“Moça, de onde você tira força?”. Me desculpe o Emicida, mas o verso de sua música foi uma das perguntas que eu mais fiz na série de entrevistas para esse texto. Falar de mãe no esporte é complicado. Elas não gostam, preferem que a atenção seja toda dos filhos, não veem o que fazem como importante.
Dizem que ser mãe é um privilégio. Falam que ser atleta no Brasil é um desafio diário. Desta maneira podemos dizer que ser mãe de um atleta no país é um desafiante privilégio. Mas algumas dessas mulheres elevaram ainda mais o nível e são mães de dois atletas.
De maneira exclusiva, o Olimpíada Todo Dia conversou com quatro mães e com seus filhos. Cada uma delas, da sua maneira de ser, contou como foi enfrentar todas as dificuldades, desafios, diferenças e alegrias para acompanhar os herdeiros.
Mãe até no alojamento
“Eu lembro das vezes que ela ajudou a achar ônibus para todo mundo da academia que iria para a competição. Lembro da vez que ela ficou no dormitório comigo porque eu não podia ficar sozinha. Lembro de quando ela e meu pai se desdobraram pro Victor competir. Ela, com todo a certeza, foi essencial para que tudo acontecesse. O que ela fez para que nós chegássemos aonde estamos é indescritível. É um amor que eu não sei explicar”.
A fala, visivelmente emocionada, é de Giulia Penalber ao falar da mãe Gisele. Ela e o irmão Victor são fortes e rodam o mundo representando o Brasil no wrestling e no judô. Contudo, ao falar da mãe, dona Gisele, a emoção vem e o “livro de memórias” dos irmãos é aberto com carinho.
Gisele Penalber e seu marido trabalhavam o dia todo. A saída foi colocar os filhos, Victor e Giulia, no esporte para ocupar o tempo dos filhos. Gisele colocou os herdeiros na natação, no judô e no jazz, mas isso durou pouco.
“Eu tentei deixar a Giulia no jazz, mas durou pouco. Logo ela veio pedir para ir para o judô para ficar perto do Victor e se apaixonou pelo esporte, assim como ele”.
A companhia dos irmãos na mesma modalidade se manteve até o fim de 2012, quando Giulia migrou para o Wrestling. Sobre a trajetória dos filhos, Gisele é clara. “Eu sempre vou querer os dois fazendo o que deixa eles feliz. Assim foi desde que entraram no esporte, foi quando a Giulia decidiu mudar e será sempre”.
A mãe que não consegue ver
Imagine uma mãe nervosa. Não de raiva, de estar brava por uma coisa que algum dos filhos fez ou qualquer coisa do tipo. Esse nervosismo é diferente. É aquele nervoso de não conseguir mais ajudar em nada as filhas, aquela sensação de querer fazer e não poder.
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Gisele Takahashi tem essa sensação todas as vezes que uma das filhas vai jogar. A mãe das irmãs Bruna e Giulia do tênis de mesa admite que é quase impossível ver as filhas atuando em campeonatos. “Não consigo. Não dá. Me dá um negócio, um nervoso e eu não vejo. Só assisto depois que acaba e eu sei o resultado. Não consigo assistir de jeito nenhum”.
Apesar de estarem na mesma modalidade, Bruna e Giulia são bem diferentes. Nos gostos, jeitos e até mesmo no jeito de jogar, cada uma das atletas é única. Apesar disso, as duas mesatenistas passam por uma situação que Gisele não gosta.
“Uma toma Toddy e a outra prefere Nescau. Uma gosta da comida de um jeito e a outra de outro. A Bruna é bem mais fechada e na dela, a Giulia é falante e agitada. Elas são bem diferentes, o que faz com que eu tenha que estar pronta pra ajudar cada uma delas do jeito que elas precisam e gostam. Mas mesmo sendo assim, as pessoas do tênis de mesa ficam comparando e eu não gosto. Cada uma é uma e, quando é preciso, eu falo com elas sobre isso”.
Por conta disso, quando perguntada como consegue lidar com duas filhas tão diferentes entre si, Gisele Takahashi é direta. “Faço tudo para ver a Bruna e a Giulia felizes. Faço tudo que elas precisarem, desde a comida, levar e trazer nos treinos, marcar os médicos, remarcar as provas na escola, tudo para que elas fiquem felizes”.
Quando perguntadas sobre o que é ter dona Gisele como mãe, Bruna e Giulia tem a mesma opinião. “Só estamos como estamos por causa dela. Ela faz o que ninguém vê. Nos dá a condição de sermos as atletas que somos fazendo toda essa loucura. É uma batalhadora e uma companheira incrível”.
Para que ser técnica se eu posso ser mãe?
E se sua mãe vivesse dentro do seu esporte? Se ela tivesse jogado e há alguns anos fosse professora, e muitas vezes técnica, da sua modalidade? Isso aconteceu com Paula Meligeni. Mãe de Carolina e Felipe, tenistas que hoje disputam o circuito mundial da modalidade, Paula sempre esteve ligada ao esporte e viu os filhos começarem a caminhada logo cedo.
“Apesar de nunca forçar eles fazerem tênis, os dois sempre estiveram em quadra com raquete e bolinha. É o meu trabalho, do meu marido e eles estavam juntos, não tinha jeito”.
Depois que optou por parar de jogar e estudar, Paula Meligeni seguiu no tênis. Quando Carol e Felipe decidiram seguir pela modalidade, os dois fizeram o que qualquer criança faria.
Quando os filhos decidiram que queriam ser profissionais, um dilema apareceu. Ser mãe e técnica dos filhos? Capacidade para exercer a função existia, amor pelos dois não existia dúvida. Mas o que fazer?
“Eu e meu marido optamos por sermos só os pais. Nos demos ao direito de ser somente a mãe e o pai da Carol e do Felipe. Decidimos por deixar a parte técnica para outra pessoa e aproveitar os momentos dos jogos como pais”.
Com a decisão por ser somente mãe de Carol e Felipe, Paula tinha um novo problema. Tênis é um esporte caro. Viagens, treinamentos, raquetes, nada é barato. Como fazer isso funcionar? Como fazer a conta fechar? E como fazer para dois?
“Eu não sei. Sinceramente não sei como fizemos. Só sei que deu certo e continua dando. Dou minhas aulas o dia todo, quase todos os dias e as coisas foram acontecendo. Quando a gente tinha certeza que não ia dar certo apareceu gente pra ajudar, sempre deu pra fechar a conta. E se eu tivesse que fazer tudo de novo, eu faria exatamente igual, sem tirar nem por. Ver a alegria deles dois na quadra e fazendo o que amam é indescritível”.
Apesar de rodarem o mundo disputando os torneios de tênis, Carolina e Felipe Meligeni estão sempre em contato com a mãe. Por conta da pandemia, os dois estão na casa dos pais há algumas semanas e quando perguntados sobre o que pensam a respeito de Paula são enfáticos.
“É nosso espelho, nossa inspiração. O que ela faz junto com o nosso pai para que possamos jogar e chegar aonde estamos é indescritível. Todo o amor e alegria que ela nos passa é demais. Amamos ela muito”.
‘A bocha deu assas para eles’
Evelyn Oliveira e Anderson Oliveira sofrem de atrofia muscular espinhal, doença genética considerada rara e que as pessoas perderem o controle e a força dos conjuntos musculares do corpo. Precisando de uma cadeira de rodas para se locomover, os irmãos encontraram na bocha um caminho para viver.
Apesar de todo o preconceito e das dificuldades para as pessoas com deficiência na sociedade e no esporte, Margarida Oliveira, mãe de Evelyn e Anderson, encarou a entrada dos filhos no esporte de maneira muito tranquila. “Eles conheceram a bocha em um momento difícil na nossa vida. Antes do esporte eu quase não saia de casa com eles. Depois que começaram a praticar, a vida deles e a minha mudou por completo. A Evelyn e o Anderson não conseguem andar (por conta da deficiência) e a bocha deu assas para eles voarem pelo mundo”.
Como já vimos nas histórias contadas neste texto, mãe de atleta é doação. É saber que vai fazer tudo que pode e mais um pouco para que no fim o filho esteja lá competindo. Com Margarida Oliveira não é diferente. Por conta da deficiência, Evelyn e Anderson precisam de ajuda em muitas coisas, mas para Margarida isso está longe de ser um fardo.
“É a maior alegria da minha vida. Eu vivo para eles dois hoje. Desde acordar até dormir é uma série de coisas para que os dois consigam ser os melhores atletas na bocha. Ajudo nas coisas do dia a dia, alimento, ajudo a ir pro treino, levo em campeonato que eu consigo ir. O trabalho é dobrado, mas a alegria de ver eles bem e felizes é algo que eu não consigo colocar em palavras”.
Quando perguntados sobre como veem o que a mãe faz por eles, Evelyn e Anderson respondem, basicamente, a mesma coisa. “É a nossa melhor parceira. Independente de tudo, dos resultados, da vitória, da derrota, ela vai estar do nosso lado. Vai se desdobrar para fazer tudo que a gente precisa, vai fazer o dia dela virar dois para dar conta de tudo. É o melhor presente que Deus poderia ter nos dado”.
Elas fazem acontecer
Muitas vezes, quando falamos de atletas e paratletas, a história se limita a trajetória, a conquista, o esforço, a dedicação, a vitória e a derrota. Durante o processo desse texto, eu ouvi várias vezes que as mães, e os pais também, fazem as coisas acontecerem, fazem aquilo que ninguém vai ver.
Seja levando e trazendo dos treinos quando a escolha pelo esporte acontece, seja se desdobrando em dois, três, quatro ou em quantas forem preciso para que os filhos consigam ser o melhor que eles podem. Porque isso? Pois para as mães, seja nos tatames, mesas de tênis de mesa, quadras, campos, piscinas e ginásios, a maior medalha é ver os filhos felizes.
O jornalista que escreve esse texto já viu vitórias nos tatames dos Penalber, já viu as Takahashi se desdobrarem nas mesas do mundo, já viu os Meligeni vencer e perder sets em todos os cantos do planeta e já acompanhou um torneio todo de bocha paralímpica dos Oliveira. O jornalista que escreve esse texto é um alucinado por esportes. E tudo isso só aconteceu porque a mãe dele, que também teve trabalho dobrado, permitiu isso. “Vai lá e realize seu sonho meu filho, vá ser feliz na vida”.
De toda a equipe do Olimpíada Todo Dia, um feliz Dia das Mães.