Isaquias Queiroz está leve. De férias, após mais uma temporada recheada de conquistas, o medalhista olímpico esteve no Rio de Janeiro antes de seguir para um merecido descanso em sua cidade-natal, Ubaitaba, na Bahia, e concedeu entrevista exclusiva para o site do Comitê Olímpico do Brasil.
Tendo como cenário a Lagoa Rodrigo de Freitas, local onde fez história nos Jogos Olímpicos Rio 2016, o baiano de 25 anos fez uma avaliação da temporada, coroada com mais duas medalhas no Campeonato Mundial da Hungria.
Isaquias revelou também que pensou até em parar de competir após a morte de seu treinador, o espanhol Jesús Morlán, mas que voltou atrás na decisão ao receber apoio do COB e de sua equipe, e agora vai com tudo para cumprir a promessa de conquistar duas medalhas em Tóquio 2020. Caso a profecia se concretize, seria a décima medalha de um pupilo de Morlán em Jogos Olímpicos. O objetivo no ano que vem é chegar a cinco pódios em Jogos Olímpicos e empatar nas lendas Torben Grael e Robert Scheidt, recordistas da história do país, com cinco.
Mesmo com a cabeça no acarajé de Dona Dilma, sua mãe, e nas praias do Sul da Bahia, Isaquias não esconde o entusiasmo com a preparação para Tóquio. Com o planejamento pronto, deixado detalhadamente por Morlán antes de falecer, Isaquias pensa em aproveitar novos locais do Brasil pra treinar.
Qual a avaliação da temporada 2019?
Sempre temos que avaliar a temporada pelo Mundial e foi fantástico. Conseguimos manter o feito de 2015, que também era um ano pré-olímpico. Esse ano a gente alcançou a mesma meta, só que sem o nosso grande treinador Jesús Morlán. Mostramos para todo mundo que ele nos treinou bem e nos deixou preparados tanto fisica quanto mentalmente. Comecei o ano com dois ouros na Copa do Mundo, também consegui um ouro nos Jogos Pan-americanos e no Mundial acabei conquistando um ouro e um bronze. Para finalizar, no Brasileiro, ganhei seis ouros, então foi 100% de aproveitamento.
O que representou a medalha de ouro no Mundial?
Ela teve um sentimento diferente até pela parte de mostrar pra todo mundo que a gente está preparado mesmo sem o nosso grande mentor. Demonstra o quanto ele se dedicou até o último dia de vida para nos deixar preparados para Tóquio. Não é mais sobre nós, e sim sobre ele. Seu sonho era conquistar a décima medalha olímpica. Agora vamos a Tóquio para garantir isso, ainda mais pelo Lauro Souza (treinador da seleção), que vem se dedicando há bastante tempo e sofreu uma pressão bastante grande. Agora ele está pela primeira vez no comando, e os resultados vêm em cima do trabalho.
Antes de falecer, Morlán deixou escrito todo o planejamento de treinos até Tóquio. Isso está sendo seguido à risca pelo Lauro?
Mais do que à risca. No Mundial ele usou o paninho, o tênis e até a cueca da sorte do Jesus. E deu certo. Ele está seguindo todo o planejamento, inclusive as superstições do Jesús. Lauro está sendo um grande treinador, se dedicando bastante e passando bastante confiança para a equipe. As chances de medalhas nos Jogos Olímpicos são grandes. Ganhamos o Mundial, mas não quer dizer que somos campeões olímpicos. Para acontecer isso, temos que continuar treinando e nos preparando ainda mais. Agora é focar como se fossem os últimos dias de nossas vidas.
De onde tirou forças pra manter a motivação depois do falecimento de Jesus Morlán?
A perda do Jesús foi muito sentida no meio da canoagem. Todos sabiam do que ele era capaz. Para nós foi pior ainda, porque vimos que ele se dedicou ao trabalho até o último dia de vida. Ele gostava muito da gente, amava o Brasil. Mesmo com a família na Colômbia, ele quis ficar aqui até o fim da vida Dentro de um planejamento apertado, tínhamos que nos levantar e erguer a cabeça rapidamente. Não podíamos deixar passar em branco o trabalho e a dedicação dele. Fizemos uma promessa de seguir remando e não parar, como ele dizia. Foi complicado acordar para o mundo outra vez. O COB, o Lauro e o Nivalter foram fundamentais nisso tudo. Pensei em parar de remar no início, mas tinha que continuar honrando tudo que ele fez pela minha carreira e pela canoagem no Brasil.
Que ensinamentos do Jesús Morlán você guarda na mente?
Guardo mais a personalidade e o caráter dele. Era um cara totalmente diferenciado, uma pessoa que deixou a família para poder seguir treinando pessoas que ele conhecia há pouco tempo. Até hoje não compreendemos essa força de vontade. Via como ele ficava debilitado depois do tratamento, mas mesmo assim ele ia aos treinamentos, dava broncas e nos apoiava.
O que podemos esperar de Isaquias Queiroz para Tóquio?
Vamos brigar por duas medalhas. Mostramos no Mundial que essa possibilidade existe. Fizemos o melhor trabalho possível no Mundial. Acredito que dê para fazer um ótimo campeonato, como no Rio 2016. Agora é manter o foco para conseguir o mesmo feito, manter o legado que ele deixou.
Os maiores medalhistas da história do Brasil têm cinco medalhas. Você é muito novo e ainda tem muita carreira pela frente. Conquistar esse feito é uma meta?
No esporte de alto rendimento, criamos expectativas de chegar ao auge. Mas sabemos que é muito complicado, às vezes tem alguma lesão, o rendimento cai. A minha expectativa é me tornar um grande nome do esporte nacional e internacional. Nesses Jogos, tenho a oportunidade de chegar à minha ª quinta medalha olímpica, e o Jesús já projetava que em 2024 eu me tornaria o maior atleta da canoagem mundial, com sete medalhas. Para isso, é continuar trabalhando e tenho toda possibilidade de chegar. O COB vem me apoiando desde 2009, então tenho que apresentar resultados, como fiz agora no Mundial. Fui lá ganhei a medalha de ouro no C1 1000m, uma medalha muito importante para mim. Agora é continuar trabalhando para chegar em Tóquio e conquistar minha quinta medalha e a décima do Jesús. E depois pensar já em 2024. Prefiro deixar 2024 lá na frente e pensar num degrau de cada vez.
Após um ano intenso de competições, o que você vai fazer nas férias?
Estava esperando essas férias há bastante tempo. Vim bastante ao Rio de Janeiro ver o pessoal do Flamengo. Agora é ir para casa e aproveitar a família. Quero descansar mesmo. Ficar em casa jogando o meu futebolzinho no videogame, aproveitar umas praias, comer o acarajé da minha mãe. É aproveitar bastante para quando voltar não ter aquela sensação de cansaço. Não sei se vou sair da Bahia, acho que vou ficar quietinho ali no Sul da Bahia mesmo. Me dá uma alegria muito grande ver o povo da Bahia torcendo por mim. Tenho muito carinho pelo meu estado e pela pessoa que eu sou. Já estou animado para iniciar a temporada. Estamos com um projeto de treinar em outros locais, ganhar alguma quilometragem. Isso me deixou muito animado. O Lauro está fazendo uma programação bem bacana para não ficarmos confinados em um só local. Faremos estágios no Brasil mesmo.