Paola Reis, atleta do ciclismo BMX, e seu técnico Leonardo Gonçalves estão insatisfeitos com as condições de treino que possuem e com a forma que estão sendo tratados. Os dois reclamam da CBC (Confederação Brasileira de Ciclismo) de falta de estrutura para a preparação aos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. Por outro lado, a entidade se defende com argumentos que contradizem os discursos de ambos.
+ Briga por vaga olímpica faz Andinho mudar estratégia e foco
A ciclista, 12ª do ranking e, atualmente, a melhor brasileira na lista, espera participar da Missão Europa para treinar em Portugal na retomada de atividades de alto rendimento. A atleta e seu treinador resolveram se posicionar após uma das matérias que o Olimpíada Todo Dia produziu em seu especial com projeções para Tóquio daqui a um ano.
Em entrevista ao OTD, o gestor de alto rendimento da CBC, Fernando Firmino, declarou que a entidade tem como objetivo a participação em uma final olímpica no ciclismo BMX. No entanto, Paola Reis acredita que tem potencial para ir além, mas vê seu sonho distante.
Final ou medalha olímpica?
“Final olímpica? Acredito no meu potencial e que posso conseguir uma medalha de qualquer cor. Mas o sonho está distante e isso me desanima todos os dias. Tudo é bonito no papel e na forma que a Confederação mostra na imprensa, mas a realidade é outra. Sou uma atleta profissional treinando em um ambiente e condições de estrutura de iniciante e amador”, afirmou Paola Reis, de 21 anos, em entrevista exclusiva ao OTD.
+ Coronavírus faz CBC cancelar competições do Brasil em 2020
“O Fernando falou que o objetivo é chegar à final olímpica, mas acredito que os atletas e os treinadores pensam diferente. Eles pensam em chegar na final e disputar uma medalha. Estão todos se preparando para chegar o mais próximo possível disso. Mas a CBC não está oferecendo a estrutura necessária, pelo menos para nós, para pensarmos em conquistar uma medalha olímpica. Temos que ser realistas”, disse Leonardo Gonçalves.
CBC se posiciona
A CBC, por meio de sua assessoria de imprensa, se posicionou em relação às declarações de Paola Reis e do técnico Leonardo Gonçalves. “Reconhecemos o possível talento da Paola e, apesar dela contestar as condições oferecidas, sempre foi apoiada da melhor forma possível pela CBC e pelo COB, pois todos os projetos sempre foram e são realizados de forma coordenada entre as duas entidades”.
+ Calendário é atualizado com competições em novembro
A CBC enviou ao OTD o que seriam emails da atleta Paola Reis e do treinador Leonardo Gonçalves destinados à entidade em que mostram a má utilização dos recursos e falta de comprometimento com os treinos. Dois deles, de Leonardo Gonçalves nos dias 19 de novembro de 2019 e 2 de julho de 2020.
“A atleta Paola não está seguindo as recomendações para evitar a contaminação do Covid-19. Nos meus registros de treinamento de força, a atleta no período de outubro 2019 a junho 2020, realizou 03 sessões com o meu acompanhamento presencial e 02 sessões sozinha. Total de 05 sessões na academia em 10 meses. Não tem como enviar um relatório de treinamento do período de recebimento do recurso da CBC, será um relatório falso e mentiroso”.
“Precisam cortar algumas regalias oferecidas pelo Presidente, ela está utilizando como escudo por causa do dinheiro e não escuta as outras pessoas. Nenhum recurso da bolsa para treinamento e das diárias de viagem da Austrália foram gastos com preparação, aquisição de equipamentos e transporte para treinos. A atleta tem se comportado como amadora, sem disciplina e sem compromisso em alcançar grandes resultados para o País”.
Sem condições ideais
Leonardo Gonçalves e Paola Reis trabalham diariamente na pista de BMX Tertuliano Torres, em Salvador (BA), perto da praia do Corsário. Sem as condições ideais, o técnico tem feito adaptações para que sua atleta continue sua preparação focada nos Jogos de Tóquio-2020 e nas principais competições da modalidade. Por falta de estrutura adequada, os treinos em determinadas ocasiões são realizados com improvisações.
+ Competições adiadas complicam Stevaux na qualificação do BMX
“A estrutura de preparação que temos hoje está longe da ideal e da realidade da modalidade. Nós treinamos em um gate de 1,5 m para ela correr no supercross de 8 m. Na pista oficial, a ciclista chega à velocidade de 55 a 60 km/h nos primeiros quatro segundos e aqui em Salvador ela não atinge isso porque o gate é baixo e também a gente está perto da praia e venta bastante. Está bem longe das condições ideais”, explicou o treinador.
+ Nova qualificação do MTB e do BMX acirra disputa interna
“Para participar das provas, a Paola treina bastante ladeira. É um local que passa bastante carro e escolhemos os horários que tem menos pico para que ela possa treinar descida em alta velocidade e simular a sensação de uma largada de supercross. No Brasil existem duas pistas: em Londrina e no Rio de Janeiro. A de Londrina está fechada agora por causa da pandemia, mas será a única opção para treinar”, acrescentou Leonardo Gonçalves.
Entidade nega falta de suporte
A CBC admitiu que está ciente das limitações que todos os atletas enfrentam para treinar no Brasil e das condições da pista de Salvador. Entretanto, repassou o conteúdo de um email em que o treinador Leonardo Gonçalves teria dito que seria possível treinar na cidade. “Mesmo com todas as limitações da pandemia pelos decretos municipal e estadual, é possível treinar em Salvador tanto na pista de BMX, Sprints e Academia”.
+ Focada em Tóquio, Valéria Kumizaki tem na fé a sua fortaleza
A entidade afirma que tem apoiado a atleta. “O suporte está sendo oferecido já tem bastante tempo. Antes do Mundial de 2018 em Baku no Azerbaijão, foi oferecido para a atleta treinar no Centro Mundial de Ciclismo da UCI, localizado na Suíça e reconhecido como principal referência internacional. O técnico Leonardo proibiu a ida dela alegando que só permitiria se ele fosse junto, o que não é permitido por regras do centro, ou seja, desperdiçou uma grande chance”.
Pedido de ajuda
Para ter as condições adequadas, Paola Reis teria que deixar Salvador, algo que, de acordo com o técnico, já foi solicitado. De acordo com o treinador, a CBC tem oferecido à sua atleta o mesmo suporte em comparação com as demais ciclistas. Desta forma, a entidade possibilita que a competidora participe de competições da Copa do Mundo, Pan-Americano e Mundial. Porém, segundo ele, nas demais provas a atleta tem que participar com recurso próprio.
+ Renato Rezende realiza sonho ao construir pista de BMX em casa
“Teria que mudar a residência da atleta e isso é algo que temos solicitado à CBC, para que ela fique mais próxima de um local de treinamento que ofereça estrutura básica de pista que evite acidentes e possibilite que alcance resultados. Tem situações aqui em que preciso puxar a Paola com a moto. Ela segura na bicicleta e na moto e depois solta a moto e pega no guidão para sprintar e ter a sensação de velocidade”, contou o técnico.
Disposta à mudar
“A estrutura do dia a dia não está sendo oferecida. Não tem estrutura para treinamento, pagamento ao treinador e suporte para que o técnico possa estar ao lado da atleta monitorando e controlando a carga de treino. Isso eles não estão oferecendo não”, destacou Leonardo Gonçalves. Por conta dessa situação, a ciclista se mostrou disposta a deixar a Bahia para poder se preparar da maneira adequada visando seus objetivos
+ Após adiamento, Mundial de BMX no Texas é cancelado
“O sistema te obriga a ter resultados se não ninguém te reconhece, mas do que adianta tê-los se quem deveria valorizar fica dificultando. Preciso cobrar o tempo todo por um direito de treinar bem, ter o meu espaço e focar só no esporte. Vejo atletas e treinadores, de várias modalidades, morando em centros esportivos de alta qualidade. Já pedi ao COB (Comitê Olímpico do Brasil) e à CBC, mas parece que não acreditam que sou capaz”, reclamou a atleta.
+ Anéis olímpicos são retirados da baía de Tóquio para inspeção
“Gostaríamos de deixar registrado que a atleta reivindica falta de recurso, mas ela teria direito a Bolsa Pódio oferecida pelo Governo Federal, no valor de R$ 8.000,00 mensais desde o ano passado, bolsa essa que seria renovada por mais uma ano até os Jogos Olímpicos de Tóquio (2021), totalizando um valor de R$ 192.000,00, mas por não entregarem a documentação solicitada no prazo determinado, a Paola perdeu o direito a bolsa. Vale citar também que a CBC entrou em contato, por diversas vezes com o treinador alertando para a importância do cumprimento do prazo”, disse a CBC.
Descaso
Paola Reis comentou que se acidentou no Mundial de 2016, na Colômbia, e que poderia ter recebido ajuda para pagar a cirurgia. Na ocasião, a atleta do ciclismo BMX quebrou o fêmur e disse não ter sido assistida pelas entidades. “Me largaram e não acreditaram que um dia eu daria a volta por cima. Hoje estou disputando uma vaga olímpica, ganhei a medalha de prata em Lima e sou a atual campeã brasileira”, afirmou a atleta.
+ Percurso do Giro d’Italia tem como atração a volta de Milão
A ciclista baiana passou a aparecer com destaque no cenário mundial em 2018. E, no ano seguinte, Paola Reis conseguiu fazer duas finais em etapas da Copa do Mundo de BMX, com aparição em mais quatro semifinais e terminou na 23ª colocação no Mundial. Entretanto, o melhor resultado do ano ainda estava por vir. Nos Jogos Pan-Americanos de Lima, a atleta terminou com a medalha de prata.
Esmola?
Paola relatou que, apesar dos resultados relevantes, sua realidade não sofreu alterações e que em outros países os atletas não aceitariam essas condições. “Nenhuma atleta de BMX no mundo que pensa em ser medalhista olímpica aceitaria, sem questionar, treinar nas condições que treino. Já são quatro anos e a minha sensação é de ficar pedindo esmolas para dar resultados para a Confederação e meu país”, disse a ciclista.
+ Volta da França muda data para não coincidir com Tóquio-2020
“A CBC não tem dado o suporte que precisamos. É complicado toda hora ficar pedindo o básico. Fica a sensação de que estamos pedindo esmolas e migalhas o tempo inteiro. E as coisas não deveriam ser assim. Ela é a atual campeã brasileira, medalha de prata no Pan-Americano e finalista de duas etapas de Copa do Mundo no ano passado. São resultados importantes que deveriam nos credenciar a ter um apoio melhor”, desabafou o técnico.
CBC nega abandono no acidente
“A atleta em momento algum ficou desassistida após o acidente, inclusive um dos responsáveis da confederação no evento permaneceu com ela no hospital colaborando no que fosse possível, mesmo na época ela não sendo da seleção brasileira. A confederação esteve presente durante todo o processo acompanhando a atleta nos procedimentos que ficaram sob responsabilidade da seguradora contratada no ato da inscrição”.
+ Brose busca vaga em Tóquio para ganhar ‘a medalha que falta’
A CBC cita casos que contestam o que a entidade chamou de argumentação controversa. “No fim do ano passado foi montado um projeto para a atleta competir no Chile e, sem justificativa nenhuma, ela não se apresentou no momento do embarque, mesmo tendo recebido as diárias de viagens. Projetos não realizados nos geram prejuízos, pois o valor integral não é passível de ser ressarcido pelas companhias aéreas”.
“Esta mesma atitude voltou a se repetir no projeto subsequente de viagem, só que desta vez no início deste ano para a Austrália, onde ela também tinha passagens compradas e diárias depositadas, entre outros recursos e o embarque não aconteceu por parte da atleta, deixando um grande prejuízo para a confederação e evidenciando o relato do treinador quando enfatizou a falta de comprometimento por parte da atleta”.
Desejo de ir à Missão Europa
Mesmo com as dificuldades, a ciclista quer fazer história na modalidade e deseja ser inserida pela CBC na lista dos atletas que irão para a Missão Europa, em Portugal. “Hoje sou uma atleta de elite, mas em algum momento a idade não permitirá. Porém, os resultados que posso conseguir podem mudar a realidade e ficar na história do BMX e do ciclismo brasileiro para sempre”, disse Paola Reis.
+ Maior nome da modalidade, Lauro Chaman busca ouro em Tóquio
“Meus treinos na pandemia estão acontecendo nas estradas com bike speed, em casa com pesos e barras enferrujadas, sprints e pista de BMX nos finais de semana. Espero participar em algum momento da Missão Europa, do COB, para poder treinar na pista de supercross de Portugal”, acrescentou a atleta baiana.
+ Na elite há quatro anos, Avancini é sério candidato no MTB
A ciclista revelou que, em 2020, recebeu ajuda financeira nos meses de fevereiro, março e abril, mas que faltou o pagamento em maio para se preparar aos Jogos de Tóquio. Mas ela acredita que só dinheiro não é o suficiente. “A medalha dos Jogos Pan-Americanos não mudou nada em relação a apoio na Confederação”, disse Paola Reis, que espera um reconhecimento além do aspecto financeiro.
Cotada para a Missão Europa
A CBC foi questionada pelo OTD se Paola iria ou não para Portugal. “A atleta está cotada para Missão Portugal e já foi inclusive informada que iria. No entanto, como ela estava há 10 meses sem treinar, foi combinado dela fazer o condicionamento básico aqui no Brasil por 8 semanas, e após este período ela embarcará para Portugal e passaria a integrar a delegação. Isto para preservar a saúde da atleta, minimizando os riscos de lesões e adquirindo o mínimo condicionamento para suportar os treinos intensos e específicos de forma responsável”.
Apoio estrutural
“O COB ofereceu oportunidade igual aos atletas para participar das competições no período de classificação. Mas a minha realidade é diferente, o dia a dia, e eles ou não entendem ou não querem colaborar. Recebi uma ajuda de custo mensal de R$ 1 mil em fevereiro e R$ 2 mil em março e abril, mas faltou pagarem R$ 2 mil em maio. E o dinheiro não é o suficiente porque preciso de uma boa pista de BMX para treinar largada”, afirmou.
+ Henrique Avancini aposta no mental para chegar forte em 2021
“Como vou fazer final olímpica treinando em uma largada de 1,5 m de altura e na competição descer em uma de 8 m contra as melhores do mundo? Não quero ser tratada assim. Preciso de oportunidade de me preparar. Sou eu quem corro risco quando subo no gate de 8 metros e, quando vou para o hospital, sou eu quem sinto a dor”, destacou a ciclista.
Em relação ao aspecto financeiro, a CBC deu a sua explicação sobre a situação. “O pagamento de maio ficou pendente devido a não prestação de conta por parte da atleta, conforme documentado através dos contatos feitos com a mesma”.
Confiança no treinador
A prova do BMX Racing é realizada em uma pista de supercross, com gates de largada de 8 metros e obstáculos mais largos e altos, por isso, só pode ser usada por esportistas de alto rendimento. No Brasil existem duas com essas características: uma em Londrina e a outra em Deodoro, no Rio de Janeiro, a mesma que foi utilizada na Olimpíada Rio-2016. No momento, ela está praticamente inativa.
+ UCI tenta achar nova sede para o Mundial de Estrada
“Eu só conheço a pista do Rio de Janeiro por foto e vídeo. Estou com o mesmo treinador há dez anos e confio nas estratégias, análises de corrida e nos treinos específicos dele. E ele sempre esteve do meu lado nos momentos difíceis. Por um momento joguei tudo para cima pela falta de estrutura e fui me divertir. Em um dia eu estava em um país que o BMX é forte competindo com as melhores e no outro estou sem expectativa de mudança”, disse Paola Reis.
Treinos com adaptações
De acordo com a ciclista, CBC e COB ajudam a participar das competições, mas não pagam ao seu treinador e nem oferecem a estrutura do dia a dia para treinos em um centro de alto rendimento apropriado.
+SIGA O OTD NO YOUTUBE, NO INSTAGRAM E NO FACEBOOK
“Treino em uma ladeira dividindo espaço com os carros. Em Salvador, o vento atrapalha porque a pista de BMX fica à beira-mar. Sou muito grata pelo que o governo da Bahia me proporcionou e, se hoje tenho esses títulos, foi devido a esse apoio”, apontou.
“Já pedi para morar fora do Brasil onde tem estrutura para competir com as melhores e o tempo vai passando e nada acontece. No momento eu e o meu treinador estamos nos virando para treinar. As chuvas danificaram a pista de Ciclismo BMX de Salvador e estamos limitados. Fui treinar na semana retrasada e acabei caindo por causa das condições da pista”, concluiu Paola Reis.
CBC se diz aberta ao diálogo
“Reconhecemos o trabalho do Leonardo, mas o técnico da Seleção Brasileira de Ciclismo BMX Racing é o francês Thomas Allier, reconhecido internacionalmente por ter sido Campeão Mundial como atleta e atualmente ser treinador de atletas de nível Mundial e medalhistas Olímpicos. O mesmo está à disposição para atender todos os atletas e treinadores que integram a Seleção Brasileira”.
“Para finalizar, continuamos acompanhando a atleta e foi determinado um prazo para a entrega de relatórios relacionado a sua atual condição física. Através dessas informações estaremos nos reunindo com o COB para avaliar a situação e definir os próximos passos. A situação é difícil para o esporte olímpico brasileiro nesse momento. De qualquer forma, a CBC continua empenhada e aberta ao diálogo com os atletas para, em parceria, buscarmos as melhores soluções”.
Clique aqui para ler o posicionamento completo da CBC