Cresci cercado por pessoas ditas como normais. Isso foi até o primeiro dia de aula na quarta série. No início, achei o Arthur Costa estranho. Quando a gente é criança, a diferença causa impacto. Pudera, nunca tinha visto um garoto sem o braço direito. Na época, nem imaginava que alguém poderia escrever com a mão esquerda. De alma leve, brincalhão, simpático, agregador, Arthurzinho era como um ímã, que aproximava todo mundo ao seu redor. Cada vez que conhecia melhor menos conseguia enxergar a diferença física.
Ele fazia tudo que as outras crianças faziam, mas da sua maneira. Vejo que a limitação fazia ele mais eficiente do que todos da turma. Hoje, sei que sou privilegiado por ter ganho na loteria da vida ao nascer com duas pernas, dois braços, enxergando e ouvindo. Correr, subir escada, andar de bicicleta, nadar são coisas simples que faço sem pensar ou qualquer esforço. Porém, não é natural para todas as pessoas.
Na volta das férias de fim de ano, esperamos o Arthurzinho para brincar. Passaram dois, três dias e nada. Nunca mais o vimos. Falaram depois que tinha mudado para São Paulo com os pais. Ele foi embora, mas deixou marcas na geração da sala da 4ªC.
Vivi uma experiência em 2016 que mudou a minha forma de ver a vida. Foi entre os dias 7 e 18 de setembro, durante os Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que tive um contato intenso com pessoas com doença degenerativa, membros amputados, dificuldade motora, tetraplegia, distrofia, cadeiras de rodas, diferentes tipos de próteses.
Olhando para os meus conflitos internos, crise dos 30 anos, sentimento de vazio e ansiedade por um futuro distante, tive a impressão de que a tristeza não entra na pauta desses atletas. Por um momento, me senti um fraco por estar em crise existencial. Vi a valorização da alegria, vi pessoas se sentindo livres de verdade. Tive a impressão de que os atletas paralímpicos são movidos por um combustível especial fabricado para eles.
Vendo tudo aquilo, caiu a ficha de que todas as pessoas são iguais. A referência de autoimagem se desfez naqueles dias. O nadador Daniel Dias foi a pessoa mais eficiente que vi. Com um sorriso marcante, ele me mostrou que a aparência não nos define.
Daniel tem 31 anos. Eu, 33. Ele nasceu com má formação congênita nos membros. No pé esquerdo falta um dedo, a perna direita tem até o joelho, braço esquerdo tem só um dedo, no braço direito vai até o antebraço. Por outro lado, esteticamente eu sou normal. Daniel é um grande baterista. Eu, mal arranho as músicas de três acordes do Legião Urbana no violão. Ele é o maior atleta paralímpico de todos os tempos, com 24 medalhas na coleção. Eu, um grande sedentário.
Os Jogos Parapan-Americanos não são uma grande gincana entre os países, mas uma competição de alto nível. Os atletas me ensinaram a não baixar a cabeça para os desafios da vida, valorizar as pequenas coisas e viver dia a dia.
No próximo dia 23 de agosto os Jogos Parapan de Lima irão começar. A data me faz lembrar de Arthurzinho. Tentei imaginar como ele vive hoje. Será que gosta de esporte ou se pratica alguma modalidade? Com toda aquela energia na 4 série, ele daria um grande atleta paralímpico.