Olhar sereno, ombros e passos largos, faixa na cabeça – “no estilo, né, moleque”, confiança e simpatia. Quem vê Gabriel Teles, 17 anos, atravessar a multidão presente nos Jogos Escolares da Juventude, em Blumenau, não faz ideia das vezes que a vida tratou de colocá-lo para baixo. E de quantas vezes ele se levantou.
O lutador de greco-romana nasceu e passou a infância no lixão do Caju, Chatuba, no Rio de Janeiro. Entre restos de comida, a família retirava papelão e latas de alumínio para sobreviver. Com a Rio-2016, o local deu lugar à Vila Olímpica Mané Garrincha que foi construída em 2012.
No embalo dos Jogos, Gabriel Teles encontrou no esporte um caminho para vislumbrar um futuro. “Eu comecei muito cedo, com 10 anos. Onde eu moro não tinha nada assim antes, tudo veio com a Olimpíada do Rio. Os garotos ficavam me zuando e a minha resposta veio na luta. Eu vou entrar na luta e pegar esses caras. Mas, depois, eu nunca mais tive problema, o esporte me ensinou a ter controle”.
“Antes de eu fazer esporte, era muito agitado na escola, fazia muita bagunça, era um moleque bagunceiro, só fazia merda. Então, eu fui aprendendo a ter disciplina.” E sua ascensão dentro da luta olímpica foi meteórica. Títulos e muitas medalhas, que Gabriel afirma, com orgulho, guardar todas em casa.
Mas a queda que veio depois foi devastadora. A mãe de Gabriel Teles, a maior incentivadora, foi encontrada morta e com sinais de estupro. Em 2018, o atleta retornava de uma competição vitorioso quando foi informado.
A brutalidade do acontecido atingiu Gabriel Teles com força. A luta não fazia mais sentido, a vida não fazia mais sentido. Mesmo fora do lixão, o jovem atleta estava podre. Abandonou a escola, bombou de ano e esqueceu do sonho de disputar uma Olimpíada.
Mas uma promessa feita a sua mãe ainda estava de pé. “Eu prometi para minha mãe que eu seria um grande atleta. Mas precisava de ajuda”. Fundamental em tantas histórias, a figura do professor foi crucial para a retomada dentro do esporte. “Meu professor é como um pai. Como minha mãe, ele também me educou”. ‘Pai’ Fabrício Xavier resgatou Gabriel dessa queda gigantesca, e ele voltou para o tatame derrubando todos os adversários.
“Minha mãe me ensinou muita coisa. Infelizmente, ela só viu um campeonato meu, ainda era muito pequeno. Minha mãe colocava muita pressão, vai pra cima, pega ele, ficava gritando na arquibancada. Esse pensamento me deixa feliz. Ela sempre falava muito quando eu perdia, ela ficava cobrando, ‘tem que treinar mais’, isso me trás lembranças boas e alegria”.
E como é alegre. Entre cada palavra, o sorriso vem fácil. Contudo, dentro do tatame, a história é outra. “Eu entro com cara fechada, mas só dou o melhor, tento ganhar e fazer minhas coisas. Eu fico mais sério nos dias anteriores, mas sempre gosto de brincar com o pessoal e relaxar junto, todos gostam de brincar. Quando entro na luta, eu fico com dois focos. Penso na minha mãe e em ganhar. Nunca perco, ou eu ganho a luta ou ganho experiência. Sempre entro pensando assim”.
“É um vitorioso, um campeão. Muitos, que não passaram a metade do que ele passou, desistiram. Ele, mesmo diante de tantas diversidades, permanece firme no objetivo. Desde muito cedo, ele descobriu o que queria fazer”, diz o orgulhoso Fabrício Xavier.
Nada segue sendo fácil. Gabriel Teles ainda vive na Chatuba, entre cortes e repasses do Bolsa Atleta. A favela é uma das mais precária do Rio de Janeiro. Seu pai, ex-presidiário, segue na reciclagem. Pai Fabrício tenta ao máximo para ele competir dentro e fora do país.
Entre quedas e subidas, sua ascensão dentro da luta olímpica segue meteórica. O lutador é pentacampeão dos Jogos Estudantis do Rio de Janeiro, evento da Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e Juventude, dominado por Gabriel Teles, que emenda: “Sou o melhor do Rio.”
E nos Jogos Escolares da Juventude de Blumenau, não será diferente, como garante Gabriel Teles. “Vim para me despedir dos Jogos no topo. Eu quero fazer o que eu treinei, quero executar dentro do tatame.”
E todo esse desempenho é fruto de muita dedicação. “Treino de manhã e de tarde, estudo de noite, na escola do Estado. É cansativo, mas o corpo já acostumou. No meu final de semana, saio dar uma volta, saio com a minha namorada, consigo separar certinho. Mas todo sábado eu treino também”. Gabriel estuda na Escola Municipal Olímpica Carioca do Caju.
E como gosta de estar em movimento. Gabriel Teles é solto, gesticula demais, tem presença forte e ama o esporte. Não somente a luta. “Eu gosto de tênis de mesa, futebol, handebol e atletismo. Sinto saudade do tênis de mesa, mas eu tive que escolher. No tênis de mesa eu era o quinto do Estado do RJ. No wrestling eu era o melhor. Então, eu escolhi o que tinha mais futuro para mim. Meus professores das duas modalidades conversaram e entraram em acordo. E eu já gostava mais de luta mesmo”, finaliza com um sorriso de orelha a orelha.
O tênis de mesa perdeu um atleta e tanto. No entanto, o Brasil tem um lutador brilhante e com fome de vencer.