A polêmica demissão de Jorge Bichara, diretor de esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB), considerado o grande responsável pelo recorde de medalhas do país nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, está no centro do racha político existente dento da entidade. Antes aliados, o presidente Paulo Wanderley e o vice Marco La Porta se transformaram em adversários e possivelmente devem se enfrentar nas eleições de 2024. Como não tem como se livrar do opositor, que não pode ser demitido por ter sido eleito ao cargo, o mandatário tenta enfraquecê-lo e isolá-lo, tirando da jogada os aliados do rival.
“O que eu sei é que eu não fui consultado, eu não estava sabendo, fiquei sabendo junto com todo mundo e discordo da decisão porque eu acho que o trabalho que o Bichara vinha fazendo era claramente excelente. Vou conversar com o presidente nesta quarta-feira, mas eu já falei para ele por mensagem que não vai ter explicação dele que vai me convencer de que foi a decisão correta. A gente precisa continuar esse trabalho e agora vamos dar dez passos para trás com a saída do Bichara. Não podemos deixar que a política destrua tudo isso que vem sendo feito”, reclama Marco La Porta.
TRIO QUE INCOMODAVA
O fato é que Jorge Bichara era muito próximo de Marco La Porta, que foi o chefe de missão das vencedoras delegações brasileiras dos Jogos Pan-Americanos de Lima-2019 e dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. Os dois e a então diretora de comunicação e marketing, Manoella Pena, que deixou o cargo no final do ano passado por questões pessoais para acompanhar marido em um doutorado na França, faziam parte do núcleo que costumava questionar o presidente nas reuniões de diretoria.
Mas o sucesso de Jorge Bichara, que acompanhava muito de perto o trabalho dos atletas, lhes dando o suporte necessário para trazer os resultados esportivos nunca antes alcançados, e de Manoella Pena, que comandou uma revolução na comunicação do COB, com a explosão de seguidores nas redes sociais e o lançamento do Canal Olímpico do Brasil, e no marketing, fechando uma série de patrocínios, fizeram Paulo Wanderley não tomar nenhuma atitude contra eles, mas os conflitos eram recorrentes.
LA PORTA CANDIDATO
A situação piorou quando Marco La Porta afirmou internamente que gostaria de ser candidato à presidência do COB. O vice, no entanto, não esperava se transformar em oposição. Ele acreditava que era o caminho natural ser o nome da situação na eleição de 2024 após o segundo mandato do presidente. Mas Paulo Wanderley não entende assim. O atual mandatário não diz publicamente que vai concorrer, mas, dentro da entidade, poucos são aqueles que acreditam que isso não vá acontecer.
O estatuto do COB só permite uma reeleição, mas Paulo Wanderley alega que só foi eleito uma vez, ano passado, já que em seu primeiro mandato ele substituiu Carlos Arthur Nuzman, de quem era vice, que renunciou em 2017 por causa de denúncias de corrupção após 22 anos no poder. Apesar dos questionamentos que possam vir a respeito do argumento, a Justiça já abriu precedente ao autorizar outros dirigentes de Confederações a concorrer ao terceiro mandato em situações semelhantes.
“Parece que é legal o Paulo Wanderley ser reeleito porque ele só foi eleito uma vez, mas não é moralmente correto, né? Vai contra tudo o que ele precisou colocar em prática em relação à governança e compliance quando assumiu o cargo”, reclama uma pessoa ligada ao COB, que preferiu não se identificar.
ADVERSÁRIO ISOLADO
Diante disso, Paulo Wanderley tem feito de tudo para isolar Marco La Porta, que já sentiu isso e procurou conversar com o presidente o ano passado para que as divergências políticas não atingissem a parte esportiva. “Eu tive uma conversa com o presidente no final do ano passado para não transformar esses dois anos e meio em um inferno dentro do COB. Me propus a ficar quieto no meu canto e deixar ele fazer do jeito que ele quisesse. O que eu queria era blindar o esporte para não atrapalhar os resultados de Paris. Isso não podia chegar ao esporte, mas agora chegou. A partir do momento que chegou no esporte está deflagrado o processo. Agora eu não tenho mais porque ficar quieto”, garante Marco La Porta.
JORGE BICHARA NO ALVO
O racha político chegou no esporte no momento em que a estratégia de Paulo Wanderley passou a ser minar os poderes de quem costumava desafiá-lo. O alvo era Jorge Bichara, que, fortalecido pela campanha recorde de Tóquio, não baixava a cabeça para o presidente.
Disposto a reduzir a força de Jorge Bichara, Paulo Wanderley levou a ele a ideia de dividir o departamento de esportes. A sugestão era que Christian Trajano, atual gerente de Educação e Controle de Doping, assumisse a parte médica, tirando de Bichara o controle do Laboratório Olímpico, dedicado a usar a ciência do esporte na preparação dos atletas.
Jorge Bichara, mais uma vez, peitou o presidente e não concordou com a ideia. A primeira conversa aconteceu em dezembro do ano passado e os dois ficaram de conversar novamente. Pelo jeito, o novo papo foi nesta terça-feira, a gota d’água para a saída do diretor de esportes.
SOLIDARIEDADE DA COMUNIDADE
A notícia se espalhou rapidamente e, antes mesmo de terminar de retirar as coisas de sua sala, Jorge Bichara recebeu a solidariedade de personalidades do esporte olímpico como Torben Grael, Renan, Bernardinho e José Roberto Guimarães, que telefonaram para o ex-diretor de esportes. Vários atletas também mostraram indignação e protestaram nas redes sociais, enquanto confederações que trabalhavam diretamente com Bichara enviaram mensagens a Paulo Wanderley pedindo explicações sobre a demissão.
Apesar da importância do cargo que era de Jorge Bichara, o COB preferiu não se pronunciar. Divulgou apenas uma nota curta e grossa: “O Comitê Olímpico do Brasil comunica que Jorge Bichara deixa seu quadro de colaboradores nesta terça-feira. A entidade agradece ao profissional pelos serviços prestados ao longo de sua trajetória. De maneira interina, a área de Esportes fica sob responsabilidade do diretor-geral, Rogério Sampaio”.
“A comissão de atletas do COB precisa cobrar uma posição clara e transparante do presidente. Por que demitiu? Qual a razão?”, acredita Marco La Porta.
“O que posso dizer em nome da comissão é que não sabemos de muita coisa. Fomos avisados e sentimos a saída dele por reconhecer a importância do trabalho dele tão próximo aos atletas né?
Treinamento, viagens, competições… Era tudo relacionado à diretoria dele. Agora, o que a gente tem comentado internamente é: Faltam dois anos e meio pros Jogos e alguém deve chegar pra assumir essa diretoria de tamanha importância. Torcemos para não haver dano nas temporadas de treinos, competições e classificações dos atletas”, espera Yane Marques, presidente da Comissão de Atletas do COB.
REPÚBLICA DO JUDÔ
A saída de Jorge Bichara deve ampliar os poderes da chamada “República do Judô”. Presidente da Confederação Brasileira da modalidade de 2001 a 2017, Paulo Wanderley tem enchido o COB de pessoas da sua confiança e que trabalharam com ele na CBJ.
Por conta disso, a expectativa é a de que Kenji Saito, que era coordenador técnico das categorias de base da CBJ e que hoje trabalha como gerente executivo de Desenvolvimento Esportivo do COB, deva ser o escolhido para o lugar de Jorge Bichara.
A tendência natural, no entanto, era que Sebastian Pereira, gerente executivo de alto rendimento, assumisse a direção de esportes, mas, apesar de ser ex-atleta de judô, ele é visto com desconfiança por Paulo Wanderley porque era o braço direito de Jorge Bichara.
MAIS DEMISSÕES?
Com a saída de Joge Bichara, que estava há 17 anos no COB, Paulo Wanderley tem agora uma diretoria totalmente indicada por ele, sem ninguém para contestá-lo. “Não são diretores, são cordeiros. Paulo Wanderley acaba envenenado pelo poder e se cega. Já o Rogério Sampaio, que traz muitas qualidades de campeão olímpico, em vez de atuar como CEO para contrapor, provocar e evoluir, fica pedindo benção a tudo. Eles dirigem juntos e desvirtuam o papel presidente/CEO esperado pela boa governança”, reclama a pessoa ligada ao COB, que preferiu permanecer no anonimato.
Mais demissões, no entanto, devem acontecer em outras áreas. Pessoas que trabalham internamente no COB e no CT Time Brasil e eram muito ligadas ao antigo diretor de esportes estão preocupadas porque acreditam que estão com a cabeça a prêmio.