Toda cobertura jornalística tem um personagem típico: o Zé Rabugento. Ele tem cara de bonzinho, mas quando abre a boca é só reclamação. Nada agrada, tudo incomoda, tudo é um saco. É o indivíduo que chegou ao estágio na vida que é insaciável, nem o atendimento classe A de um restaurante 5 estrelas Michelin passa pela sua aprovação.
Não sei como aconteceu, mas quando percebi o que mais temia virou realidade. Olhei para o espelho no quarto de hotel e eu tinha me tornado o Zé Rabugento, na versão mais hardcore. Quando menos imaginei, eu já tinha começado a escrever o primeiro capítulo do “Diário de um Chato” nos Jogos Pan-Americanos.
Tudo começou ao imaginar o que eu iria enfrentar durante a Cerimônia de Abertura dos Jogos Pan-Americanos de Lima. Me deu calafrios só de imaginar tanta gente, estádio lotado, frio glacial, aquela confusão toda e o cansaço do dia seguinte. Os ingressos para a cerimônia são mais disputados do que o espaço para encaixar a bagagem de mão nos aviões brasileiros. Porém, o público nem imagina que a cerimônia de abertura é a festa típica para assistir pela televisão, sentado confortável na poltrona quentinha da sala de casa, e não ao vivo na arquibancada fria e dura.
A cerimônia é legal, porém chata. Primeiro você fica perdido, sem saber o que está acontecendo. Não tem um narrador, igual na televisão, explicando o que está ocorrendo no gramado do estádio. A realidade é dura, eu sei. O evento nem deveria ser chamar de festa. Parece mais um teatro, concerto ou algo assim. É sempre uma frustração para quem preferiu sair de casa para ir ao estádio.
A hora mais esperada é, por sinal, a mais enfadonha. É brochante ver milhares de atletas, de 41 países, entrando em fila indiana no Estádio, dando tchauzinho para torcida bem ao estilo Miss Brasil. Penso que o desfile das delegações deveria ser mais dinâmico, como os da escola de samba. Quem entrar com a melhor alegoria e empolgação já levaria para casa a primeira medalha de ouro dos Jogos, na prova de desfile de abertura. E os porta-bandeiras? Bem que poderiam ter um mestre-sala acompanhando.
Você pode esperar que não vai faltar gafes durante a apresentação, além de ter a oportunidade de assistir aquela banda famosa que você nunca ouviu falar. Tenho que dar o braço a torcer, mas o momento mais legal da cerimônia fica para o final, durante o acendimento da Pira Pan-Americana. Depois de percorrer o país inteiro, o fogo não tem mais chama para dar os últimos passos. E o mais importante, não precisa de ninguém explicar o que vai acontecer. Todos estão no Estádio para ver a pira acender, torcendo para não apagar. Não sei, deve ser a idade, estou ficando com espírito de velho. Não queria ser o tio do pavê que acaba com o sonho das crianças falando que Papai Noel não existe. Porém, a realidade tem que ser dita, mesmo de forma ranzinza. Pior, que os Jogos nem começaram e ainda faltam 20 dias de perrengues pela enfrentar.