Com mais de 80 depoimentos, site descobriu 42 ginastas e ex-ginastas que alegam terem sido vítimas de algum abuso por Fernando Lopes, ex-treinador da seleção brasileira
O técnico Fernando de Carvalho Lopes, afastado da seleção brasileira desde 2016, foi acusado por 42 ginastas e ex-ginastas de abuso físico, moral e/ou sexual. O caso do ex-treinador do Movimento de Expansão Social Católica (Mesc), onde fez carreira, é o tema de uma investigação do site GloboEsporte.com, que contou com mais de 80 depoimentos.
Fernando Lopes treinava Diego Hypolito e Caio Souza a um mês dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro quando foi denunciado por um menor de idade. O inquérito está na Delegacia da Mulher, da Criança e do Adolescente (DDM) de São Bernardo do Campo e, sem previsão de ser finalizado, ainda não gerou uma acusação na Justiça. A investigação da Polícia Civil começou em 8 de junho e corre sob sigilo.
De acordo com a reportagem, foram ouvidas 15 testemunhas e faltam 13 relatos de pessoas citadas no processo. A demora na conclusão do inquérito deixa as vítimas angustiadas, principalmente devido ao fato de que ele continuava a trabalhar no clube de São Bernardo.
“A gente ficou com uma sensação na verdade de que o caso não existia mais, de que isso não ia para frente, de que isso ia acabar ali. Era uma sensação um pouco de angústia, um pouco de revolta. A gente foi lá contar coisas, e não importa se era um ou se eram com 20. E a sensação que a gente tinha era que tinha acabado. Não comoveu ninguém a continuar a investigação. O que mais me revoltou depois foi ver que ele continuava trabalhando, que ele continuava tendo essa proximidade das pessoas. Nada foi feito a respeito”, afirmou uma das vítimas.
Afastamento
Em nota divulgada à imprensa, Lopes já não trabalhava mais com ginástica e fazia apenas trabalhos administrativos na instituição. “Considerando a gravidade das acusações que recaem sobre o colaborador Fernando de Carvalho Lopes, veiculadas pela mídia na data de ontem, o clube MESC, por meio de sua administração, resolveu reforçar as cautelas anteriormente adotadas e determinou o afastamento do colaborador em questão de todas suas atividades nas dependências do Clube, até o final da apuração dos fatos pelas autoridades competentes. Reiteramos nosso compromisso com a segurança e bem-estar de nossos associados e visitantes”, diz o comunicado.
Depoimentos
Entre os depoimentos coletados, está o de Petrix Barbosa, medalhista pan-americano nos Jogos de Guadalajara em 2011. Petrix afirma que era perseguido por Lopes e dá detalhes dos anos de abuso. “Toda vez que eu ia dormir, na casa dele ou no hotel, ele queria dormir comigo na cama, mas aí eu ia dormir no chão. E ele falava: ‘não, fulano vai para o chão e o Petrix vai dormir na cama comigo’. Todo mundo me olhava, e às vezes tentavam me tirar, mas ele não deixava. Era uma coisa comigo, e eu ficava sufocado, sufocado, sufocado”, contou o ginasta.
O relato de Petrix é corroborado por outros atletas e ex-atletas consultados pela reportagem e que preferiram não se identificar. “Com certeza (o Petrix foi o que mais sofreu). Hoje eu vejo tudo o que aconteceu e não tem como não se sentir ofendido vendo e sabendo de tudo o que ele fez com o próprio Petrix. Teve uma competição que a gente foi. E na madrugada eu acordei porque tava com sede. Acordei outro atleta para ir comigo porque tinha medo. Era escuro. E quando eu levantei, dei de cara com a cama e o Fernando deitado com o Petrix”, conta uma das vítimas.
De acordo com os depoimentos, outros treinadores tinham conhecimento dos casos. Segundo uma das vítimas, a psicóloga Thaís Copini saberia dos relatos e teria contado ao treinador para que Fernando Lopes reduzisse “a frequência do que ele fazia comigo”. A psicóloga, no entanto, disse que não sabia de casos de abuso ou assédio sexual.
“Trabalhei com os atletas e, neste tempo, nunca presenciei as agressões. Os pais dos atletas me comunicavam por telefone. Sendo assim, marcávamos uma reunião para esclarecer. Antes disso, eu conversava com o técnico, que desmentia o fato ocorrido. Então, os pais tomavam a decisão de tirar os filhos da equipe. Quanto ao abuso ou ao assédio sexual do técnico Fernando em relação aos atletas, nunca chegou até mim”, afirmou.
De acordo com o clube, a psicóloga nunca foi funcionária do Mesc e era contratada pelos pais dos atletas, sem vínculo com o clube. “A administração do Clube nunca recebeu nenhuma reclamação ou denúncia acerca da atuação ou comportamento inadequado do Sr. Fernando de Carvalho Lopes durante os 20 anos de sua colaboração com o Clube, sendo certo ainda que as acusações que recaem sobre ele, segundo informações de seu advogado, ainda estão em fase de investigação em sede de Inquérito Policial, que tramita em segredo de justiça, razão pela qual o Clube não teve acesso a sua íntegra”, diz a nota.
Bullying de outros treinadores
Ao tentar fugir do Mesc, atletas passavam a treinar em São Caetano do Sul. No entanto, de acordo com as vítimas, aqueles que passavam a treinar no local tinham que ouvir piadas sobre Fernando Lopes. O nome mais citado é do coordenador técnico da seleção brasileira de ginástica, Marcos Goto, que era um dos treinadores em São Caetano.
“Quando mudei para São Caetano, todos os técnicos sabiam. Os técnicos todos faziam piadas. Uma piada ou outra alguns faziam. Mas o Marcos (Goto) chacoteava bastante. Ele chacoteou bastante as pessoas. Por que em vez de fazer piada, ele não fez alguma coisa para ajudar?”, questionou uma das vítimas. Marcos Goto não quis se manifestar, mas de acordo com o consultor jurídico da CBG, Paulo Schmitt, a entidade nunca teve notícias destes relatos.
Treinador nega
Contatado pela reportagem, Fernando Lopes negou as acusações. Segundo ele, as alegações são uma “interpretação errada” das atitudes dele para com os atletas.
“Nunca fui um técnico legal. Eu fui um técnico sempre muito rigoroso, às vezes até demais. E acho que por outro lado eu tive um problema de ser um cara que muitas vezes misturei, de achar que eu era mais do que um técnico. Acho que eu podia ser um amigo, podia ser um pai, que podia ser qualquer outra coisa. Então, isso talvez tenha dado uma margem de interpretação errada para cada um deles. Mas a ponto desse tipo de acusação, eu não tenho o que falar, eu acho que eles vão ter que provar. Eu sei que eu tenho minha consciência limpa no que diz respeito que eu nunca estuprei, que eu nunca molestei ninguém, num intuito como está sendo colocado, entendeu?”, afirmou.
Nota oficial da Confederação Brasileira de Ginástica
Relativamente à matéria exibida neste domingo no Programa Fantástico, da Rede Globo, a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), por meio desta, informa que adotará providências urgentes, em consonância com orientações do Ministério Público do Trabalho, órgão que tem cooperação nessa área, no sentido de avaliar o melhor procedimento que o caso requer.
De todo modo, vale ressaltar previamente que a entidade fará a oitiva do treinador Marcos Goto sobre a acusação de comportamento inadequado.
Quanto aos aspectos preventivos e até repressivos na temática vale reiterar, conforme link abaixo, que a CBG firmou ajuste com o Ministério Público do Trabalho para combate à assédio e abuso moral e sexual, manipulação de resultado, doping e outras formas de violência ou fraudes no esporte.
A instituição já realizou seminário bastante exitoso em parceria com o COB acerca do assunto e implementou ações e atividades educativas e preventivas nesse aspecto. No mesmo sentido, foi aprovado na assembleia geral da CBG o código de ética, e está sendo composto o comitê de ética e integridade da Confederação para processo e julgamento de casos relacionados ao descumprimento da codificação mencionada.
Nenhum caso de Assédio ou Abuso ficará sem rigorosa apuração e eventual sanção, conforme a hipótese.