Hoje em dia é comum ver meninas jogando futebol junto com meninos em escolinhas espalhadas pela cidade. Elas têm que dividir o campo por falta de número de jogadoras para treinar e montar equipes. Outro dia mesmo, fui assistir ao meu sobrinho Miguel, de 11 anos, na final da copinha da cidade, e lá, no meio da garotada, duas meninas desequilibraram a partida e garantiram o título para os garotos. Nessa idade, não existem diferenças físicas e técnicas entre meninos e meninas.
Na última semana estava lendo algumas notícias na internet quando vi uma matéria bem legal no The New York Times. O texto contava que pela primeira vez as equipes de futebol feminino sub-12 e sub-14 do Barcelona foram inscritas em ligas masculinas locais. Resultado: 30 jogos, 30 vitórias e 329 gols na competição. Bem ao estilo de Messi e companhia, os resultados na temporada não deixam dúvidas de que as meninas do Barcelona honram a camisa catalã.
Na Espanha, diferentemente dos times brasileiros em que meninas e meninos formam o mesmo time, a equipe toda feminina ao enfrentar outras equipes masculinas, mostra que, quando a diferença física é reduzida, elas não ficam para atrás tecnicamente. As regras do futebol espanhol estimulam que meninos e meninas possam jogar juntos até os 16 anos. A equipe feminina do Barcelona foi campeã na liga sub-12, com 14 pontos de vantagem, vencendo todas as partidas contra as equipes masculinas.
A maioria das pessoas que conheço e que não gosta de futebol feminino tenta justificar dizendo que não gosta por conta da “baixa” qualidade técnica das partidas. Pura contradição, pois são os mesmos que não perdem uma rodada da série A do Brasileirão masculino.
Faz tempo que o Brasil é uma das referências mundiais no futebol feminino. Nem precisa dizer que o principal ícone é a Marta. Se Pelé é o rei, Marta é a rainha. E a melhor jogadora de todos os tempos, seis vezes melhor jogadora do mundo e maior artilheira da história das Copas, com 15 gols em seis competições.
Por um longo período mulher e futebol eram palavras que não andavam juntas. É difícil de acreditar, mas neste ano foi disputada a primeira competição de base feminina no Brasil: o Brasileirão sub-18. Quarenta anos depois da revogação de um decreto que proibia as mulheres de praticarem o futebol por quase quatro décadas no Brasil, o país que revelou Marta para o mundo vive, enfim, um momento singular. Em 2019, a CBF e a Conmebol passaram a exigir que os principais clubes formem times adulto e de base. Com isso, multiplicaram-se peneiras para selecionar jogadoras em todo o Brasil.
Vale investir um tempo para ver o minidocumentário do site Hysteria sobre o momento histórico da modalidade a partir do enredo de duas jovens jogadoras. Lançado às vésperas da Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2019, o curta documental Geração Peneiras acompanhou o sonho de duas meninas que não medem esforços para um dia, quem sabe, vestir a “amarelinha”: a carioca Mariana da Silva, de 18 anos, revelação da primeira peneira feminina sub-17 da história do Flamengo; e a paranaense Kamile Pavarin, de 16 anos, jogadora sub-17 do Corinthians, um dos poucos times brasileiros que já contam com uma equipe feminina considerada de ponta.
O esporte é um espelho da sociedade. Assim como todas as dificuldades enfrentadas nas ruas, no mercado de trabalho e nas famílias, as mulheres têm que driblá-las dentro das quatro linhas. Ao longo dos anos, a presença de atletas mulheres em competições esportivas tem aumentado.
Mas, para chegar até o ponto de vestir a amarelinha da seleção, as meninas que sonham em ser jogadoras de futebol terão que fazer uma finta em muitos meninos e obstáculos na vida. No dia a dia, as mulheres sonhadoras têm que vencer o preconceito, os olhares tortos e a falta de incentivo.
Pelo menos, o meu sobrinho não se importa e nem acha estranho jogar contra as meninas. E o principal, os meninos não reclamaram das “canetas” que levaram entre as pernas das garotas.