Nos dias de hoje é comum ver negros como destaques em seus esportes nos Jogos Olímpicos. São casos de Usain Bolt, Simone Biles, Kobe Bryant, Serena Williams e Michael Jordan, apenas para citar alguns mais recentes. Mas nem sempre foi assim. Nos primórdios das Olimpíadas, o esporte era só para brancos e ricos. Aos poucos, no entanto, afrodescentes pioneiros como John Taylor, William Hubbard, Jesse Owens, Wilma Rudolph, Adebe Bikila, Cassius Clay e Adhemar Ferreira da Silva, entre outros, foram os responsáveis por mudar essa história.
Os Jogos Olímpicos da era moderna foram disputados pela primeira vez em 1896, fim do século XIX. Naquela época, o esporte era algo que fazia parte exclusivamente da cultura da classes dominante, tanto que o profissionalismo era proibido. Quem recebesse dinheiro para praticar alguma modalidade perdia o direito de estar numa Olimpíada. Tais regras tiraram de cena os cidadãos mais pobres, faixa da sociedade em que se encontra a maior parte da população negra, que, por questões de sobrevivência, não podiam se dar ao luxo de se dedicar a algum esporte sem ter incentivo financeiro.
ESTREIA VERGONHOSA EM 1904
Foi só na terceira edição dos Jogos Olímpicos, em Saint Louis-1904, que os primeiros negros participaram do evento. E foi de forma vergonhosa! Dois zulus semi-selvagens, Len Taunyane e Jan Mashiari, estavam na cidade para participar de uma exposição sobre a Guerra dos Bôeres, confronto armado que aconteceu na Cidade do Cabo, na África do Sul, e acabaram sendo colocados para correr a maratona. Ele disputaram a prova descalços e com chapéus de palha, provocando risos do público americano.
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Diante dos resultados esperadamente fracos de “atletas” despreparados e, por isso, desengonçados, uma edição da “Enciclopédia Britânica” da época usou o fato para argumentar sobre a suposta inferioridade dos negros no esporte, o que quase um século depois teóricos concluíram exatamente o contrário.
Ao saber da gozação para cima dos negros, o Barão de Coubertin soltou a profecia: “O negro, o vermelho e o amarelo ainda aprenderão a correr, a saltar e a arremessar muito melhor do que o branco”.
PRIMEIROS CAMPEÕES OLÍMPICOS
O criador dos Jogos Olímpicos tinha toda razão, tanto que em Londres-1908 surgiu o primeiro negro campeão olímpico. Especialista nos 400 m rasos, John Taylor ganhou a medalha de ouro no revezamento misto. A prova, disputada apenas nesta Olimpíada, era de 1600 metros (quatro voltas na pista), corrida por quatro atletas em distâncias diferentes. Os dois primeiros corriam 200 m, o terceiro 400 m e o último 800 m. Taylor correu a ‘perna’ dos 400m em 49s8 e o tempo total dos vencedores foi de 3m29s4.
Mas Taylor era exceção numa época em que esporte era ainda coisa de branco. Um campeão olímpico negro numa prova individual levou mais 16 anos para acontecer. O autor do feito foi William Hubbard no salto em distância em Paris-1924.
Para se ter uma ideia, as provas de velocidade, hoje completamente dominadas por negros, só foi vencida pela primeira por uma atleta da etnia em Los Angeles-1932. Eddie Tolan dominou completamente as provas de 100 m e 200 m rasos, conquistando a medalha de ouro em ambas.
A sacramentação dessa força em provas de velocidade veio em Berlim-1936, quando Jesse Owens faturou quatro medalhas de ouro ao ganhar os 100 m e os 200 m rasos, além do revezamento 4 x 100 m e o salto em distância, derrubando a teoria da supremacia ariana de Adolf Hitler, o fuhrer que comandava a Alemanha nazista, país-sede daquela edição.
A PIONEIRA NEGRA
Se era difícil sendo negro, imagine sendo uma mulher negra? O sexo feminino sofreu com grande resistência nos Jogos Olímpicos e o equilíbrio de gênero só ficou mais perto de acontecer a partir das edições do século XXI, embora, efetivamente nunca tenha sido alcançado.
Em Londres-1948, as mulheres eram apenas 9,5% dos 4.104 atletas inscritos para os Jogos. E foi exatamente nesta edição em que Alice Coachman fez história. Ao ganhar a prova do salto em altura, se tornou a primeira negra a ser campeã olímpica.
O Brasil teve sua parcela no crescimento negro no esporte. Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico no salto triplo em 1952 e 1956, foi fundamental. Depois vieram os também medalhistas na mesma prova, Nelson Prudêncio e João Carlos Oliveira, além de Servílio de Oliveira, bronze no boxe em 1968.
ASCENSÃO NA DÉCADA DE 60
Aliás, foi só na década de 60 que passou a ser mais “normal” ver negros se destacando no esporte. Nos Jogos Olímpicos de Roma-1960, três deles chamaram muita atenção. Wilma Rudolph, Abebe Bikila e Cassius Clay.
Conhecida como Gazeta Negra, Wilma Rudolph, que teve poliomelite na infância, subiu no alto do pódio nos 100 m, 200 m e revezamento 4 x 100 m. Na maratona, Abebe Bikila, membro da guarda imperial da Etiópia, entrou para a história ao correr descalço e bater o recorde olímpico e mundial da maratona.
Já no boxe, Cassius Clay, que chegou à capital italiana desconhecido, foi medalha de ouro. Era só o início da carreira daquele que é considerado o maior pugilista de todos os tempos. Mais tarde, ao se tornar muçulmano, mudou seu nome para Muhammad Ali. Um dos atletas mais conhecidos da história, ele foi homenageado em Atlanta-1996 em um dos momentos mais inesquecíveis da história das cerimônias de abertura.
RECORDE OLÍMPICO MAIS ANTIGO DA HISTÓRIA
Nos Jogos Olímpicos da Cidade do México-1968, que ficaram marcados por causa de protestos contra o racismo, Bob Beamon entrou para a história. O americano foi campeão do salto em distância com 8,90 m, marca que é até hoje o recorde olímpico, 52 anos depois. O desempenho dele é o segundo melhor de todos os tempos. O único que o superou foi o compatriota Mike Powel, que bateu o recorde mundial em 1991, 23 anos depois.
Com o passar do tempo, mais negros de destaque foram surgindo. Nos Jogos Olímpicos de Montreal-1976, Sugar Ray Leonard levou a medalha de ouro. Já Hasely Crowford, de Trinidad & Tobago, foi campeão dos 100 m rasos e se transformou no grande ídolo de seu país. Seis músicas foram compostas em sua homenagem. O atleta virou selo e até nome de avião.
Em Moscou-1980, aos 28 anos, o cubano Teófilo Stevenson conquistou sua terceira medalha de ouro seguida na categoria peso pesado do boxe. Tricampeão olímpico, tinha tudo para ser tetra em 1984, mas o boicote dos países comunistas aos Jogos de Los Angeles impediram a concretização do sonho.
CARL LEWIS IGUALA JESSE OWENS
Por outro lado, em Los Angeles-84, o norte-americano Carl Lewis igualou o feito de Jesse Owens, vencendo nos 100 m, 200 m, 4×100 m e salto em distância. Era o começo da carreira de um dos maiores atletas olímpicos de todos os tempos. Em quatro edições dos Jogos, ele ganhou dez medalhas, nove de ouro e uma de prata. Só no salto em distância, ele foi tetracampeão: 1984, 1988, 1992 e 1996. Ele é até hoje o negro que mais vezes subiu ao pódio dos Jogos Olímpicos.
Nos Jogos Olímpicos de Seul-1988, Anthony Nesty, do Suriname, quebrou o tabu em um dos esportes mais complicados para superar a segregação racial. Ao derrotar por um centésimo o favorito americano Matt Biondi, ele ganhou os 100 m borboleta e se tornou o primeiro negro a ser campeão olímpico na natação.
MAIOR TIME DA HISTÓRIA
Em Barcelona-1992, os astros da NBA foram finalmente autorizados a participar dos Jogos Olímpicos. Na quadra, os Estados Unidos colocaram em quadra o melhor time de todos os tempos em esportes coletivos. Craques negros como Magic Johnson, Michael Jordan, Scottie Pippen, Charles Barkley, Karl Malone e Patrick Ewing levaram os Estados Unidos à medalha de ouro.
Por falar em esporte coletivo, a Nigéria em Atlanta-1996 entrou para a história ao ganhar a medalha de ouro no futebol. A equipe, que tinha como destaques jogadores como Kanu e Okocha, derrotou o Brasil na semifinal e chegou ao título derrotando a Argentina na decisão.
Os Jogos de 1996 tiveram como astro negro Michael Johnson, que venceu os 200 m, quebrando recorde mundial que durava 17 anos, e os 400 m com 10 m de vantagem, a maior margem em um século. Quem brilhou também foi o canadense Donovan Bailey, que quebrou o recorde mundial dos 100 m, derrubando a hegemonia dos Estados Unidos.
Também em 1996, a África do Sul teve um negro campeão olímpico. O país, que ficou afastado dos Jogos por 32 anos por causa do apartheid, regime de segregação racial imposto pelos brancos, comemorou em Atlanta a vitória de Josia Thugwane, um segurança de minas de carvão, na maratona.
SÉCULO XXI
O século XXI veio com fenômenos negros como Usain Bolt, que em três Jogos Olímpicos, faturou nove medalhas de ouro. Foi tricampeão olímpico nos 100 m, 200 m e revezamento 4 x 100 m, mas teve uma delas caçada por causa de doping de um companheiro de equipe. Teve Kobe Bryant brilhando no basquete e Serena Williams faturando quatro ouros no tênis.
Mas ainda haviam tabus a serem quebrados. A ginástica artística também foi um esporte de difícil acesso aos negros por muitos anos. Por isso, Gabrielle Douglas entrou para a história em Londres-2012 ao ser a primeira afrodescendente campeã do individual geral nos Jogos Olímpicos.
Já no Rio-2016, Simone Biles, com apenas 19 anos, levou quatro ouros e um bronze. Em Tóquio-2020, que vai ser em 2021, a americana tem tudo para somar mais um punhado de medalhas e começar a se consolidar como uma das maiores da história.
Faltava, no entanto, uma mulher negra campeã na natação. Se Anthony Nesty quebrou o tabu entre os homens em 1988, Simone Manuel foi quem protagonizou o feito na Rio-2016 ao faturar duas medalhas de ouro.