Na mesa redonda do lado da churrasqueira, no quintal da casa da minha avó, batalhei para manter a invencibilidade dos últimos cinco anos. Sentados nas clássicas cadeiras brancas, primos, tios, avô e amigos tentaram interromper a minha carreira vitoriosa na tradicional partida de dominó na festa de fim de ano da família. É um dos meus momentos mais esperados do ano, pois é quando me sinto valorizado: todo mundo deseja ser meu parceiro de jogatina. Porém, nesta véspera de Natal, antes das tias velhas terminarem de assistir a Missa do Galo pela televisão, senti o peso de um campeão e vi a hegemonia correr risco.
Infelizmente, o dominó não é esporte olímpico. Se fosse, certamente eu e os coroas aposentados que passam o dia jogando na praça estariam na Seleção Brasileira. O jogo parece simples, mas não é. Com 28 peças retangulares, de madeira ou osso, vazias (zero) ou marcadas de um a seis, o jogo requer habilidade. A proposta é simples: você tem que casar os números e esgotar seu banco de reservas de peças para vencer. Gosto de dominó porque consigo exercitar a velocidade de raciocínio, o pensamento lógico, a percepção visual e a concentração ao mesmo tempo que tenho que distrair os adversários contando piadas e brincando.
Com o sertanejo universitário como trilha sonora ao fundo e crianças correndo entre as mesas, vi o sangue dos olhos dos adversários aumentar a cada caroço de feijão que contabilizava as minhas conquistas. Foi naquela mesa de plástico que senti que a vitória é um bicho traiçoeiro. Quando picado por ela, você sente obrigação de repetir o sucesso. Você cria expectativa nas pessoas e cai na ilusão de que tem o controle sobre a glória. Foi quando meu avô, que estava observando as partidas calado, levantou e bateu no meu ombro e falou: “a expectativa é a mãe da decepção”.
O ano de 2019 será de muita expectativa. A cidade de Lima, no Peru, vai receber os Jogos Pan e Parapan-Americanos. Tradicionalmente, os atletas brasileiros voltam para casa com as malas repletas de medalhas. Os diversos campeonatos mundiais das modalidades e as últimas vagas para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 irão criar falsas esperanças de pódios nas olimpíadas no anos seguinte.
Foi assim nos últimos Jogos. Criamos expectativas com muitos atletas que terminaram o evento no Rio de Janeiro sem medalhas. Sarah Menezes subiu no tatame para defender o título olímpico conquistado quatro anos antes. Perdeu para a cubana Dayaris Mestre Alvarez nas quartas de final e foi superada pela mongol Urantsetseg Munkhbat na repescagem. Erika Miranda (judô), Robert Scheidt (vela), Fabiana Murer (atletismo), Pedro e Evandro (vôlei de praia), Talita Antunes e Larissa França (vôlei de praia) e o vôlei feminino foram outras frustrações que tivemos que engolir. Claro que os atletas não foram o problema, mas a expectativa sobre eles. No esporte a vitória e a derrota andam juntas e o favoritismo não garante medalha.
Foi aí que o dominó me ensinou a conviver com a pressão esportiva. Vencer tem o sabor doce e quando você tem que manter o status ele logo azeda. Porém, o roteiro da vida acaba surpreendendo sempre. Com uma quina nas mãos, senti, depois de muito tempo, o gosto da derrota. Foi assim que percebi que para não ser refém do sucesso você tem que reconhecer que o fracasso é muito mais normal do que a glória.