Ser campeã de um torneio europeu de alto nível é difícil. Ser campeã, artilheira e eleita a melhor jogadora do torneio é mais difícil ainda e não é para qualquer um. Aos 24 anos, Bruna de Paula vive um sonho. Natural de Campestre, Minas Gerais, a jovem atleta conquistou o título da Liga Europeia de handebol e terá a chance de disputar a Champions League na próxima temporada. É o auge de uma carreira, que começou muito cedo.
Brincalhona, Bruna de Paula teve uma infância agitada. Gostava mesmo era de ficar na rua com os amigos. Onde tinha uma bola, lá estava ela. De família humilde, Bruna cresceu ao lado de quatro irmãs e da mãe, Dona Marinalva. Mas desde os oito anos, não teve mais contato com o pai.
E foi na escola que Bruna teve o primeiro contato com o handebol. Mas mal sabia ela que aquela aula de educação física transformaria sua vida para sempre.
“Meu professor da escola era professor do time [de handebol] da cidade também. E ele me chamou para treinar lá. No começo, o handebol não era meu esporte favorito, era o futebol. Mas aos poucos eu fui pegando o gosto. A gente começou a viajar, jogar com outros times, e isso me deixou mais ainda apaixonada por esse esporte. Eu tentei até parar, quando fizeram um time na cidade. Mas aí pediram para eu decidir entre os dois e não sei o que me deu que eu acabei escolhendo o handebol”, contou Bruna de Paula ao Olimpíada Todo Dia.
Começo da jornada
Os primeiros passos, no entanto, não foram fáceis. A mãe de Bruna não tinha condições de comprar um tênis para a filha, que chegou a vender picolé na rua e a trabalhar em uma mecânica para ajudar em casa.
O esporte, porém, veio para mudar tudo. E c coisa começou a ficar séria quando Bruna de Paula saiu de casa pela primeira vez. Com apenas 14 anos, ela deixou Campestre para jogar no Juiz de Fora e depois do São José. Não foi fácil. Nem para ela, nem para a mãe.
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“Descobri que queria mesmo seguir carreira profissional no esporte quando eu saí de casa. Eu tinha 14 anos e falei: é disso que eu quero viver, quero poder ajudar minha família. Na verdade, nunca fui uma pessoa que gosta muito de estudar, então vou dar o meu máximo no esporte”, relembrou.
“Foi difícil, eu era uma criança… E foi difícil para a minha mãe também. Mas acho que também passou na cabeça dela que se ela não me deixasse ir, ela não teria condições de me dar uma vida melhor. Então acho que isso incentivou ela a me deixar correr atrás dos meus sonhos. Ela é uma guerreira e tudo que eu sou hoje, eu devo a ela”.
Expandindo horizontes
Depois de quatro anos jogando pelo São José, Bruna de Paula recebeu a primeira proposta para jogar fora do Brasil. A decisão de partir para a Europa, no entanto, não foi fácil. Mas valeu a pena.
“Sabe quando você quer, mas não espera que isso vai acontecer? E aí aconteceu, mas eu não sabia se estava pronta para isso… Outro país, outra língua, outro estilo de handebol… Mas eu decidi que ia, que iria tentar e, se não desse certo, eu voltaria. Mas pelo menos eu não teria esse sentimento de arrependimento de não ter nem tentado. E por incrível que pareça, cheguei, fui bem recebida e já comecei a aprender a falar francês”.
A brasileira conta que se adaptou bem à nova cultura e que, felizmente, não vivenciou na pele o racismo. “Eu não sofri preconceito. Acho que isso não é sorte, porque no século que a gente nem, isso nem deveria acontecer mais. Mas na França tem bastante negros e isso me ajudou a me sentir em casa”.
E a adaptação foi tão boa que, cinco anos depois, já jogando pelo Nantes, Bruna de Paula foi campeã, artilheira e MVP da Liga Europa. “De verdade, até agora, não caiu a ficha. É uma coisa muito grande. Sempre sonhei em conquistar isso, mas não tão cedo, porque para todos nós foi uma surpresa”.
Por amor e pela família
O handebol chegou para transformar a vida de Bruna de Paula. De um lado, é uma paixão. E de outro, é o sustento. Mesmo do outro lado do Oceano, ela não deixa nunca de falar e cuidar da família, o que é um combustível a mais para seguir evoluindo.
“Hoje, com muito orgulho, eu posso viver do handebol, que é uma coisa que eu sempre sonhei. E posso ajudar a minha família, que é o mais importante. Eu faço handebol por amor, claro, mas porque eu preciso também. E quando junta esses dois fatores, o desempenho é ainda maior”.
Hoje, mesmo com todas as dificuldades, a campeã pan-americana em Lima-2019 entende que tudo valeu a pena. Mas ela não quer parar por aqui. Na próxima temporada, ela vai defender o Metz, que está na Champions League, além de poder realizar o sonho de conquistar uma medalha olímpica com a seleção daqui alguns meses em Tóquio.
“Olhando para trás, por tudo que eu passei, realmente não foi fácil. Desde quando você sai de perto da sua família já é uma dificuldade. Então hoje, conquistando o que eu estou conquistando, é gratificante, porque mostra que eu estou no caminho certo. E eu falo que quando ganho uma coisa, eu quero mais. E meu maior sonho é conquistar uma medalha com a seleção na Olimpíada”.
“O handebol mudou totalmente a minha vida. Eu não tenho palavras para explicar. Saí de casa com 14 anos, então muita coisa do que eu aprendi e da pessoa que eu sou hoje é por causa do esporte. E eu sou muito grata por isso”, completou Bruna de Paula.