Quando criança, todas as vezes que me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse, a resposta estava na ponta da língua: adulto. E que fosse logo. Achava a infância chata, maçante. A minha infância foi tão maravilhosa quanto a de qualquer outro mentiroso. Deve ser por isso que não lembro de boa parte dela, um caso de amnésia seletiva.
A infância é muito mais bonita quando a gente fica mais velho. Li na semana passada que um grupo de cientistas internacionais descobriu que crianças são capazes de gastar energia o dia todo sem ficar cansadas. Não precisava fazer pesquisas, gastar tempo e dinheiro, bastava passar uma semana lá em casa com os meus dois filhos, de um ano e meio e outro de cinco anos, para comprovar a tese. De acordo com o estudo, as crianças têm preparo físico comparável ao de atletas de alta performance de modalidade de resistência. Então, sou um ponto fora da curva: eu sempre tive um preparo físico de jornalista.
Lembro que na época todas as minhas investidas no esporte foram frustrantes. Não era por menos. Quando completei 10 anos eu tinha corpo de sete. Quando cheguei aos 15, parecia que mal tinha completado 12. Tenho uma recordação que acredito ser dos 13 anos: meu pai me colocou na escolinha de futebol no campão de terra da quadra 15, na cidade de Sobradinho. Acostumado a jogar golzinho na rua, foi a primeira vez que me aventurei em campo nunca tinha jogado em um campo tão grande.
Com meu porte físico raquítico, o treinador teve a brilhante ideia de me testar na lateral direita no meu primeiro jogo-treino. Depois de alguns minutos me escondendo em campo e vendo a bola de longe, um infeliz percebeu que eu estava próximo, virou para o meu lado e me deu um passe perfeito. Abusado, dominei a bola e não pensei duas vezes: fui para o ataque.
Não contava que os outros garotos, todos maiores do que eu, viriam correndo para tomar a bola. Nunca corri tanto na minha vida com medo de ser atropelado. Na minha cabeça o lance futebolístico tinha virado questão de vida ou morte. Corri tanto que deixei a bola para trás e só parei no matagal que ficava depois do gol. Sobrevivi à jogada, mas foi a morte precoce da minha carreira de jogador.
Tudo isso para dizer que admiro, com espanto e respeito, crianças que dedicam horas a treinamento e repetições de movimentos. No geral, a infância é vivida sem horários, muito videogame, dormir e acordar tarde, muita brincadeira e alimentação sem preocupação. Já para os que escolhem o esporte desde cedo, é preciso seguir uma alimentação regrada, uma rotina controlada, treinos intensos e, em geral, extensos.
A ginástica, por exemplo, é um esporte sinônimo de infância. Aos 20 e poucos anos os atletas são considerados da terceira idade. A primeira vez que vi a ginasta Flávia Saraiva, ela era uma veterana de 14 anos. Tinha jeito de criança, na estatura e na fala, mas quando entrava em ação não tinha para ninguém. Hoje, aos 19 anos, ela é um grande nome do esporte nacional. No fim de semana, ficou perto do pódio e terminou em quinto lugar no Campeonato Mundial de Ginástica Artística em Doha, no Qatar. A única medalha do Brasil veio com Arthur Zanetti, 28 anos, que conquistou o quarto pódio em sete edições da competição. O paulista levou prata nas argolas.
Flavinha e Zanetti tiveram que cumprir todo o protocolo de esforço e de foco até chegar onde chegaram. Todo atleta olímpico de hoje começou lá atrás, na infância, dedicando tempo e energia. Sempre gostei de pular e de não de cumprir etapas. Deve ser por isso que achava a infância chata. E é por isso também que não me tornei um atleta.