De promessa a desempregado. Esta é a realidade de Angelo Assumpção, que já foi uma das principais esperanças da ginástica artística brasileira, mas está há quase dez meses sem clube, depois de ser demitido pelo Pinheiros em novembro do ano passado. A história começa, no entanto, em 2015, após ele ter sofrido racismo de amigos e colegas de modalidade, passa por uma depressão e chega até o momento de hoje, em que, com ajuda da família e uma vaquinha online, Angelo tenta se reerguer.
Angelo tinha apenas oito anos quando foi convidado para treinar no Pinheiros e viu no esporte uma oportunidade de transformar sua vida. No entanto, desde jovem, ele sempre precisou lidar com o racismo e o fato de ser um dos poucos negros na ginástica artística.
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“O racismo foi algo muito presente na minha vida, de várias maneiras, seja de uma piadinha, seja de um olhar. Eu passei por inúmeras situações, desde uma pessoa não querer dividir um espaço por eu ser negro, desde eu não poder usar trança, não poder ter cabelo grande. É uma coisa que, na verdade, quando a gente é criança não percebe tanto, mas com o tempo você vai vendo que esse racismo estrutural acompanha a sua vida, e que em algum momento isso fica muito evidente”, disse ao site “Globo Esporte”.
E foi em 2015 que ele ficou de fato evidente, quando, dias depois de ser campeão no salto na etapa de São Paulo da Copa do Mundo, um vídeo foi vazado nas redes socias. Nele, Angelo Assumpção sofre injúrias racistas de três companheiros de seleção brasileira, Fellipe Arakawa, Henrique Flores e Arthur Nory.
“Seu celular quebrou: a tela quando funciona é branca… Quando ele estraga é de que cor? (risos)”, pergunta Arthur Nory no vídeo. “Preto!”, respondem os outros. “O saquinho do supermercado é branco. E o do lixo? É preto!”.
A depressão
À época, Angelo e a família optaram por não processar os envolvidos, que foram suspensos por 30 dias pela CBG (Confederação Brasileira de Ginástica). Mas as consequências para o atleta foram muito maiores que um mês de suspensão.
“O racismo que sofri naquela época impactou minha vida de forma muito profunda. Fiquei doente depois de tudo que aconteceu, mas ninguém se preocupou em me proteger. Tive de me virar sozinho. Me tirei do fundo do poço, da depressão, sem nenhum suporte do clube ou de treinadores. Colocaram minha história de conquistas no esquecimento ao aceitar que me comparassem com lixo”, contou ao jornal “El País”.
A demissão
Além da depressão, Angelo sofreu com lesões, que também impediram que ele se reerguesse. Há duas temporadas, no entanto, ele vinha conseguindo retomar aos poucos os bons resultados, tendo vencido dois campeonatos disputados na França e foi bicampeão brasileiro por equipes com o Pinheiros.
Mas no momento em que se recuperava, o racismo se fez novamente presente e, segundo Angelo, foi dentro do próprio clube. Ele resolveu, então, levar o caso até a diretoria do Pinheiros e acabou suspenso por 30 dias por indisciplina. No primeiro dia de treinos após o fim da punição, Angelo foi chamado pela diretoria do clube para ser demitido, quando faltava pouco mais de um mês para que o contrato chegasse ao fim.
“O negro tem de provar inocência até quando é vítima. Fui chutado do clube como um marginal, acusado de indisciplina, uma coisa vaga… É indisciplina eu me posicionar? Não aceitar brincadeiras racistas?”, questionou ao El País.
Pedido de desculpas
Cinco anos depois do vídeo, Arthur Nory enfim de pronunciou. “Eu tinha duas escolhas (na época). Ou continuar com ‘não, é só uma brincadeira’, que hoje eu entendo que não é uma brincadeira, ou mudar e buscar aprender com aquilo. E foi isso. Cinco anos guardados comigo mesmo e indo buscar esse meu erro,” disse Nory em vídeo.
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“A partir do momento que foi quebrada essa bolha (do esporte), eu tomei a consciência e fui entender a proporção que atinge, eu me envergonho. Eu me envergonho bastante. E isso tem que ser tratado (…). Eu sei que é um direito do Ângelo me perdoar ou não, mas uma obrigação minha aprender com esse meu erro e ir buscar o conhecimento, a me tornar uma pessoa melhor. E, principalmente, a me desconstruir”, completou.
A vaquinha e a representatividade
A demissão de Angelo Assumpção veio à tona há poucas semanas, em uma matéria no programa Esporte Espetacular, da “TV Globo”, que falava sobre assédio no Pinheiros. Desde então, uma onda de solidariedade ao atleta tomou conta das redes sociais. Amigos e figuras públicas fizeram um vídeo questionando “cade vocês”, em referência à clubes e atletas que poderiam ajudar Angelo.
Nesse contexto de auxílio, familiares iniciaram uma vaquinha online com meta, até então, de R$15 mil. Mas depois de cinco dias, a campanha já arrecadou quase R$25 mil (R$24.743 até o fechamento desta matéria).
“Estou muito feliz. Quando a gente passa por tanta dificuldade, de um futuro tão incerto por causa de tanta adversidade, isso demonstra como o brasileiro é unido e como isso faz a gente acreditar nos nossos sonhos. E acreditar que, sim, pode ser diferente. Estou muito feliz com cada uma das pessoas que fizeram isso acontecer”, celebrou Angelo ao Globo Esporte.
Assim, aos 24 anos, depois de tudo o que aconteceu, Angelo Assumpção se vê como uma referência a outros ginastas negros que sonham em triunfar no esporte. “Sempre pensei em ser uma referência representativa. Assumo a responsabilidade de representar uma maioria que é minoria em lugares de visibilidade. A juventude negra precisa notar que esse espaço da ginástica também pode ser dela”, concluiu ao El País.