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Hipismo

Quarentena dupla: vida de cavalos e cavaleiros durante pandemia

Espalhados pelo mundo, Pedro Veniss, Pepê Muylaert e Bernardo Braga falam dos obstáculos do isolamento

Pedro Veniss
Pedro Veniss é bicampeão Pan-Americanos (diuvlgação/Luis Ruas)

No Brasil e no mundo, a quarentena imposta pelo coronavírus vem obrigando os atletas a se reinventarem, adaptando os treinamentos. Modalidades que dependem de um fator extra, como esportes aquáticos, ou que são praticadas coletivamente, como ginástica rítmica de conjunto e polo aquático, vêm tendo mais dificuldades para se adaptar ao novo cenário. Há, porém, um esporte que conta com um obstáculo um pouco diferente, porque não envolve apenas seres humanos. É o caso do hipismo.  

O hipismo é diferente. Não é esporte coletivo, mas também não é um esporte individual como todos os outros. É o único que une animal e ser-humano, e o sucesso de um é o sucesso do outro. Então como ficam os cavalos, cavaleiros e amazonas em tempos de pandemia?

Primeiro de tudo, é importante esclarecer que ainda não há estudos que comprovem a contaminação de cavalos por coronavírus, nem da transmissão da doença por eles.

“Até agora, o que se teve notícia foram de dois felinos, um tigre e um gato, contaminados. O tratador ou proprietário que passaram para o animal e não o contrário. E são casos que ainda estão sendo investigados para ver se realmente é COVID-19 ou não. Nos cavalos, não há nada que mostre que eles possam ser infectados. O único risco do cavalo passar o coronavírus é se a pessoa que estiver contaminada espirrar ou tossir nele e uma outra pessoa e encostar nessas gotículas que ficaram presas no pelo”, explica Daniel Fechio, veterinário da Sociedade Hípica Paulista.

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Daniel ressaltou também a importância de os cavalos continuarem treinando, mesmo que sem poder saltar e com uma carga e frequência menores, especialmente pelo bem estar de seus sistemas digestórios. Houve também uma redução na ração para evitar sobrepeso e o risco de cólicas. É esperado, no entanto, que haja perda em relação à parte técnica e de condicionamento físico. 

E como ficam os cavaleiros em meio a isso tudo? Conversamos com três deles espalhados pelo mundo e em situações bem diferentes para explicar como cada um está lidando com a quarentena: Pedro Veniss, na Espanha, Pepê Muylaert, na França, e Bernardo Braga Albuquerque, no Brasil.

Autorização para sair de casa

Campeão pan-americano por equipes em 2007 e 2019 e representante dos atletas da Federação Equestre Internacional (FEI), Pedro Veniss vive hoje em Barcelona (ESP), com a mulher e três filhos. O país é um dos mais afetados pela pandemia de coronavírus, tendo decretado quarentena obrigatória e total há quase um mês. Veniss mora em um apartamento no centro de Barcelona e conseguiu uma autorização do governo para ir ao clube hípico, onde ficam seus cavalos.

“Não posso saltar, mas pelo menos montar pode. Então os cavalos estão em um ritmo de treinamento leve, mas como eles estão muito acostumados com esse trabalho diário, é importante tirar eles para trabalhar, mesmo que seja um pouquinho”, contou Veniss ao Olimpíada Todo Dia. “E eu também procuro ver alguns vídeos meus em Jogos Olímpicos, outras competições que eu participei para tentar manter essa motivação e continuar trabalhando no dia a dia”.

Não é só cavaleiro que sente falta do cavalo. O cavalo também sente falta do seu dono e estranha o atual momento e a falta de competições.

Pedro Veniss - Hipismo - Coronavírus - Quarentena - Cavalo
Pedro Veniss e Quabri De L’Isle, campeões em Lima 2019 (Foto: Facebook/PedroVeniss)

“Eles sentem falta, porque estão acostumados com aquele manejo, com aquela pessoa que vem todo dia ver e montar ele. Então eles ficam um pouco diferentes, alguns ficam mais deprimidos, e dá para ver que o comportamento muda quando os proprietários aparecem. Ficam mais ativos, mais alegres. E não só pela pessoa, mas pelo que ela traz, como açúcar, cenoura, uma maçã… Então o cavalo sente falta disso também, tipo: ‘cadê meu dono?’”, explicou o veterinário da Sociedade Hípica Paulista. 

“O mais legal dessa minha profissão, do hipismo, é que cada cavalo é diferente. Hoje eu tenho 14 cavalos em treinamento, e tem cavalo que você vê que está sentindo muita falta de competir e tem outros que eu tenho a sensação de que estão gostando desse período de férias”, completou Pedro Veniss.

Solidariedade no hipismo

Há alguns quilômetros dali, Pedro Muylaert, o Pepê, vive situação diferente. Morando na França, também um dos países mais afetados pelo coronavírus e que, assim como a Espanha, decretou lockdown total, Pepê mora em uma espécie de condomínio, onde pode continuar treinando com seu cavalo, mesmo em quarentena. No entanto, ele entende a situação mundial e mandou mandou um vídeo, se solidarizando com os outros atletas. Confira abaixo. 

E no Brasil?

A situação do coronavírus no Brasil também é preocupante, mas não foi decretado lockdown. A orientação é para que as pessoas fiquem em casa, mas não há proibição para sair. Morando em São Paulo há três anos, Bernardo Braga Albuquerque, promessa do hipismo de apenas 19 anos, tem conseguido treinar um pouco, mas longe do ideal.

“É um esporte que, como tem um animal vivo ali, você precisa trabalhar ele todo dia. Então estamos aproveitando esse tempo para trabalhar mais a parte respiratória dos cavalos e tentar fazer com que eles percam o menos de forma possível. É difícil quando a gente fica sem uma meta, sem saber quando vamos poder voltar…”, contou ao OTD o vice-campeão sul-americano de júnior. 

E para tentar se manter em forma também, fisicamente e mentalmente, durante a quarentena, Bernardo vem usando algumas estratégias. “A gente geralmente tem três finais de semana por mês com prova. Então imagina você de quinta a domingo, fazendo prova, com exigência de tempo, de traçado… O que eu tenho feito é, por exemplo, tirar os estribos que a gente usa para cavalgar para fazer mais força e fortalecer as pernas”.

Bernardo Braga Albuquerque - Hipismo - Cavalo - Coronavírus
Bernardo Albuquerque em ação (Foto: Gabi Lutz/Sociedade Hípica Paulista)

“E tem que pensar que uma hora vai ficar tudo normal e que quando isso acontecer, a gente tem que estar pronto. Não é fácil, mas não tem jeito. Eu sou atleta e vivo disso. Então preciso estar com a cabeça no lugar e pronto a qualquer momento”, completou.

Quando a quarentena acabar e a situação normalizar, todos estimam um período de pelo menos dois meses para que os cavalos estejam em forma como estavam antes da pandemia de coronavírus. A Federação Internacional de Hipismo (FEI), inclusive, definiu que uma competição 5 estrelas, o maior nível da modalidade, só pode ser marcada com três meses de antecedência. 

Por isso, para Pedro Veniss, Pepê Muylaert, Bernardo Albuquerque e todos os outros cavaleiros e amazonas e seus cavalos, só resta esperar. 

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