Por mais que a gente tente ser isento na função de jornalista esportivo, às vezes não tem jeito, acaba torcendo para um atleta ou equipe. Seja por uma paixão de infância, no caso de um time de futebol, ou por empatia pessoal, ou simplesmente por admirar um gênio, um extra-classe, aquele que faz a diferença. Admito: torci, e muito, pela vitória de Usain Bolt nos 100 m rasos do Mundial de atletismo de Pequim
Ao programar a final logo para o segundo dia de competições, os organizadores não imaginavam que o roteiro, que por si só já seria emocionante, teria contornos de um drama digno de um filme.
De um lado, o gênio jamaicano Usain Bolt, bicampeão olímpico nos 100 m, 200 m e 4 x 100 m, bicampeão mundial nos 100 m e dono do impressionante recorde mundial de 9s58. Tudo isso, contudo, não impedia Bolt de ter uma temporada terrível, sem repetir suas melhores atuações e na qual tinha como melhor marca 9s87, obtido em julho, em Londres, durante a Liga Diamante.
Do outro, o americano Justin Gatlin, que neste ano conseguiu nada menos do que os cinco melhores resultados nos 100 m, entre eles 9s77 pela semifinal do Mundial, realizada logo no começo da manhã deste domingo (noite em Pequim), apenas três centésimos pior do que a marca mais rápida do ano (9s74), obtida por Gatlin em maio,em Doha. Mas sobre Gatlin paira a incerteza sobre ele estar ou não “limpo”. Campeão olímpico em Atenas 2004, Gatlin foi flagrado em 2006 usando substâncias para aumentar sua força muscular e levou um gancho de quatro anos. Em 2001, já tinha sido suspenso por uso de anfetaminas, que lhe rendeu uma suspensão de um ano e meio.
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Outro detalhe aumenta a dúvida sobre a lisura de Gatlin: ele já está com 33 anos, idade na qual os velocistas começam a entrar em franca decadência, e não cravando os melhores resultados de sua vida. Mas a cada exame antidoping, nada é encontrado contra o americano. Falar o quê?
Para deixar o roteiro ainda mais emocionante, eis que semifinal Bolt quase é eliminado, chega e ensaiar um tropeço mas consegue passar em primeiro lugar, com 9s96, pior do que sua melhor marca em 2015. Será que havia chegado a hora dele ser superado dentro da pista? Pois é, era o que muita gente (eu inclusive) pensava.
Mas o atletismo, que vive uma terrível crise de credibilidade e que terá um forte combate ao doping segundo promessa do novo presidente da Iaaf (Associação das Federações Internacionais de Atletismo), Sebastian Coe, mostrou que ainda é possível ter fé no esporte limpo, com a espetacular vitória de Usain Bolt na final. Nem tanto pelo tempo, embora a marca de 9s79 do jamaicano seja a sexta melhor do ano, mas principalmente pela forma com a qual conseguiu superar Gatlin na metade final da prova. E vamos combinar que o americano, impulsionado ou não por substâncias ilegais, sentiu o peso da final, tanto que fez um tempo pior do que na semifinal (9s80).
A principal lição que fica deste domingo histórico em Pequim: nunca duvide de um gênio do esporte como Usain Bolt. Do contrário, você pode quebrar a cara.