“Valeu a pena!” Eram 4h30 da manhã de terça-feira (13), quando Henrique Avancini voltou para o Brasil, depois de um período para lá de especial na Europa. Campeão pela primeira vez da prova de cross country olímpico na Copa do Mundo de Mountain Bike, o atleta pisou em solo brasileiro já como líder do ranking mundial, mais um feito inédito para carreira e o país.
Mas se engana quem pensa que o caminho para chegar até aqui foi fácil. Para ser o melhor ciclista da história do Brasil, Henrique Avancini, do Time Ajinomoto, precisou superar obstáculos, muitos deles mentais, para provar para si e para o mundo que ele era capaz de competir no mais alto nível e conquistar as mais altas glórias. E toda essa trajetória, além de valer a pena, fez toda a diferença.
“A ficha ainda não caiu! Foi muito intenso, porque por muito tempo, foi algo muito distante para mim. Eu fui me aproximando, era uma coisa que já estava ao meu alcance há algum tempo, e eu vinha tentando, tentando. E aí vencer a prova daquela maneira, com uma disputa direta com o cara que é o melhor da história (Nino Schurter)… Foi um turbilhão de emoções quando eu cruzei a linha de chegada. Passaram alguns filmes na cabeça, não conseguia parar de chorar. Só fui conter as emoções no outro dia”, contou orgulhoso ao Olimpíada Todo Dia.
“E agora, pisei no Brasil como número um do mundo… Isso para mim é um marco muito significativo pela minha história, pelo tempo que eu estou batalhando, o quanto eu fui crescendo. Ainda vou precisar de um tempo para absorver tudo isso que aconteceu. Eu sofri muito na minha vida esportiva, mas valeu muito a pena. Não só para mim, o que eu conquistei, mas pelo o que eu vejo de resultado e reflexo que a minha carreira gera para o esporte, para outras pessoas. Isso fez tudo valer a pena”, completou.
A estratégia da vitória
O ápice dos meses de Henrique Avancini na Europa veio na segunda prova de cross country olímpico da Copa do Mundo, depois de também vencer o short track dois dias antes. Mas não faltou emoção para a conquista deste título, que veio de uma estratégia perfeita, na última volta.
Nos quilómetros finais, em determinado local da pista, os atletas podiam optar entre dois caminhos diferentes. Avancini, Nino Schurter e Milan Vader lideravam a prova, quando o brasileiro tomou a melhor decisão e, pela linha externa da pista, tomou a ponta, de onde não saiu mais. Tudo fruto de muita preparação e um pouco de intuição.
“No sábado, no meu último treino na pista, eu fiz aquele trecho umas 12 vezes. Tinha uma intuição de que ali seria um ponto decisivo da prova. É um circuito que já rola há anos, mas a prova nunca foi definida ali e não sei porque estava com isso na cabeça. A linha mais óbvia ali é a interna, onde eu passei duas vezes, para ver como os outros atletas estavam indo. E todas as outras eu fui pela externa. Só que em nenhuma volta eu ganhei posição ali”, relembrou.
“Eu precisava estar na ponta. Nem sempre quem lidera o sprint vence a prova, mas eu senti que minhas pernas estavam mais favoráveis para um sprint mais longo do que um mais curto. E aí, na última volta, quando o Vader entrou na linha interna e o Schurter foi na roda dele, ali, para mim, ele (Nino Schurter) perdeu a prova, porque eu sabia que ia fazer mais rápido, já tinha testado isso. E eu tive certeza quando avancei no sprint que a prova era minha. Foi muito especial”.
Experiência e força mental
Não foi de um dia para o outro que Henrique Avancini conseguiu estar entre os melhores do mundo. E hoje, para ele, a experiência de ter corrido em todas as partes do pelotão é um diferencial, assim como também traz novos e diferentes desafios.
“Eu estou competindo há muito tempo, mas na ponta do pelotão mundial eu estou competindo há pouco tempo, na verdade. Então eu tenho muita experiência como atleta na parte de preparação e sei me virar melhor muitas vezes que os atletas de ponta até, porque já competi no rabo do pelotão, no meio e agora na ponta, desde 2017, quando consegui meu primeiro top 10. Então eu tenho experiência dentro do pelotão inteiro e estar na ponta traz outros desafios. São coisas que eu precisei aprender e ainda estou no processo de aprendizado”.
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Grande parte desse processo passa também por um trabalho psicológico muito forte, com a psicóloga Alessandra Dutra. E para Avancini, pela primeira vez, ele conseguiu colocar esse trabalho em prática e com sucesso.
“Muito do que eu venho trabalhando, a parte mental, acho que eu consegui pela primeira vez entregar com muita fidelidade, executando todos os passos, mapeando a corrida, os adversários, e por isso também foi especial. Fisicamente nem foi um dia que eu estava bem, que eu acordei voando, soltando foguete. Mas a minha cabeça estava muito no lugar e foi muito bom vencer da forma que eu venci”.
Família e pandemia
Além das conquistas na Copa do Mundo de mountain bike, que já valem por si só, elas vieram com um gostinho especial para Henrique Avancini por dois motivos: a presença da família e a superação da pandemia.
“Meu pai e minha irmã estavam lá com a minha equipe de desenvolvimento e para mim foi muito especial. Meu pai sempre foi o cara que acreditou na minha carreira, sempre me apoiou muito apesar das dificuldades, e minha irmã é minha fisioterapeuta. Os dois já viram o meu pior profissionalmente e pessoalmente também. Me viram em 2016 com muitas lesões, meus altos e baixos, tudo isso. Então estar lá e poder abraçar eles quando eu cruzei a linha de chegada como vencedor da Copa do Mundo foi muito marcante, uma das coisas mais memoráveis na minha carreira”.
“Esse lado da pandemia teve uma pitada a mais para mim. O ranking foi reaberto em 1º de julho e eu só consegui chegar à Europa para competir em 28 de agosto. Enquanto os europeus estavam competindo e somando pontos, eu estava em casa treinando. Mas eu estava treinando de verdade e prometi para mim mesmo que quando eu tivesse a chance de alinhar com esses caras, eu tinha que bater eles. E aí voltei para a Europa, venci duas provas, mas eu queria vencer a Copa do Mundo esse ano ou o Mundial. Eu precisava vencer uma dessas provas grandes, por uma questão pessoal mesmo. E eu consegui, então foi uma realização muito grande para mim, para o Brasil e para a minha equipe”.
O legado de Avancini
Por tudo que já havia conquistado e mais esses novos feitos históricos, Henrique Avancini vai deixando seu legado para o mountain bike e o esporte brasileiro. O atleta se impressionou com o tamanho da repercussão após a Copa do Mundo e se diz privilegiado em poder ajudar no crescimento da modalidade que tanto ama.
“Eu tentei me fechar um pouco, porque a quantidade de mensagem, de posts, de gente entrando em contato e assim, chorando… Chegou a ser assustador para mim, porque eu me sentir dessa forma acho que é compreensível, mas a minha emoção acabou refletindo muito nas pessoas. A repercussão da vitória nesse sentido foi muito maior do que eu imaginava. Não imaginava que eu tocaria tanto as pessoas”.
“Mas é a história por trás da conquista que gerou isso. Me emociono em saber que eu trago essa intensidade de alegria para quem vem acompanhando a minha carreira. É a visibilidade, o interesse. Então ser uma faísca para impulsionar alguma coisa é muito importante, é um privilégio na vida de um atleta”, contou emocionado.
Próximos passos
Ainda que sonhe com o título mundial e olímpico, que podem vir já no ano que vem, a contribuição e a representatividade de Henrique Avancini para o mountain bike já extrapolam fronteiras. E enquanto volta para casa para abraçar a filha Liz e curtir de fato as conquistas, ele já se prepara para a última competição do ano, o Campeonato Brasileiro, no qual vai com tudo por uma honra para lá de especial.
+ Henrique Avancini e o lado pai do atleta e campeão
“A primeira coisa agora é voltar para casa e abraçar minha filhota. Ainda preciso de um dia de silêncio para absorver tudo que aconteceu, poder curtir um pouco isso comigo mesmo. E aí tem o Campeonato Brasileiro no final de outubro, provavelmente vai ser minha última competição do ano. É uma prova muito importante para mim, vou participar com muito empenho, porque o título vale o direito de estampar a bandeira do Brasil no uniforme e para mim, ainda mais nesse momento que estou vivendo internacionalmente, tem um valor enorme. Não é uma coisa que eu vou deixar escapar de mão beijada para ninguém. É uma honra que eu pretendo manter”.