal de contas, o sonho nunca acaba.