Por incrível que pareça, o Brasil contou com um representante na pelota basca dos Jogos Pan-Americanos. E ele conquistou a medalha de bronze, algo mais incrível ainda. Aos 28 anos de idade, Filipe Otheguy é desconhecido. Com ascendência basca e um pé no lado cearense do mapa, se tornou o primeiro atleta brasileiro a participar da competição. Nascido em Biarritz, na França, reside atualmente no pequeno município de Saint-Pée sur Nivelle e não fala português. Entende o que dizemos, mas não é fluente. Prefere que a entrevista seja conduzida devagar. O sotaque é puxado, como não poderia ser diferente. Ainda não teve a oportunidade de visitar o país que defende, mesmo demonstrando toda a alegria e bom humor tipicamente nacionais. A relação familiar e a proximidade com a mãe foram fundamentais para a escolha de vestir a camisa verde e amarela. “Se você falar devagar, eu entendo. Faço uma mistura na resposta, meio português e espanhol. A Espanha é muito próxima de onde eu vivo, fica ao lado. Então, se fala muito espanhol. Se fala basco, mas muito em espanhol também. Eu faço uma mistura. Eu jogo para o Brasil, mas vivo no País Basco desde pequeno. Eu jogo pelo Brasil porque a minha mãe é brasileira. Eu tenho a nacionalidade porque minha mãe é brasileira. Meu pai é basco. Quando ele foi para o Brasil trabalhar, encontrou a minha mãe e foi viver na França. Eu represento o Brasil porque é o país da minha mãe, eu gosto muito das cores. Nunca fui, mas me apaixonei pelo país por conta do que a minha mãe falava e explicava sobre o Brasil. Estou muito contente de representar o Brasil e essas cores.”
“Lá em casa, a conversa é em francês. Falo basco com o meu pai, Paxkal Otheguy. Com a minha mãe, ela me fala em português e eu respondo em francês, meio misturado com o português. Não falo muito português. Eu vou melhorar! Ela me ensinou um pouco. Se o Brasil enfrentar a França, torço sempre para o Brasil”, completou.
A pelota basca é um esporte antigo, pouquíssimo conhecido em terras brasileiras. Fez parte dos Jogos Olímpicos de 1900, além de marcar presença também nas edições de 1924, 1968 e 1992, mas de maneira demonstrativa, situação em que não há disputa por medalhas. Surgiu na Idade Média justamente na região do País Basco, claro, que está localizado ao norte da Espanha e ao sudoeste da França. Comunidades autônomas expandiram a modalidade, principalmente através de emigrantes que passaram por outras nações europeias ou que vieram diretamente para as Américas.
A mescla de culturas e idiomas não retirou de Filipe o afeto pelas raízes caseiras. Luiza Inácio, a mãe, se emocionou ao saber do desejo do filho em participar dos Jogos Pan-Americanos pela equipe brasileira. O carinho dele por algo que ainda não viveu é refletido através de palavras e gestos sinceros. É nítido. “Nunca visitei o Brasil. Um dia eu vou. Quero conhecer a família da minha mãe. Ela é de Várzea Alegre, lá do Ceará. Ela ficou muito feliz (quando disse que defenderia o Brasil), quase chorando. Ficou muito contente. Todos os dias ela me chama para saber como foi. Estou muito contente. É uma coisa incrível representar o Brasil. É a primeira vez em que a pelota basca faz parte do Comitê Olímpico Brasileiro. É incrível.”
Apesar de entrar no evento sem ser um dos principais favoritos, Filipe Otheguy sabe da importância do resultado que alcançou na capital peruana. No Brasil não existem confederações de pelota basca, muito menos locais para treinamentos. A única sede oficial faz parte das instalações do Clube Athletico Paulistano, localizado na cidade de São Paulo. Dá até para sonhar com o crescimento da modalidade. Na disputa pelo terceiro lugar, vitória por 2 a 0 (10/6 e 10/3) sobre o boliviano Josias Bazo. “Brigar por medalhas me deixa muito contente. E fazer história também.”
A rotina de treinamentos exige longos períodos de descanso e recuperação após os exercícios. O cuidado com as mãos é essencial para o desempenho nas partidas, óbvio. Se a presença da pelota basca não fosse tão forte na região, o futebol poderia ser outra alternativa para Filipe Otheguy. “Se joga com a mão. É difícil, sim. Golpeamos a bola com a mão. Para isso, colocamos tacos, cola e esparadrapos para golpear com as mãos. O material é muito duro. Eu jogo desde pequeno. No País Basco, todo mundo joga. É muito comum mesmo. Eu treino duas vezes fisicamente. E duas ou três vezes golpeando com a mão. Não treino muito golpeando com a mão porque pode machucar, depois fica muito difícil. Eu tenho um treinador profissional na França, mas ele não pôde vir.”
“Os esparadrapos protegem bem. Quando a mão acostuma, não te machuca tanto. Mas quando ainda é iniciante, machuca muito. Eu comecei com sete anos. Meu pai também joga, atua na pala, que é outra modalidade. Resolvi jogar com as mãos porque eu gosto. Eu fui jogador de futebol também, torci muito pela Seleção Brasileira”, contou.
Em outubro de 2018, ele participou do Campeonato Mundial de pelota basca, realizado em Barcelona, na Espanha. Ao todo, Filipe disputou três partidas: derrotas por 2 a 0 para França e Espanha e vitória sobre o Uruguai pelo mesmo placar. Após o Pan, o dia a dia voltará ao que costumava ser. Além do esporte, o atleta brasileiro tem outras ocupações durante o ano. “No Mundial, tem todos os países. Os países mais fortes aqui em Lima são México e Cuba. É muito forte mesmo na Espanha e na França, é mais difícil enfrentar. São países muito fortes. O nível é maior, é mais difícil. Tenho que trabalhar e treinar para chegar lá. Depois do Pan, eu volto para o clube que defendo. Tem uma Copa do Mundo de trinquete que vou jogar para o Brasil, na França. Trinquete se joga muito no País Basco. Tenho dificuldade para me acostumar, vamos tentar fazer o melhor. Sem contar a pelota basca, eu ajudo o meu pai na agência de turismo. Também ajudo numa escola onde se aprende somente o idioma basco, ajudo com os pequenos”, completou.