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Blog da Lyanne Kosaka

A incrível história De He Zhili, Campeã Mundial não convocada para Seul-1988 (parte 1)

Campeã mundial em 1987, He Zhili não foi convocada pela China para Seul-1988. Ela disputaria os Jogos de Atlanta-1996, mas agora defendendo o Japão

He Zhili, chinesa campeã mundial em 1987 que passaria a representar o Japão

Já contei aqui que ter assistido à estreia do tênis de mesa em Seul-1988 me deu grande motivação para treinar e tentar disputar um dia os Jogos Olímpicos. Foi muito marcante ver pela TV o desempenho da primeira campeã de simples da história: a chinesa Chen Jing. Mas Seul-1988 poderia ter tido outra medalhista de ouro, a campeã mundial do ano anterior, He Zhili.

Conforme relembra o site Arghk : Em 1987, He Zhili estava na semifinal do Campeonato Mundial Tênis de Mesa em Nova Délhi, Índia. Ela enfrentaria a compatriota Guan Jianhua. Quem vencesse este “duelo de titãs” encararia a vencedora de Dai Lili (China) x Yang Young-ja (Coreia do Sul). Havia muito em jogo, mas principalmente orgulho nacional. Perder seria uma grande desonra para a China, e os técnicos achavam que Guan Jianhua (talvez devido ao seu estilo defensivo) tinha melhor chance de vencer a sul-coreana. Assim, He Zhili foi orientada a perder.

He Zhili, campeão mundial pela China em 1987; anos depois ela representaria o Japão
He Zhili, campeã mundial pela China em 1987; anos depois ela representaria o Japão

A seleção chinesa carregava as expectativas de milhões de compatriotas. Com os olhos grudados nos aparelhos de TV e nos jornais, a fanática nação do tênis de mesa esperava grandes vitórias.

Para o povo da China, o tênis de mesa era o esporte que nivelava o “campo de batalha” da sociedade

A raquete fazia com que chefe e operário tivessem o mesmo status de jogador. Isto é, só habilidade e técnica importavam. Não é de surpreender que os campeões do esporte eram considerados heróis nacionais. Para os líderes do Partido Comunista, estes campeões eram os embaixadores do país e deles se esperava um comportamento exemplar. E tal era a concorrência que muitos tentaram e falharam. A nação produzia muitos atletas de alto nível, mas eram poucas as vagas na seleção nacional.

E a equipe de 1987 representava o melhor que a China podia produzir: Dai Lili, Guan Jianhua, e é claro, a protagonista da nossa história, He Zhili.

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No set decisivo da semifinal entre Dai Lili e Yang Young-ja (as partidas eram disputadas em melhor de 5 sets até 21 pontos, com 5 serviços alternados), Lili tinha uma vantagem de 6 pontos sobre Young-ja. Assim, tudo levava a crer que Lili venceria e a final seria entre chinesas.

Mas de alguma forma, a vantagem de 6 pontos desapareceu e Lili perdeu para Young-ja. Ou seja: uma sul-coreana poderia tornar-se campeã mundial. Para a China que ganhava tudo, isso seria ruim.

Para a seleção chinesa, os interesses da nação eram colocados acima da glória pessoal. E o código moral da sociedade exigia que tal sacrifício fosse aceito sem reclamação. No final dos anos 1980, nenhum outro país podia competir no nível deles e praticamente toda decisão de um grande evento contava com mesatenistas da China.

A campeã mundial He Zhili não era a primeira, nem a última atleta a ser vítima das manipulações da seleção nacional

Em 1961, aconteceu o primeiro caso de interferência da seleção chinesa no resultado de uma partida – nada menos do que no Campeonato Mundial. Li Furong foi orientado a perder para Zhuang Zedong, para dar a este último – uma estrela em ascensão – um gostinho da glória. O Estado acreditava que a vitória de Zhuang inspiraria a juventude do país a seguir os seus passos. Furong obedeceu, não só uma vez, mas em outras duas ocasiões – em 1963 e 1965. Estes atos garantiram ao seu compatriota e adversário Zedong três títulos mundiais.

Com o passar dos anos, outros jogadores chineses adeririam às ordens superiores, em prol da equipe. Mesmo Zedong – no hoje famoso episódio político “Diplomacia do Ping Pong” obedeceu. Na ordem oportunista de Mao Tsé-Tung, Zedong fez amizade com o mesa-tenista americano Glenn Cowan – o que culminou em jogos de exibição entre as seleções da China e dos Estados Unidos, que foram vistos de perto pelo presidente norte-americano Richard Nixon em sua visita ao solo chinês, em 1972. Como comentaristas históricos questionam, mas invariavelmente concordam, esta paixão compartilhada pelo tênis de mesa ajudou a moldar o início do final da Guerra Fria.

Voltando ao Mundial de 1987, He Zhili foi orientada a entregar o jogo na semifinal para sua companheira de equipe

He Zhili e Jianhua estavam cara a cara, prontas a desempenhar os seus papéis na “trama”. Mas He Zhili tinhas outras ideias e superou sua adversária. Os técnicos chineses não podiam acreditar. Ela havia desobedecido uma ordem da equipe, uma ordem da nação. Como ousava colocar seus interesses, seu desejo de sucesso, à frente do país? Mas naquele momento, os dirigentes disfarçaram sua ira.

He Zhili enfrentou Yang Young-ja pelo título e não deu chances à sul-coreana. Assim, He Zhili tornou-se campeã mundial. Na sequência, os técnicos que haviam criticado suas ações nos tensos momentos da semifinal esperavam por um pedido de desculpas. Mas eles não criticaram abertamente He Zhili… bem, pelo menos não ali. Afinal, o título mundial era da China.

Mas o resultado desta desobediência viria a ser conhecido tempos depois: He Zhili não foi convocada para os Jogos Olímpicos de Seul-1988. (Já a sul-coreana Yang Young-ja, vice-campeã mundial em 1987, conquistaria “em casa” o ouro olímpico nas duplas).

No entanto, a carreira de He Zhili não terminaria assim: ela teria outra chance de disputar uma edição olímpica – o que acabou acontecendo em Atlanta-1996 – mas representando o Japão. No próximo post, a continuação desta história cheia de reviravoltas!

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