O primeiro sinal de que tinha dado ruim foi quando tentei amarrar os cadarços do tênis. Senti logo a falta de ar quando abaixei e mal consegui fazer o nó no pé direito. Ofegante, tive que voltar à posição normal, para recuperar o ar. Respirei fundo e fui apertando a barriga até o quanto pude, para amarrar o pé esquerdo. Até achei que tinha perdido a fé, mas, graças ao bom Deus, consegui, enfim, calçar os tênis.
Já faz um tempo que amarrar o tênis é a melhor maneira de perceber que estou acima do peso. O tamanho da barriga é o termômetro que avisa que estou fora de forma. Não tinha mais como adiar, e fiz mais uma promessa: vou começar a correr na segunda-feira. Claro, disse mais uma vez a maior mentira consensual dos sedentários.
Quando o assunto é esporte no Brasil, o futebol é, sem dúvida, a paixão. Mas na hora de praticar, a preferência nacional é pela corrida de rua e pela caminhada. A corrida é, sem dúvida, o esporte mais democrático. Basta um tênis, disposição e vontade de correr, sozinho ou em grupo. Além do mais, todo mundo já praticou a modalidade, com intenção ou sem intenção. Seja nas brincadeiras de infância ou nos 100 metros rasos para pegar o ônibus atrasado.
Não é de hoje que admiro a arte de correr, principalmente a de pessoas que se aventuram em correr as maratonas. Recentemente li o livro “Do que eu falo quando eu falo de corrida”, do escritor japonês Haruki Murakami. Ele descreve a experiência de ser um corredor de longas distâncias – com os treinos duros, a força de vontade, a tentativa de superar as próprias marcas – e como a atividade física influencia sua vida e sua obra. Para Murakami, a corrida e a escrita se cruzam em diversos aspectos. Tanto o maratonista como o romancista têm de desenvolver concentração e perseverança para seguir em frente.
Murakami corre também as ultramaratonas de 100 km. No livro, ele escreveu, ao falar de uma experiência de correr a prova, que, ao se aproximar do 50km, sentiu uma ligeira mudanças física, como se os músculos das pernas começassem a se contrair. Ele revelou também coisas inusitadas, como a existência no mercado de tênis especiais para correr ultramaratonas da marca New Balance.
Entre os 55 e 75 km ele disse que se sentiu como um pedaço de carne passando pelo moedor. Ele tinha vontade de seguir adiante, mas o corpo se rebelava. “Eu me sentia como um carro tentando subir uma ladeira com o freio de mão puxado. Meu corpo parecia que começaria a se desmanchar para dali a pouco se desfazer completamente.”
Identifiquei-me muito ao ler os relatos de Murakami. Até achei, em alguns pontos, que ele estava escrevendo sobre a minha saga de correr os intermináveis 5km. Nos meus 33 anos de sedentarismo, a minha busca atual de atividade física não é pela saúde, é por estética, mesmo. Até agora todas as tentativas frustradas de praticar alguma atividade física começaram na segunda e terminaram na terça-feira. Comprava um tênis novo, ajustava o aplicativo Nike Run, baixava uma playlist boa e começava a correr. Bastavam os primeiros trotes da corrida para pensar que fosse mais sensato caminhar a correr. As pernas doloridas no dia seguinte eram mais do que motivo para desistir da torturar. Pensando bem, nem chegou segunda e já estou querendo desistir de correr, até amarrar os cadarços novamente ou tentar fechar o botão da calça.