Imagina ficar o período pré-olímpico inteiro na zona de classificação, mas na última semana perder a vaga aos Jogos Olímpicos por uma interpretação dúbia da federação internacional. Foi exatamente o que aconteceu com a brasileira Marina Tuono. A atleta não estará presente no Monobob durante os Jogos de Inverno de Pequim.
A última tentativa de reverter esse cenário foi entre 20 e 23 de janeiro. Terceira na lista de realocações, a brasileira esperava a desistência de três países para sonhar com os Jogos Olímpicos. Entretanto, apenas o Reino Unido abriu mão de sua participação no Monobob, dando lugar à italiana Andreutti Giada.
Foi um final decepcionante para uma injustiça que começou no último fim de semana de competições, entre 14 e 16 de janeiro. Com uma boa pontuação obtida nas suas sete melhores provas, a brasileira decidiu participar da corrida equivalente à Copa do Mundo, mais difícil, em vez de somar pontos em uma prova mais fácil.
Marina Tuono fez a parte dela, mas o problema começou logo após a prova, com a atualização do ranking da IBSF (Federação Internacional de Bobsled e Skeleton). A atleta da CBDG estava atrás da italiana por míseros 20 pontos e atrás também da nigeriana Adeagbo Simidele (que havia vencido a corrida mais fácil que Marina não disputou).
Isso porque em vez de considerar as sete melhores provas da temporada, a entidade contabilizou apenas cinco resultados. Assim, em vez de ter 604 pontos, a brasileira teve 440. Já a representante da Itália, que deveria ter 596, ficou com 460. Isso mesmo: de oito pontos atrás, ficou 20 na frente. Em vez de ser a primeira na lista de realocações, Marina ficou na terceira posição.
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Qual foi o ponto da discórdia na classificação do Monobob?
O Monobob estreia no programa olímpico de inverno e a IBSF criou um complexo sistema de classificação que integrava a disciplina à modalidade 2-women. Dessa forma, das 20 vagas totais, apenas seis seriam provenientes do ranking exclusivo do Monobob, como era o caso de Marina Tuono. E é aí que entra a polêmica de interpretação.
A discussão gira em torno de dois tópicos do documento de classificação do Bobsled e Monobob para os Jogos Olímpicos de Pequim 2022. No item D.2.4, avisa que “o número máximo de corridas para determinar a Lista de Ranking IBSF do Monobob será o número total de corridas que o Monobob Race Series realiza na temporada 2021/2022”.
Mais adiante, no item D.2.5.3, está escrito: “as seis cotas restantes do Monobob serão alocadas para os seis melhores países com a piloto melhor ranqueada na Lista de Ranking IBSF do Monobob”. Ou seja, como a temporada teve oito provas equivalentes à Copa do Mundo com um descarte, o entendimento geral era de sete resultados para garantir a cota olímpica.
IBSF utilizou outro documento para definir o ranking
Entretanto, a Federação Internacional de Bobsled utilizou outro documento para definir o ranking: o regulamento do Monobob World Series, nome dado ao circuito internacional da modalidade. Nele, consta que apenas os cinco melhores resultados definem a posição final da competição.
Assim, no entendimento da entidade, quando o item D.2.4 aborda que será o total de provas realizadas da temporada da World Series, significa que seriam cinco resultados em vez de sete. Um resultado que acaba premiando quem teve poucos bons resultados, normalmente em provas esvaziadas, do que uma atleta regular na temporada, como a Marina Tuono.
O problema é que há duas contradições evidentes nessa interpretação da IBSF. Primeiro: o documento afirma claramente que será o número total de corridas realizadas na temporada e não o de provas válidas para a pontuação da competição. Além disso, também afirma que seria utilizado a “Lista de Ranking IBSF do Monobob” e não o “ranking da World Series”.
Ou seja, são dois rankings diferentes. Um define o campeão da temporada e outro definiriam as classificadas para os Jogos Olímpicos – como é o caso do Bobsled. Portanto, deveriam possuir dois critérios distintos e não apenas um, como a federação acabou adotando.
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CBDG entrou com representação, mas não foi ouvida
As movimentações de desacordo com a interpretação dada pela IBSF começaram ainda no sábado, dia 16. Dois jornalistas estadunidenses entraram em contato comigo e admitiram que não entenderam os critérios utilizados para classificação. A CBDG entrou com representação, mas não foi ouvida pela entidade.
Marina Tuono postou um vídeo emotivo nas redes sociais como agradecimento aos torcedores pelo apoio nessa caminhada. Agora resta saber qual será o futuro da atleta, que antes de toda essa injustiça afirmava querer competir também no Bobsled 2-women no próximo ciclo olímpico.
Quanto à Federação Internacional de Bobsled e Skeleton, que essa polêmica sirva de lição para 2026. Quando não há clareza, sempre há margem para desconfiança. Se fosse o inverso, será que a representação italiana seria ignorada? E por que a principal beneficiada da confusão é uma italiana, compatriota do presidente da IBSF? Com transparência, não há espaço para dúvidas e para essa grande sensação de injustiça.