Nicole Silveira está no Brasil para curtir algumas semanas de descanso pós-temporada das competições de Skeleton no hemisfério Norte. Entre tantos lugares para mostrar a sua companheira Kim Meylemans, atleta belga da mesma modalidade, a brasileira esteve na Arena Ice Brasil. Assim, a sede da Confederação Brasileira de Desportes de Gelo (CBDG) também foi palco para uma entrevista exclusiva com o OTD.
Dessa forma, a atleta falou sobre como foi sua última temporada, alcançando resultados históricos para ela e para o pais em cima do trenó. Além disso, Nicole também projetou o que espera da próxima temporada, falou de frustrações com sua arrancada, como foi sua experiência em Pequim 2022, quais expectativas para Cortina-Milão 2026. Por fim, também lembrou da idolatria por Ayrton Senna e o orgulho em mostrar a identidade brasileira mundo à fora. De certa maneira, é uma forma que o OTD também traz para homenagear o ídolo que nos deixou há 30 anos. Então, confira a entrevista completa com Nicole Silveira, a “braba do gelo”:
Como foi a temporada?
Nicole: Sou muito competitiva. Gostei da primeira metade da temporada, quando eu consegui esses resultados expressivos. Me surpreendi bastante com o sétimo lugar na Áustria. Por eu ser muito competitiva, me comparo muito com outras pessoas, é uma falha minha, uma fraqueza. Estando no time junto com a Kim, na melhor temporada que ela já teve, eu me comparava bastante. Então, os bons resultados “desapareciam” e eu queria mais. Depois de ter alcançado esse sétimo lugar, também quero mais. Isso, mentalmente, me afetou bastante para a segunda metade da temporada. Deu para perceber um pouco nos resultados.
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Reanalisando a temporada agora, eu vejo que foram muitos bons resultados. O que faltou bastante para mim foi o “push”, que, nessa temporada não foi muito bem, foi o que mais me frustrou, porque foi uma pré-temporada muito puxada, foi o início mais forte que já treinei e os resultados pioraram. Foi um grande aprendizado para mim para saber o quanto posso me esforçar e o quanto de treino que meu corpo, agora estando mais velha, pode aguentar. A parte de lidar com o trenó e fazer as curvas foi significativamente melhor, consegui desenvolver melhor.
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Além disso, também troquei de time, técnico novo, tenho um trenó completamente novo, lâminas novas, que reage de forma oposta ao trenó que usei nas últimas cinco temporadas. Eu peguei o jeito do trenó para pistas diferentes. Outra coisa que mudou foram algumas regras, abriram para mais atletas, foram de 20 para mais de 35. Em resumo, acho que foi uma temporada muito boa para mim, estou animada para ver o que eu posso fazer na temporada seguinte.
Dava para imaginar alcançar um sétimo lugar?
Nicole: Queria muito, mas eu nunca imaginava que conseguiria esse resultado nessa pista da Áustria. É uma pista conhecida por favorecer que empurra muito forte e eu não tinha esse “push”. Então, todo mundo ficou chocado com esse resultado. Ter um top-10 sem o “push” forte já era distante para mim. Foi muito legal de ver que, quando acerta tudo na pilotagem, o trenó e as lâminas, meio que tudo se encaixa.
O que dá para esperar da próxima temporada?
Nicole: Conforme o calendário, que já saiu, vendo as pistas, estamos decidindo com será a temporada. A pista da Áustria, por exemplo, não está no calendário neste ano. Pretendo continuar desenvolvendo, aprendendo mais com o trenó. Estamos com um projeto de estudos sobre o trenó, escanear e ver as impressões com as lâminas para entender como podemos extrair melhores resultados, através de sua aerodinâmica. Com o equipamento melhorando, quero que meu “push” melhore também e aprender mais da pilotagem. Espero que consiga melhorar, já que a competição será parecida. Então, quero ter mais tops-10.
Tivemos uma medalha nos Jogos Olímpicos de Inverno da Juventude. Quanto o Brasil se aproximou de alcançar uma medalha nos Jogos dos adultos?
Nicole: Estamos chegando cada vez mais perto a cada ciclo. O Skeleton é uma modalidade muito difícil de conseguir, porque, muitas vezes as melhores, nas Olímpiadas, muitas vezes não ganham. Lá são dois dias de competições, ao invés de quatro anos de temporada. Muitas coisas acontecem nesses dois dias que saem fora do controle. Medalha é um sonho de todo atleta, mas não é o que me motiva continuar e nem meu objetivo final. O que aprendi com a última edição é que qualquer coisa pode acontecer e, se o foco é só na Olimpíada, você gastou quatro anos de treinos e competições para um dia, que talvez saia do controle. A medalha seria um sonho, mas não meu objetivo.
O Brasil, nos esportes em geral, está chegando cada vez mais perto, temos mais atletas querendo representar o Brasil, como o norueguês do esqui alpino. Temos uma grande chance com ele. Das últimas temporadas para cá só vai aumentando o número de atletas. Não só para medalhas, mas a representação do Brasil já é muito legal.
Pelo seu histórico, hoje você foca só no Skeleton?
Nicole: Depois de tantos anos, eu aprendi que não dá para focar 100% só no Skeleton. Eu passei a temporada treinando duro, o verão inteiro, eu viajava, mas tinha que treinar, sacrifiquei várias outras atividades com receio de me machucar, nunca faltei em um treino fazia tudo que o treinador mandava e meu “push” não melhorou. Eu aprendi que preciso me divertir um pouco mais. No início, foi importante, pois tinha muito o que aprender, mas agora são acertos de detalhes. A base eu já tenho, não preciso desfocar, mas posso deixar outras coisas entrarem na minha vida. Temos um mês de pós-temporada para relaxar, tenho feito cross-fit, jogo vôlei de praia, beach tennis, escalar, tem sido muito divertido. Quando retornar aos treinos no verão (do hemisfério Norte), ainda pretendo fazer algumas dessas coisas e não estar tão rígida nos treinos.
Nesta quarta-feira (01) fez 30 anos da morte de Ayrton Senna. Você já correu com um capacete semelhante, sempre leva a bandeira do Brasil também. Quanto ele serviu de referência para você?
Nicole: Muito. Sempre tive o orgulho em representar o Brasil, mesmo morando fora. Sempre sou a primeira a falar que sou brasileira. Tendo essa representatividade, com o Senna, a onça, me traz muita alegria poder mostrar que sou brasileira. O Senna é uma inspiração para muitos. Tento representar o Brasil e dizemos que o Skeleton é a Fórmula 1 do gelo, então ele tem muita influência.
Falando de velocidade e em um paralelo de acidentes da Fórmula 1, você teve um acidente nessa temporada. Como foi esse episódio?
Nicole: Acho que tive sorte. Eu virei e caí mais para o final da pista, é onde a velocidade está maior. Tombei no meu ombro, na hora não senti nada, voltei para o trenó e terminei a descida. Falei que não queria terminar o treino com aquela descida, fui fazer mais uma. Quando abaixei para pegar alguma coisa, senti que havia algo fora. Rompi um ligamento, mas a sorte que foi no início da temporada, tinha mais três semanas de pré-treino. Não estava correndo muito, pois não era no braço que segura o trenó, mas o que se movimenta. Corria sem essa mecânica, mas dava para descer e entender sobre o trenó novo.
Ainda sinto um pouco, mas não me impede de correr. Tive um outro que foi pior, há três anos, na Letônia, tombei, torci meu tornozelo, rompi três ligamentos, não conseguia fazer aquecimento, tive que travar o pé, foi na primeira competição, mas segui na temporada. São coisas que acontecem, já tive outros tombos que tive muita sorte. Com a experiência, aprendemos a minimizar esses acidentes. É um esporte que temos que achar a linha mais rápida, que acaba sendo a mais perigosa.
A Bélgica fica perto de Paris. Vocês (Nicole e Kim) pensaram em assistir os Jogos de verão?
Nicole: Sim, estávamos na fila para tentar os ingressos para o vôlei de praia, futebol, atletismo, pois treinamos com uma belga que estará no atletismo. Mas os ingressos estavam muito caros e precisaríamos de hospedagem, infelizmente não estaremos lá esse ano. Gostaria de ir para torcer por todos, estando em alto rendimento, sei o esforço que todos fazem para estar lá e a dificuldade que é chegar naquele nível. No verão passado, teve um campeonato de atletismo e estava lá o Piu e vários outros atletas. Eu senti que estava lá para torcer por eles. É legal de estar presente.
Clima de vila olímpica de inverno é parecido com o de verão?
Nicole: O Skeleton foi uma das últimas modalidades a competir em Pequim 2022. Como ainda havia muitas restrições por causa da pandemia, foi bem diferente. Ninguém queria se misturar muito, se pegasse Covid-19 não iria competir. Cada um ficou na sua, cada modalidade que acabava, fazia a festa deles separados. Também teve restrições para a Cerimônia de encerramento, então é difícil imaginar como seria uma vila cheia. Você perguntou para quem torceria, gosto muito da Laura Amaro, do Levantamento de Peso, ela também fez o Skeleton.
O que tem de perspectiva para Cortina-Milão 2026?
Nicole: Está tendo um enrosco com a pista. Seria em um local que teria uma pista antiga, mas a pista mesmo não pode ser usada. Eles teriam que reformar a pista, os italianos falaram que vão fazer. Mas o Comitê Internacional disse que não quer, porque não vai dar tempo, porque, a princípio, no máximo, no começo do ano que vem tem que estar tudo pronto para testar a pista. Para a entidade, precisa ter um plano B, mas ninguém sabe o que é. Está tudo espalhado no ar, os italianos começaram a construir. Já passei por Cortina, mas nunca vi a pista ou a área em volta. Espero que esteja tudo pronto, mas, pelo jeito italiano, é difícil imaginar estar tudo pronto. Espero que possa ser uma Olimpíada mais “normal”, que possa ter torcida e possamos levar nossas famílias.