Nas mesmas águas da cidade húngara de Szeged onde, há dois anos, garantiu vaga na Paralimpíada de Tóquio, Fernando Rufino mostrou que é forte candidato a medalha na capital japonesa. O Cowboy de Aço, como ele é conhecido por ter sido peão de rodeio e sobrevivido a vários acidentes, venceu duas das três provas que disputou na Copa do Mundo de Paracanoagem, há uma semana: os 200 metros em canoa (VL) e caiaque (KL) na classe dois, para atletas que utilizam braços e tronco para remada.
Foi o primeiro torneio internacional do qual participou após quase dois anos. O último havia sido o evento-teste da Paralimpíada, realizado em setembro de 2019, em Tóquio. Na ocasião, Rufino foi campeão no KL2 e vice no VL2. Desde então, Cowboy só competiu na Copa Brasil de Paracanoagem, entre os dias 13 e 14 de março do ano passado, em São Paulo, dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia do novo coronavírus e o calendário da modalidade – e do esporte em geral – ser afetado.
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“Quem é atleta, gosta de competir. Quanto mais se treina, mais isso faz parte de você. Você fecha o olho e mentaliza o treino. Com a prova, é a mesma coisa. Quanto mais se compete, mais você consegue mentalizar a prova. Na primeira eliminatória [na Copa do Mundo], estava com meus batimentos cardíacos [variando] entre 120 e 126 por segundo, em média. Estava um pouco elevado, pois é aquela pressão, muito tempo sem competir. Como estou? E meus adversários? Mas depois, fui mantendo o controle, avançando mais tranquilo. Nas finais, o batimento já estava em cem, 110 [por segundo]”, conta o canoísta, à Agência Brasil.
O cuidado com o coração
Se tem algo que Fernando Rufino acompanha com atenção é justamente a parte cardíaca. Foi por causa dela que, em 2016, o sul-mato-grossense de Itaquiraí, ficou fora da Paralimpíada do Rio de Janeiro. Em março daquele ano, uma elevação na pressão arterial fez com que o Cowboy precisasse, inicialmente, passar por uma fase de destreinamento (redução no volume das atividades aeróbicas). Quatro meses depois, como não se recuperou à tempo, ele foi cortado dos Jogos, substituído por Igor Tofalini, curiosamente, outro ex-peão que virou canoísta. Foram dois anos até, enfim, voltar ao alto rendimento.
“De tudo na vida, o brasileiro tira algo de proveito. De lá para cá, percebi que me profissionalizei mais. Passei a analisar melhor os treinos, entendê-los melhor, ver a importância de cada passo. Tenho um medidor de pressão e acompanho [a condição arterial] semanalmente. Graças a Deus, os resultados são muito bons. Em Tóquio, competirei em duas provas, caiaque e canoa. Se Deus me abençoar e eu puder ganhar duas medalhas, escreverei 2016 em uma delas [risos]. Vou remar dobrado para ficar mais feliz ainda”, comemora Rufino.
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O amadurecimento do sul-mato-grossense se evidencia nas palavras e no entendimento do quanto um detalhe pode fazer a diferença na busca pelas medalhas em Tóquio.
“Em uma competição, sou eu que posso estragar a prova dentro da água, caso me apavore ou desconcentre na largada. A parte mais forte tem de ser a cabeça. No caiaque, espero uma prova ainda mais difícil e delicada [em Tóquio]. É uma prova remada com muita inteligência. [Na Copa do Mundo] O tempo médio [para conclusão] dos 200 metros foi de 41 a 42 segundos, com vento contra. É uma média de 90 a 95 remadas no percurso, ou seja, são duas por segundo. Veja a importância desse segundo. É nele que você respira, concentra para utilizar a força. Quem errar menos, tem maior possibilidade de ganhar, pois todos estarão muito bem preparados”, explica o canoísta.
Tudo por Tóquio
Por isso, Fernando Rufino sabe que nos três meses que antecedem os Jogos Paralímpicos, todo cuidado (dentro e fora da água) é pouco. Não é exagero. Ao longo da vida, o Cowboy sofreu a vários acidentes. Já foi atingido por um raio, pisoteado por um touro e atropelado por um ônibus. Neste último, em 2005, lesionou a medula e ficou paraplégico.
“O meu treinador [Thiago Pupo, da seleção de paracanoagem] deu uma semana de folga e pediu, por favor, para eu tomar cuidado em casa [risos]. É que sou peão, né? Em casa, mexo com gado, bato concreto. Mas serão três meses quietinho, focado no objetivo. Três meses de muito detalhe e de pé no chão. A gente treina em Ilha Comprida [cidade do Vale do Ribeira, no interior paulista, a 215 km de São Paulo], em uma bolha, por causa da pandemia. Temos nossa própria academia e barracão de treino, tomando todos os cuidados. Nosso mundo, hoje, é essa bolha. São três meses para escrever o nome na história”, finaliza o Cowboy.